Gildásia dos Santos e Santos, a mãe Gilda de Ogum, morreu de coração partido: infartou aos 65 anos, com a saúde abalada depois que jornal de igreja neopentecostal publicou sua foto com a manchete “Macumbeiros charlatões lesam a bolsa e a vida dos clientes, o mercado da enganação cresce no Brasil mas o Procon está de olho”. Os evangélicos, além disso, invadiram o terreiro para exorcizar a mãe de santo. Aí, em 2007, a data de sua morte no ano 2000, 21 de janeiro, que é inclusive o Dia Mundial das Religiões na ONU, virou um marco no Brasil: o Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa. Mas a violência só tem crescido e, há alguns meses até, um cidadão foi à praça de Salvador onde fica o busto de mãe Gilda e o vandalizou com pedras e vidros, disse que em nome de Deus tinha que arrebentar a estátua.
A violência simbólica sempre prepara agressão pública e mesmo física que, segundo o Dossiê Intolerância Religiosa, é cometida sobretudo contra o Povo de Santo de tradições afro-indígenas, e principalmente por gente de igrejas fundamentalistas que se dizem cristãs. O que confirma que a intolerância entre nós é racista e classista, quer arrancar as divindades dos negros e/ou pobres para poder explorar melhor o seu trabalho, os seus corpos, a sua riqueza cultural, quer demonizar os espíritos dos indígenas para poder tomar suas terras e minérios – que eram e são os deuses de fato dos (neo)colonizadores. Em Pernambuco, ainda repercutem os casos de “destruição da casa sagrada” dos índios pankará, de políticos religiosos que foram à praia de Boa Viagem orar para “quebrar a maldição de Iemanjá” após sua festa, ou da “degola de Iansã” na Faculdade de Direito, do fogo na imagem de Nossa Senhora em Gravatá, ou ainda do “incêndio da árvore sagrada” no Sítio do Pai Adão, ou das “invasões à Tenda de Umbanda Caboclo Flecheiro” em Olinda…
Então, precisamos ajudar a combater essa intolerância e promover o respeito à diversidade: no último Censo, o Recife aparece com mais de 800 mil católicos, quase 400 mil evangélicos, mais de 50 mil espíritas e 220 mil pessoas que cultivam espiritualidade sem religião, afora o povo da jurema, umbanda e candomblé, “invisibilizado” pela múltipla pertença em mais de 1.200 terreiros na Região Metropolitana. O problema é que nosso imaginário é muito da cristandade e associa tal diversidade com o pecado original, a Torre de Babel que decorreu da arrogância humana. Mas uma teologia bem informada pelos estudos antropológicos e históricos promove é uma espiritualidade da bênção original: somos poeira de estrelas e irmãos dos outros bichos, evoluímos de diferentes maneiras desde o princípio e o mistério da Criação quer nos revelar algo com a pluralidade cultural e religiosa, de modo que toda religião é verdadeira em seu contexto e há mais verdade quando as tradições estão juntas e reconhecem um sonho humano e divino comum em meio aos seus diferentes sons.
Apontando nesse sentido, o nosso Observatório tem promovido estudos, eventos e publicações. Dentre as iniciativas, colaborou na edição de um livro virtual muito importante e disponível principalmente para educadores nas escolas, “Religiões e espiritualidades: por uma cultura de respeito e paz”, que traz um pouco da história, da visão de mundo e missão, das crenças e ritos dos movimentos religiosos que compõem o Fórum Diálogos, o Fórum da Diversidade Religiosa em Pernambuco. Neste Dia de Combate à Intolerância, o professor Gilbraz enviou o vídeo acima e ainda falou sobre o tema aos jornais da Globo, Bom Dia PE e NE2, tendo também participado de debate sobre o “novo Ensino Religioso” como espaço de fomento da tolerância e da coexistência, e de entrevista sobre a promoção do diálogo entre religiões e convicções no “Programa Caminhando“, da comunidade do irmão Marcelo Barros. Tamos por aí, juntos e misturados!
Se faz necessário conhecer para a construção de conceitos e ideias, lógicas, reflexivas e especulativas para entender, diversas questões religiosas, são muitos os desafios para a construção de uma cultura de Respeito Paz.