O QUE FAZER COM A INTOLERÂNCIA

31755211_10214096963451517_8518477490224627712_n

No último dia 18 de maio o companheiro Mailson Cabral representou o nosso Observatório em uma mesa de debates sobre “Fraternidade e superação da violência: intolerância religiosa”, que ocorreu no Centro Loyola de Cultura e Fé de Goiânia, em conjunto com o professor Alberto da Silva Moreira, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Goiás. O foco da discussão foram as possíveis formas de superação da intolerância religiosa. O professor Alberto centrou-se nos casos internacionais de conflitos religiosos, dando uma especial atenção à maneira como a diversidade religiosa é posta em risco pelos fundamentalismos religiosos e, sobretudo, políticos. Mailson falou da intolerância religiosa no contexto nacional e os seus desdobramentos, como explica neste relato:

3 - IMG-20180523-WA0033Gostaria de compartilhar um pouco do que disse nesse evento, mas, antes disso, cumpre deixar registrado o meu agradecimento ao Centro Loyola de Goiânia pela recepção fraterna e atenciosa que recebi (na pessoa das irmãs leigas que dirigem os trabalhos e administração do espaço) durante os dias que permaneci na cidade.

Desde 2007, celebra-se, em 21 de janeiro, o dia nacional de combate à intolerância religiosa. Para quem não sabe o porquê da data, vou contar um pouco da história. Em outubro de 1999, o jornal Folha Universal, pertencente à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), associou a imagem da Ialorixá Gildásia dos Santos e Santos, conhecida como Mãe Gilda, com a seguinte manchete: “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e vida dos clientes”. Em decorrência da repercussão da matéria, Mãe Gilda teve seu terreiro invadido e depredado. Após o agravamento de problemas de saúde, afetados por esses incidentes, mãe Gilda veio a falecer em 21 de janeiro de 2000.

Entre os anos de 2011 e 2015, a cada três dias, uma denúncia de intolerância religiosa é recebida pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio do Disque 100, serviço destinado a receber demandas relativas à violação dos direitos humanos. O acolhimento dessas denúncias acontece desde 2011, sendo reportado, no ano 2015, o maior número de casos registrados, 556, o que corresponde a um aumento de 273% em relação a 2014, quando foram feitas 149 denúncias (SOUZA, 2017). Algo que é possível inferir desses dados é que houve uma diminuição do silenciamento sobre os casos de intolerância religiosa e maior visibilidade pública para essas ocorrências ao longo do tempo, como também a cobrança de diversos setores da sociedade por um posicionamento mais efetivo do Estado na garantia do direito à liberdade de crença. Apesar disso, a ascensão dos casos de intolerância religiosa se impõe como um problema social, pois o seu crescimento se tem tornado notório nos últimos anos.

É importante dizer que a intolerância religiosa também se inscreve na instância da lei e nas decisões jurídicas, seja de forma sutil ou explícita. Basta lembrar como a liberdade religiosa foi regulamentada na história brasileira, sempre sustentando um posicionamento ideológico de que, no Brasil, a única forma de culto permitida e tida como oficial pelos representantes do Estado era a de matriz cristã. As liberdades de consciência e de crença eram garantidas desde que não se violasse a ordem pública e os bons costumes, conforme aparece insculpido no Inciso 5º do Artigo 113 da Constituição de 1934: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil.”

Essa restrição que se impôs à liberdade religiosa situava a ordem pública no nível da lei moral, o que, por sua vez, incidia diretamente sobre o exercício dos cultos de matriz africana. Só a partir da Constituição de 1988 houve o respaldo legal para que outras expressões religiosas fossem abrangidas dentro da noção de liberdade religiosa. Ainda assim, é possível encontrar declarações como a do juiz da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Eugênio Rosa de Araújo, em 2014. Na época, o magistrado afirmou em resposta a um processo que pedia a retirada de vídeos em circulação na internet, que ofendiam as religiões de matriz africana, que as religiões de matriz africana não eram religiões, sob o argumento de que elas não contêm os elementos que caracterizam uma religião, que, para ele, seriam: um texto base, sistema hierárquico e um deus a ser adorado. Ele decidiu pela permanência dos vídeos na internet, alegando que se tratava de um caso de exercício da liberdade religiosa e não um ato de intolerância religiosa.

5 - IMG-20180523-WA0035Os casos se multiplicam a esmo, sempre repetindo os lugares comuns do preconceito.  É preciso perseverança em mostrar que a diversidade religiosa é um valor positivo no espaço público e que merece ser respeitado e defendido. Daí a insistência nas noções-valores de coexistência, diversidade e laicidade, como centrais no combate à intolerância religiosa. E é justamente isso que eventos como este vêm marcar. Obviamente que o problema não se restringe ao da esfera política e legal, e se conseguirmos avançar nessa frente de conscientização da sociedade civil e dos animadores religiosos, se conseguirmos ampliar a percepção dos formadores de cultura para a riqueza da pluralidade e a beleza do arco-íris, já teremos dado um grande passo.

Mailson Cabral,

Mestre em Ciências da Religião pela UNICAP e membro do Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife.

 

Saiba mais:

Dia de combate

O contrário da intolerância

Da intolerância ao diálogo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *