DIREITOS HUMANOS E RELIGIÃO

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Aconteceu de 9 a 11 de setembro, na PUCParaná, em Curitiba, o V Congresso da ANPTECRE (veja por aqui o novo site da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião). O congresso (veja aqui o site do evento) reuniu cerca de 600 professores/as, pesquisadores/as e estudantes de Pós-Graduação do Brasil dedicados aos estudos das religiões, promovendo o entrosamento dos seus Grupos de Pesquisa e aprofundando, nesta edição, a temática “Religião, Direitos Humanos e Laicidade”. O evento foi estruturado através de conferências, mesas de debate e, sobretudo, grupos temáticos, onde 465 participantes apresentaram e debateram comunicações científicas: foram 171 doutores e 294 mestres/mestrandos, vindos dos 21 programas associados à ANPTECRE e de outros grupos que pesquisam as religiões, perfazendo 50 universidades/faculdades circulando nos GT’s. Os textos das comunicações estarão disponíveis (por aqui) e o livro com as conferências já foi lançado (veja aqui). O congresso também organizou sessões culturais e visitas acadêmicas, com destaque para a Sala de Ensino Religioso (com experiências exitosas dos professores do Paraná) e do Full Dome da PUC (com a apresentação pedagógica dos espaços sagrados da cidade). Ainda ocorreu assembleia dos coordenadores de programas e reuniões do fórum de periódicos e da comissão de livros da ANPTECRE.

1O tema do congresso foi abordado conceitual e historicamente, revelando o potencial mobilizador do religioso nas diversas configurações sociais, seja na articulação de processos de dominação política, seja na construção de uma ética de coexistência e na criação de instrumentos de proteção dos Direitos Fundamentais dos seres humanos em um Estado laico. Nesse debate colaboraram diversos estudantes e professores da UNICAP e, do nosso Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife, estiveram participando das discussões e apresentando comunicações os colegas Constantino Melo, Davi Barbosa, Vanessa Nunes, Mailson Cabral, Carlos Vieira e Franci Ronsi, além de Gilbraz. Eles se reuniram por duas tardes no GT “Pluralidade Espiritual e Diálogo Inter-Religioso”, juntamente com parceiros dos grupos de pesquisa sobre o diálogo da UMESP e PUCMinas. O professor Gilbraz, coordenador do nosso Observatório e também vice-presidente da ANPTECRE, participou na Mesa de Debates sobre “Diversidade, convivência e papel das religiões na esfera pública”. Ele lembrou que a Constituição do Brasil veda à União, aos Estados e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com seus representantes relações de dependência ou aliança. Dessa maneira, o respeito à liberdade e à diversidade religiosas implicam na aceitação e no reconhecimento do pluralismo espiritual como parte da realidade humana, inclusive para quem não profere religião.

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O professor apontou para a necessidade do aprendizado da coexistência humana pluralista, em vista da superação das intolerâncias que marcaram a história religiosa do nosso país – onde até dia desses todos deviam se batizar na igreja oficial do Estado e onde ainda há igrejas pleiteando essa prerrogativa. A nossa Carta Magna enseja novas atitudes políticas, pelas quais se deve traduzir, em termos razoáveis e humanos, a pertinência universal das propostas éticas postuladas a partir de uma tradição religiosa ou filosófica. Conforme manifesto da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, de cujo Comité de Respeito à Diversidade Religiosa o professor Gilbraz é membro titular, “A liberdade religiosa não pode ser confundida com liberdade de promoção religiosa em espaços de órgãos públicos e a interferência da religião e seus sistemas de verdade nos atos civis de interesse público, em caráter de justaposição dos interesses privados da religião sobre os interesses do Estado e da sociedade como um todo. A colaboração da religião é aceitável desde que de interesse público e não da promoção de suas convicções em particular”. Gilbraz apontou, então, para uma vigilância necessária quanto aos fundamentalismos que têm crescido no país, onde certas comunidades e lideranças cristãs exercitam a leitura (pretensamente) literal da Bíblia para travestir um projeto conservador de dominação político-cultural. Segue um trecho da sua fala:

“… Aí se opõe um “Deus” pai sério e punitivo a uma divindade amorosa de justiça e compaixão; uma igreja exclusivista, rígida e hierárquica, a movimentos inter-religiosos em favor da terra eco-consciente; manifesta-se um apego teológico ao pecado original, contra uma espiritualidade da criação e sua compreensão de bênção original; prega-se a intolerância ao estrangeiro e ao “estranho” moral, contra o abraço ao feminino e aos outros gêneros; o medo da ciência, enfim, ao invés do incentivo à sapiência. Essa é uma compreensão retrógrada, haja vista que boa parte da humanidade ultrapassou uma visão mágica da espiritualidade (por exemplo, Jesus altera o mundo milagrosamente e atende as minhas preces por prosperidade e riqueza) e também uma visão mítica das coisas (segundo a qual Jesus traz a verdade eterna sobre tudo – e contra todos os que não têm fé nele). Somente nessas “altitudes” de compreensão espiritual é que faz sentido o proselitismo fundamentalista. Hoje, todavia, as pessoas mais amadurecidas têm uma crença mais razoável (se sigo a Jesus, posso encontrar uma vida boa, verdadeira e abençoada pelo seu caminho de amor, mas entendo que outros possam igualmente descobrir outras espiritualidades válidas) e até mais pluralista (há algo da consciência de Cristo em todos os seres e culturas, sendo o cristianismo uma de suas interpretações) e inclusive mais integral (a espiritualidade também se verifica na profundidade da observação científica e nas relações intersubjetivas profundas, podendo-se mesmo conceber uma “missa sobre o mundo” para além das místicas explicitamente eclesiais). (…) Nessa perspectiva hermenêutica mais acurada, aquilo que  os cristãos, por exemplo, chamam de revelação, é entendido como verdadeira pedagogia divina: é o Espírito que nos permite interpretar os “sinais dos tempos” e, numa certa altura do esperançoso compromisso prático para com a defesa da vida no mundo, acreditarmos que aquele grito que despertou a nossa práxis de amor é sagrado, ou seja, percebermos que dentro de nossa relação amorosa fala-nos processualmente uma palavra diferente, que causa diferença na vida, no sentido de uma qualidade humana mais profunda, de uma existência descentrada do ego. De forma que, mesmo para um cristão, a Palavra de Deus não está presente só nos “livros sagrados”, nem somente na literatura cristã, e o que uma religião descobre como revelação do mistério da vida é por causa das outras e para as demais tradições espirituais também. Nessa práxis religiosa, teologicamente terapeutizada e antropologicamente madura, as religiões aprendem da liberdade laica (para si) trazida pelos modernos Direitos Humanos, mas também podem radicalizar (para os demais) a compreensão republicana desses direitos…”.

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Saiba mais:

Religiões no espaço público

Fundamentalismos e esperanças

Debate sobre ensino religioso

Laicidade e religiões

 

3 comentários Adicione o seu

  1. Claudia Rocha Lima disse:

    FUNDAMENTALISMO CRISTÃO É UMA REALIDADE NO BRASIL… SERÁ MESMO UM PROJETO DE MORALIZAÇÃO OU UMA GRANDE FORMAÇÃO DE QUADRILHA PARA SAQUEAR, MAIS AINDA OS COFRES BRASILEIROS… MANIPULAÇÃO DA LEGISLAÇÃO JÁ É UM SINAL DE QUE A SEDE DO PODER JÁ FOI ALÉM DAS IGREJAS E, CERTAMENTE, O ENRIQUECIMENTO COM OS DÍZIMOS NÃO É O BASTANTE PARA A GANÃNCIA, QUE NA ESFERA DO CRISTIANISMO, NÃO DEVE SER UM PECADO, OU TALVEZ TENHA SE RECONFIGURADO EM UMA FALTA MENOR… JUSTIFICADA PELA CONQUISTA DE ESPAÇOS PÚBLICOS EM NOME DO ‘POBRE’ SENHOR JESUS!!!

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