DIA DAS RELIGIÕES E DE COMBATE À INTOLERÂNCIA

Encontro do Fórum Diálogos no Terreiro de Mãe Amara
Encontro do Fórum Diálogos no Terreiro de Mãe Amara

 

No Brasil, as denúncias de discriminação religiosa recebidas pelo Disque 100 (Disque Direitos Humanos) atingiram no ano de 2015 seu maior número desde 2011, quando o serviço passou a receber esse tipo de reclamação. Foram 556 casos reportados ao serviço da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal. Houve um aumento de 273% em relação a 2014 e a maioria dos fatos envolve o Povo de Santo das religiões afro-brasileiras, com cultos de imprecações cristãs contra os seus Terreiros e agressões aos seus símbolos e aos seus membros. Não é à toa que o 21 de janeiro, desde o ano 2007, é Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, justo por causa da morte de Mãe Gilda, do candomblé da Bahia, vítima de agressões por cristãos.

Mas o 21 de janeiro é também, desde 1949, o Dia Mundial das Religiões: uma iniciativa da ecumênica Fé Baha’i, depois assumida pela ONU, igualmente para se combater a intolerância e promover o respeito à religião e entre as religiões, celebrando a possibilidade de elas dialogarem em torno dos princípios místicos e éticos que estão entre (e para além) de todas elas, colaborando assim para a promoção da paz mundial. Religião é abertura para um misterioso poder criador que nos antecede e ultrapassa, cujos nomes e imagens são atribuídos pelas possibilidades e limites das pessoas e grupos que o experimentam. O Dia das Religiões é, então, para ativar a potencialidade humana de desejar e acolher o mistério divino que gera vitalidade no cosmo e, a partir da relação com as outras criaturas, colaborar para um mundo onde o simbólico vença o diabólico e a vida seja mais forte do que a morte.

E não são poucos os desafios que o mundo enfrenta nesse campo (da falta) do diálogo e coexistência. Não bastassem os conflitos econômicos e políticos, a China e a Coreia do Norte perseguem ideologicamente (e a ideologia aí assume ares de substitutivo religioso) os grupos espirituais tradicionais. O Irã e a Arábia Saudita apadrinham a versão de uma religião e perseguem muçulmanos dissidentes, cristãos e baha’istas. O Paquistão condena à morte quem os extremistas denunciam por blasfêmia, normalmente xiitas, cristãos, hindus e ahmadis. Na Síria e Iraque o grupo Estado Islâmico desencadeou ondas de terror contra yazidis, cristãos e xiitas, bem como contra os gays e as mulheres. Budistas radicais na Birmânia agridem os muçulmanos rohingya. Na República Centro-Africana, milícias cristãs destruíram quase todas as mesquitas do país. Na Nigéria, o Boko Haram continua a atacar cristãos e inúmeros muçulmanos que se opõem ao grupo. Judeus e muçulmanos não se entendem na Palestina, apesar das mesmas raízes espirituais. O extremismo político/religioso também aterroriza Europa e EUA – e não são apenas os ditos muçulmanos antiocidentais: grupos que se proclamam cristãos matam médicos que defendem os direitos reprodutivos.

Para enfrentar essa situação temos criado legislação e políticas, no Brasil e alhures, mas precisamos mesmo é de (re)educação. Todas as tradições espirituais e filosóficas fazem parte do patrimônio cultural da humanidade e merecem respeito e liberdade. Mas, para promover a convivência em nossas sociedades pluralistas, os Estados devem controlar o proselitismo e regrar o uso de símbolos religiosos em espaços públicos, além de não submeter questões legais, como a educação dos fatos religiosos, a interesses de algum grupo privilegiado.

Somente a escola pode terapeutizar a vivência da religião e as relações entre as religiões. Mas a escola como lugar de aprendizagens críticas e transdisciplinares dos conhecimentos espirituais. Cabe à comunidade educativa refletir sobre as diversas experiências religiosas que a cerca, analisar o papel dos movimentos e tradições religiosas na estruturação e manutenção das culturas e sociedades, rompendo com relações de poder que encobrem e naturalizam discriminações e preconceitos. Cabe à escola refletir sobre o fenômeno humano de abertura para a transcendência, em busca de interpretações mais universais e significados mais profundos para o que é experimentado como sagrado em cada povo ou grupo.

Todas as pessoas têm direito ao esclarecimento das crenças e descrenças da humanidade e para isso o Ensino Religioso deve avaliar as notícias religiosas em seus contextos, estudando as religiões como questão e não como dado. O Ensino Religioso, compreendido como campo de aplicação da área de conhecimento das Ciências da Religião, numa visão transdisciplinar, não objetiva transpor conteúdos enciclopédicos e muito menos doutrinais para um ensino catequético, mas o desenvolvimento de processos de aprendizagem participativos, de construção de conhecimentos significativos através de grupos e projetos de pesquisa, em conexão com as pautas de estudo e engajamento dos cientistas da religião. Fica aqui o desafio para os estudiosos da religião neste 21 de janeiro, Dia das Religiões e do Combate à Intolerância marcado por tantos conflitos, no sentido do engajamento pedagógico na tradução das sabedorias espirituais e na promoção do diálogo inter-religioso.

Gilbraz.

 

Assista por aqui à nossa entrevista alusiva, no telejornal Bom Dia Pernambuco.

 

Para saber mais:

Da intolerância ao diálogo

Ensino religioso e diversidade

Dia de combate à intolerância

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4 comentários Adicione o seu

  1. Fernando Menezes disse:

    Presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli afirmou nesta quinta-feira (10) que não se pode negar que “há projeto de captura do Estado por determinado segmentos religiosos”…

    http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1748420-ha-projeto-de-captura-do-estado-por-segmentos-religiosos-diz-toffoli.shtml

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