Criado em 2001 com a proposta de reunir movimentos sociais de todo o mundo, o Fórum Social Mundial (FSM) ocorreu em 2018 na capital baiana, de 13 a 17 de março, envolvendo vários espaços da cidade com o lema “Resistir é criar, resistir é transformar”. Trata-se de um evento altermundialista, organizado por movimentos dos vários continentes, com o objetivo de elaborar alternativas para uma transformação social global. Esta edição do FSM procurou articular resistências às manobras que tentam asfixiar os processos democráticos e a participação popular, retirando direitos humanos duramente conquistados. Buscou também apontar opções de convivência cidadã, em meio a grandes retrocessos éticos, políticos e sociais. Foi sintomática, nesse contexto, a sua realização no Brasil, que sofre desde 2016 um golpe parlamentar a serviço do capital transnacional explorador.
É possível dizer que o Fórum Social Mundial é uma aula magna do humanismo. Um lugar de esperança, que permite fazer crescer o pertencimento a uma causa inclusiva e aberta, em defesa da vida para todos. Quem participou do Fórum não estava apenas sonhando, mas indicando que, por todas as partes do mundo, ensaiam-se novas formas de sobreviver e conviver, mais cuidadosas e humanas. O mundo que temos hoje é perigoso para toda a humanidade: está aumentando a distância entre ricos e pobres, o planeta está aquecendo, os recursos estão se esgotando. O fundamentalismo e a violência se multiplicam. Então, um outro mundo não é apenas possível, mas necessário. Pessoas negras, indígenas, brancas e de várias classes sociais uniram-se, então, num mesmo objetivo: salvar a vida humana e a casa comum da humanidade.
O Fórum foi também um encontro transdisciplinar, reunindo acadêmicos e militantes, incluindo as sabedorias populares junto às técnicas científicas. A pedagogia do Fórum é de descolonização, descentralização. A metodologia de ação social ensaiada não foi de confronto, mas de complementaridade. Foi igualmente um evento trans-religioso: chamou atenção o painel ecumênico, com o tema “Igrejas na resistência aos cenários de golpe na América Latina”. O teólogo Aquino Júnior foi enfático: “A nossa relação com Deus não nos permite ficar longe das grandes questões sociais. Tem a tarefa de ajudar o povo nas suas lutas. O cristão não pode ser indiferente num pais onde seis pessoas têm mais que 50% da população”. E o monge Marcelo Barros, animador do nosso Observatório das Religiões no Recife, arrematou: “Nossas Igrejas precisam superar o patriarcalismo e aprender das religiões afro a importância do ministério das mulheres. Precisam sair da camisa de força que as mantêm presas a normas morais das filosofias neoplatônicas como se fossem do Evangelho e a regras cultuais que identificam a Igreja com uma religião imperial antiga. Isso precisa ser superado para que se tornem mais e mais caminhos de espiritualidade e de liberdade humana”.
Fato dolorosamente marcante foi a notícia, durante o Fórum, do assassinato de Marielle Franco no Rio: lutadora social e vereadora, cientista social, filha da Favela da Maré. Ela tinha uma participação prevista no Fórum e, com sua morte, o nível de politização aumentou. O fato repercutiu fortemente na Assembleia Mundial de Mulheres, no Terreiro de Jesus no Pelourinho, marcada por discursos inflamados e gritos de ordem, como “Marielle Franco, presente”, “Feminismo é revolução”. E pela cidade ecoaram os dizeres de um grande painel nas ladeiras de Salvador, terra de todos os santos: “Que o sangue de Marielle regue nossa resistência, nossa luta. A luta continua, companheira! Por você, por nós. Marielle Franco, presente!”
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