Nesta semana tive orgulho de participar da banca examinadora do Doutorado de Franci Ronsi, no Departamento de Teologia da PUC-Rio, que aprovou com louvor sua Tese sobre “A mística cristã e o diálogo inter-religioso em Thomas Merton e em Raimon Panikkar”: o texto tem quase 350 páginas e foi orientado pela querida Maria Clara Bingemer. Franci fez Iniciação Científica conosco na UNICAP e participou ativamente do Grupo de Estudos da gente, sobre Transdisciplinaridade e Diálogo; esteve junto em congresso sobre Religiões e Paz e colaborou em nossa participação na assembleia nacional do Diálogo Católico-Judaico. Mesmo fazendo muitos amigos e também atravessando grandes adversidades nessa passagem pelo Sudeste, para onde mudou a fim de se dedicar mais aos estudos teológicos, Franci manteve as relações com o Recife e até apareceu dia desses no Encontro Transreligioso Ocupe Estelita.
A Tese dela, que aprofunda teoricamente esse engajamento, lembra que o contexto de pluralismo cultural e religioso em que vivemos exige uma revisão de quaisquer teologias como hermenêuticas das tradições de experiência do sagrado, favorecendo assim o diálogo entre as pessoas e as suas buscas por transcendência. Recorda também que a mística é uma dimensão constante e profunda dos fenômenos religiosos, devendo constituir um outro nível da vivência espiritual que pelo seu próprio dinamismo leva ao encontro entre as religiões, junto com o comprometimento ético dos crentes e para além das suas diferenças cultuais e culturais. Com efeito, os sons dos hinos, danças sagradas e preces de todas as religiões visam criar um “silêncio” onde o divino possa se revelar, e todos os santos, em todas as tradições, costumam se reconhecer e se valorizar. Para fundamentar essa apresentação da mística como um caminho paradigmático para o diálogo, Franci serve-se de Velasco e Queiruga, mostrando que as descobertas de um caminho espiritual são por causa dos outros e para os outros, mostrando que toda mística faz variações em torno dessa reverência ao mistério da vida – que nos antecede e ultrapassa!
Depois a Tese recupera e contextualiza, exemplarmente, as trajetórias e contribuições de um monge que se lançou ao encontro dos outros pela mediação literária e pelos exercícios comuns e inter-religiosos de meditação, e de um intelectual que se abriu aos cruzamentos intra-religiosos das nossas modernas existências sincréticas e também à pós-moderna possibilidade da vida religiosa em redes de famílias. Merton e Panikkar, remotos buscadores do diálogo, antes mesmo que o papa Francisco pedisse agora à Igreja para ir às fronteiras, lançaram-se no aprendizado solidário com a espiritualidade asiática, deixando-nos pistas para a reinterpretação da mensagem cristã através dos olhos (puxadinhos) dos outros. Morto em 1968, Merton foi um trapista gringo dado à poesia e ao ativismo social pacifista (especula-se até que tenha sido eliminado pela “inteligência” dos EUA), bem como aos estudos de religião comparada. Panikkar extinguiu-se em 2010, como religioso casado e com filhos adotados na sua Catalunha, após se afastar da Opus Dei para dedicar-se aos estudos comparados de religiões (procurando reunir os aprendizados hindu e budista com o cristão e secular da sua vida).
Esse doutorado de uma jovem católica nordestina vem no tempo certo, pois o papa acabou de dizer à Comissão Teológica Internacional que “… em virtude do gênio feminino, as teólogas podem relevar aspectos inexplorados do insondável mistério de Cristo. Eu os convido, portanto, a tirar o melhor proveito dessa contribuição específica das mulheres à inteligência da fé”. Depois, Franci já é a quarta pessoa do nosso Grupo de Estudos que chega ao doutorado, sempre aprofundando questões que ajudam a construir uma ponte do transdisciplinar ao transreligioso. Aos poucos, vai-se criando uma nova “escola do Recife”, na área de estudos da religião, em favor do cultivo da interioridade espiritual, em vista de pessoas mais livres para amar e contemplar o divino no outro; em favor da abertura de um terceiro olho, lógico e espiritual, em vista do conhecimento mais sutil da harmonia invisível (“cosmoteândrica”) da realidade. Precisamos socializar melhor essa produção acadêmica que avança e já aguardamos ansiosos os textos de Franci, a quem desejamos novos horizontes de saúde, vida boa e muita paz!
Gilbraz.
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