Através de Maruilson Souza, que participou do grupo de estudos do nosso Observatório, está se criando uma ponte de amizade e colaboração com um “Exército” inteiro. Ainda mais nesses tempos de crise política no Brasil, em que a religião tem sido instrumentalizada por movimentos extremistas, temos a satisfação de colaborar na história de uma “ordem religiosa” protestante, de perfil marcial, que se prepara para melhor servir nos rincões desse país, mas com intervenções educativas, promovendo justiça e paz.
Um novo passo foi dado nessa caminhada: de 31 de maio a 3 de junho, na sede nacional do Exército de Salvação em São Paulo, ocorreu o 2º Simpósio Brasileiro de Justiça Social, tratando dos direitos humanos com foco no desafio dos migrantes. O evento, que reuniu mais de duzentas pessoas, foi promovido pela igreja cristã Exército de Salvação, mas estava aberto ao público e ganhou adesão sobretudo de membros de comunidades wesleianas. Contou com preletores internacionais como Dean Pallant, que trabalha junto à ONU, e conferencistas brasileiros como Ariovaldo Ramos e José Prado, o bispo Paulo Ayres e a vereadora Patrícia Bezerra.
Teve também a participação de Gilbraz Aragão, do nosso Observatório das Religiões no Recife, que já tinha colaborado no 1º Simpósio, e agora palestrou sobre a Justiça Socioambiental, mostrando, a partir das provocações do papa Francisco sobre ecologia integral, que devemos promover um conjunto de relações que perpassem os diferentes níveis do convívio, dentro da nossa grande casa comum: “relações justas que envolvem o reconhecimento profundo da dignidade de todos os seres humanos, acima de raízes étnico-raciais, de crenças religiosas, das diferentes gerações, gênero, visões de mundo e opções, buscando sempre formas de estabelecer o diálogo, o valor da pluralidade e a dinâmica da reconciliação; relações justas que envolvem a efetivação de políticas de superação das desigualdades sociais e o acesso universal aos direitos básicos de trabalho, assistência social, previdência, saúde, moradia, educação e alimentação; relações justas que envolvem a conservação e preservação dos dons da criação ou bens naturais, em vista de um ecossistema saudável e de vida para o futuro do planeta terra e seus habitantes”.
A um tempo em que o Simpósio retomou e aprofundou a identidade do Exército de Salvação e comunidades eclesiais homólogas, lembrando o slogan “sopa, sabão e salvação”, que marcou o início do Exército, em 1865, unindo trabalho evangelístico e ação social nos bairros miseráveis de Londres, o encontro também ajudou a abrir o espectro ecumênico que vem crescendo entre cristãos envolvidos com teologia e missão integral no Brasil, sedimentando uma plataforma comum de promoção social por parte de igrejas que valorizam os direitos humanos mas acreditam que eles se tornarão mais amplos e efetivos com o envolvimento das tradições espirituais.
Falou-se no Simpósio que as religiões não podem ignorar aspirações legítimas da consciência laica e civil em matéria do verdadeiramente humano: elas devem estar prontas a reinterpretar suas tradições. Mas, ao mesmo tempo, as éticas mais racionais não podem negligenciar as lições de sabedoria sobre a vida de que as tradições religiosas foram sempre portadoras. Afinal, a laicidade dos nossos tempos denota uma isenção filosófica e política perante a religião, que se traduz em respeito por todos os credos e inclusive pela ausência deles – em atitudes agnósticas que não deixam de manifestar alguma fé antropológica.
No afã de buscar essa complementariedade de forças e atores para avançar com o movimento dos direitos humanos, o Simpósio discutiu conceitos mas também trouxe testemunhos de muitos grupos que trabalham com educação e assistência, notadamente os envolvidos com migrantes e refugiados – haja vista que, conforme estimativas da ONU, a população que vive fora do país em que nasceu é hoje de 3,3% da humanidade, o que corresponde a 244 milhões de pessoas, com um aumento de 41% entre 2000 e 2015. Os desafios são grandes para a inclusão desse povo, mas foi enorme em São Paulo a animação desse “Exército” de servidores e seus aliados.