RECIFE DESPONTA COMO POLO DE DIÁLOGO

Este ano a Festa do Morro da Conceição, maior festival religioso do Recife e arredores, teve uma novidade (que resgatou antiga tradição dessa festividade): na semana prévia, no sábado 23 de novembro, aconteceu uma celebração inter-religiosa aos pés da imagem da santa, na Praça do Morro. Além dos representantes de várias religiões, mais de quarenta terreiros de xangô, jurema e umbanda participaram, haja vista a afinidade da sua Iemanjá com a Conceição católica (saiba mais por aqui). O reitor do Santuário do Morro, Mailson Reges, defendeu a importância da mensagem que o culto macro ecumênico transmite nessa festa tradicional de Pernambuco: “Queremos dar um grito do Morro contra o ódio e a intolerância. Estamos dando as mãos em uma mensagem de paz. O caminho é o diálogo inter-religioso, que é um pedido do Papa Francisco. Estamos pedindo um basta porque muitos terreiros estão sendo agredidos, muitas igrejas são invadidas. As nossas diferenças não podem ser motivo de guerra”.

De fato, o Brasil, varrido por uma onda de conservadorismo político e cultural, tem enfrentado aumento dos casos de intolerância religiosa, em que cristãos fundamentalistas unem-se contra o ecumenismo e o diálogo, sobretudo contra as religiões afro-indígenas, contra imigrantes e especialmente os muçulmanos, unem-se pela catequese nas escolas e contra o “ensino religioso” laico e republicano, pela “liberdade religiosa” entendida como direito ao proselitismo intolerante e em favor da ocupação do espaço público pela “bíblia”. Mas, no Recife e região, cultiva-se uma história muito forte e cosmopolita de relações interculturais e de abertura para o diálogo. Já Dom Helder dizia que os templos apontam para o além e, se ficarmos apenas olhando as igrejas, perderemos o céu estrelado e o seu reflexo em nosso interior, na natureza e na história, nos olhos dos outros. Nessa linha, muitos grupos de buscadores do diálogo surgiram em Pernambuco (como demonstrou aqui o Fórum Diálogos): suas rodas e colóquios inter-religiosos exercitam a ética do amor, que pode religar crentes antagônicos em uma fé trans-religiosa que se faz silêncio místico ou atitude de cuidado comum pelos outros empobrecidos e necessitados e pelo nosso meio ambiente.  

O atual arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, acaba de ser eleito para presidir a Comissão Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso do Regional NE 2 da CNBB e já anunciou um grande encontro sobre o tema e a criação de comissões diocesanas de diálogo em todo o território (saiba mais aqui). Assim, nos dias 20, 21 e 22 de março de 2020, no Convento de São Francisco, em Olinda, acontecerá um Encontro de Formação para o qual são convidados padres e leigos, que estão envolvidos ou pretendem se envolver com iniciativas e equipes de promoção do ecumenismo e diálogo, de todas as dioceses do Rio Grande do norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. O evento, que contará com a participação de Dom Fernando e a assessoria de Fábio Potiguar e Marcelo Barros, Gilbraz Aragão e Margarida Mendonça, tratará dos grandes documentos e encontros, bem como das organizações e movimentos ecumênicos e macro ecumênicos, apresentará as grandes religiões e a diversidade religiosa no Nordeste, além dos eixos e formas para se fomentar o diálogo e o ecumenismo. Inscrições e mais informações podem ser obtidas através do telefone (81)3421-6075 ou pelo e-mail: codeirnordeste2@gmail.com.

Também em 2020, de 22 a 24 de abril, a Universidade Católica de Pernambuco vai receber meia centena de animadores e pesquisadores do ecumenismo e diálogo inter-religioso de todo o país, para o III Seminário “Espiritualidades Contemporâneas, Pluralidade Religiosa e Diálogo”, que vai aprofundar especialmente os “Desafios dos Fundamentalismos”. O objetivo é contextualizar a onda de religiosidade reacionária e sectária, buscando aprofundar o seu significado e apontar pistas para a sua terapeutização, desde um princípio teológico pluralista, inclusivo e aberto a todas as tradições espirituais, religiosas e não ou pós-religiosas. Confirma-se assim a trajetória de promoção do diálogo que os jesuítas desenvolvem na UNICAP, sobremodo através do seu Observatório das Religiões, que articula fóruns inter-religiosos com núcleos de estudos afro-brasileiros e indígenas, acreditando que o diálogo inter-religioso e intercultural é chamado a criar ambiência mística de compromisso, entre e para além das tradições de fé, com a frente ecumênica e ecológica do cuidado com a Casa Comum. Mais informações sobre o Seminário estão disponíveis aqui no site.

Veja por aqui a repercussão dessa história no jornal L’Osservatore Romano.

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