O Brasil vive tempos de polarização sócio-política e de crescente comunitarismo fundamentalista das religiões. As denúncias de intolerância religiosa recebidas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos atingiram em 2015 seu maior número desde 2011, quando passou a receber essa reclamação. Foram 556 casos reportados aos serviços Disque e Clique 100, constituindo um aumento de 273% em relação a 2014. Além disso, há fatos de aparente fervor missionário relatados pela imprensa, inclusive invocando legislações de “liberdade religiosa”, que mascaram proselitismos intolerantes. Acompanhar os encaminhamentos restaurativos desses conflitos culturais, como também tolher a instrumentalização estatal por lideranças eclesiásticas, mas sobretudo articular políticas preventivas de respeito à diversidade religiosa e à laicidade do Estado é tarefa de um Comitê que vem sendo ensaiado desde o começo da década e foi configurado oficialmente em 2013.
Avaliação de mandato
No último 4 de abril, em Brasília, ocorreu a derradeira reunião ordinária desse Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa, na configuração selecionada para o período 2014-2016. Os vinte representantes da sociedade civil e dos Ministérios da República, cuja missão é contribuir na elaboração de políticas e no estabelecimento de estratégias de afirmação da diversidade e da liberdade religiosa, inclusive o direito de não ter religião, da laicidade do Estado e do enfrentamento da intolerância religiosa, discutiram como o diálogo entre as tradições espirituais pode evocar a misericórdia da Regra de Ouro das religiões, em meio à conjuntura de divisão social pela qual passa o país, no sentido de ajudar as pessoas a enxergarem as outras com respeito, para além das paixões políticas – e das próprias particularidades religiosas.
Foi avaliado também um relatório das ações dessa formação do Comitê, que se uniu à assessoria da diversidade religiosa na Secretaria de Direitos Humanos no atual Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Está sendo criado um Plano de Respeito à Diversidade Religiosa e uma Rede de Proteção às Vítimas de Intolerância, mas já se avançou, com a animação do Comitê, em um Módulo de Intolerância Religiosa no Disque e Clique 100, uma Campanha através das redes sociais pelo Respeito ao Pluralismo de Atitudes Espirituais e uma divulgação escolar de Publicações sobre Diversidade Religiosa, além de Programas de Promoção da Diversidade Religiosa na TV. O Comitê se manifestou publicamente em defesa de tradições religiosas agredidas, sobretudo as de matriz afro, como também em favor do Ensino Religioso como aprendizagem crítica dos conhecimentos espirituais da humanidade. Está em curso ainda uma Pesquisa abrangente sobre Violência e Intolerância Religiosa no território nacional.
Renovação do comitê
Gilbraz Aragão, coordenador do nosso Observatório das Religiões no Recife, foi membro titular dessa turma do Comitê, que no dia 4 recebeu da Secretaria de Direitos Humanos o reconhecimento pela prestação, não remunerada, de serviço público relevante ao país. E, para nossa satisfação, ele acaba de ser selecionado para um novo mandato nesse Comitê da Diversidade Religiosa, através da participação na seleção pública para compor a representação civil, no período 2016-2018. Entre muitas inscrições, 34 candidaturas foram consideradas aptas e, renovando a metade da turma, 10 pessoas foram selecionadas no processo, juntamente com os seus suplentes: entre os titulares está Gilbraz, cuja suplente é Rosália Souza (que fez mestrado em Ciências da Religião na UNICAP e também participa do nosso grupo de pesquisa em diálogo inter-religioso).
A recondução de Gilbraz foi postulada pela coordenação da área de filosofia e estudos de religião da CAPES/MEC e constitui motivo de orgulho para o seu Observatório das Religiões e para os amigos da Universidade Católica de Pernambuco, onde trabalha como professor e pesquisador na pós-graduação de Ciências da Religião e também na de Teologia. Implica igualmente no compromisso de todos os que compartilhamos de sua caminhada com a causa do respeito à diversidade e da promoção do diálogo, justo no momento em que corremos o risco de ver armado neste país, com o esgarçamento da democracia, o palco para a mitigação dos direitos humanos e sociais, sob a cortina do reacionarismo moral calcado em fundamentalismos “religiosos”.
Conferência nacional
A primeira missão de Gilbraz no novo Comitê será colaborar, como delegado, justo na 12ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, que vem sendo preparada por Conferências regionais e setoriais e acontece em Brasília, de 27 a 29 de abril. Com o tema “Direitos Humanos para Todas e Todos: Democracia, Justiça e Igualdade”, esse encontro deve representar a consolidação das pautas republicanas dos Direitos Humanos como Política de Estado no Brasil. A Conferência terá participação de dois mil delegados: 1.200 escolhidos nas etapas estaduais e distrital, 400 eleitos nas etapas estaduais das Conferências da Criança e do Adolescente, Pessoa Idosa, Pessoa com Deficiência e LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; além de 400 delegados titulares dos conselhos e comitês da Secretaria de Direitos Humanos.
As discussões serão realizadas por meio de palestras, painéis, oficinas, grupos de trabalho e debates, observando as dimensões étnico-raciais, de gênero, geracional e de orientação sexual. A ideia é que os diversos segmentos da sociedade tenham uma participação ampla e democrática, em torno dos seguintes eixos orientadores: Afirmação e fortalecimento da democracia, Garantia e universalização de direitos, e Promoção e consolidação da igualdade. A discussão, pois, sobre o respeito à diversidade religiosa e a promoção do diálogo das tradições espirituais está garantida, sobretudo por causa do serviço potencialmente compartilhado pelas religiões à ética e ao bem humano comum, que estão entre e para além de todas elas.
Veja fotos dos eventos por aqui.
Saiba como ficou a composição do Comitê das Religiões aqui no Diário Oficial ou aqui na SDH.
Pra saber mais:
Liberdade religiosa e Direitos Humanos
Diversidade, passos e impasses
Atividades do Comitê da Diversidade
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