A CIÊNCIA DA RELIGIÃO CONHECE O QUÊ? E COMO?!

No próximo 28 de junho, a partir das 9h, aqui pela internet, teremos a defesa da tese de doutorado em Ciências da Religião na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), do companheiro Mailson Fernandes Cabral de Souza, com o título “Embates epistemológicos em Ciência da Religião: a cartografia discursiva de uma prática científica”. A banca, presidida pelo professor Gilbraz Aragão, será composta pelos seguintes doutores: José Tadeu Batista de Souza – UNICAP, Nadia Pereira da Silva Gonçalves de Azevedo – UNICAP, Flávio Augusto Senra Ribeiro – PUC MINAS, Waldney de Souza Rodrigues Costa – UERN, e Caio Augusto Teixeira Souto – UFAM.

Mailson apareceu em nosso Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife pelos idos de 2013, atraído por um blog sobre estudos de religião do professor Gilbraz: desde então vem participando de pesquisas e colaborando em cursos, escreveu artigos e inclusive falou no rádio com Gilbraz, tornou-se seu orientando no mestrado (cuja dissertação até virou o livro Diversidade Religiosa e Direitos Humanos) e seguiu com a parceria agora, no doutorado. Mailson, então, é mestre e graduado em Ciências da Religião pela UNICAP, faz parte da equipe do Observatório e do seu Grupo de Pesquisa sobre “Espiritualidades, pluralidades e diálogos”, tem experiência como estudioso em Ciências da Religião e na Análise do Discurso de linha francesa.

Sua tese de doutorado, com mais de 500 páginas recheadas de metáforas cartográficas e muita arqueologia da linguagem, enveredou pelas reflexões filosóficas sobre o conhecimento na Ciência da Religião, constatando que, desde o início dos anos 2000, essa área tem experimentado, no Brasil, um forte período de expansão acadêmica, com a abertura de vários cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado). Como efeito desse processo, o delineamento político e institucional dos estudos adquiriu contornos mais nítidos, tornando a epistemologia um tema central nas discussões acerca do perfil acadêmico do cientista da religião, de sua área de formação e atuação.

No entanto, as posições assumidas nesse debate são heterogêneas, especialmente no que tange à existência ou não de um quadro teórico-metodológico e de uma genealogia que sejam próprias à Ciência da Religião. A fim de cartografar essa questão, a tese teve como objetivo geral analisar como são produzidos os discursos referentes ao objeto, métodos e filiações conceituais da Ciência da Religião no Brasil. E como desdobramento, os seguintes objetivos específicos: apresentar como a articulação entre a Epistemologia Histórica, praticada por Georges Canguilhem, e a Análise do Discurso, elaborada por Michel Pêcheux, permitem examinar a produção de valores e sentidos de uma prática científica em uma dada época; rastrear, a partir de uma genealogia do conceito de religião para a Ciência da Religião, a emergência, desenvolvimento e diáspora dessa prática científica; e examinar o aparecimento e disseminação dos cursos de Ciências da Religião no Brasil e das reflexões teórico-metodológicas sobre a área.

Para contextualizar o desenvolvimento desse campo de estudos no país, Mailson mapeou as grandes fronteiras da sua história mundo afora e, enfim, inventariou o funcionamento discursivo do termo “epistemologia” no debate sobre o estatuto epistemológico da Ciência da Religião no cenário nacional, entre 2001 e 2022. Nas linhas que marcam o desfecho da tese, ele indica que, apesar das incompreensões que atravessam os embates epistemológicos da disciplina no Brasil, permanecer nelas não precisa ser o destino final dos cientistas da religião: a possibilidade de novas partidas não está fechada…

Gilbraz anda muito contente com o amadurecimento existencial e esse percurso acadêmico do seu (des)orientando: até preparou um prêmio para lhe entregar por ocasião da defesa da tese. É que o professor estava em um grupo de amigos que se encontrou na SOTER em 2017 para pensar na epistemologia da recém emancipada área de Ciências da Religião e Teologia: como a reunião foi no museu de ciências naturais da PUC MINAS e o grupo era meio “jurássico”, deu-se conta de que não tinha representação dos jovens que lotavam o congresso, então (não se sabe de onde!) apareceu um simpático mascote (da foto ao lado) como símbolo do GT de velhos branquelos.

Acontece que o grupo não foi longe: dividiu-se discutindo a diversidade de métodos nos estudos da religiosidade e se a Teologia seria uma subdisciplina das Ciências da Religião ou estas seriam um propedêutico na formação de teólogos, se a Ciência da Religião seria uma disciplina científica a mais ou um campo inter e transdisciplinar de conhecimento em torno de um objeto complexo, a religião; se era o caso de fazer estudo explicativo comparando empírica, psicosocial e historicamente as religiões ou uma sapiência mais interpretativa e sistemática sobre a morfologia do sagrado, servindo-se da combinação de fenomenologia e hermenêutica. Afinal, o mascote acabou foi virando brinquedo dos filhos de Gilbraz e Isaura (e ultimamente foi resgatado das garras do cachorro da família, Jizo).

Como Mailson, em sua epistemologia histórica, levantou os panos de pretensas sacralidades e “igrejinhas” universitárias, esclareceu controvérsias político-pedagógicas que precisam ser aprofundadas pelos cientistas da religião, conseguiu revelar as cartas ideológico-religiosas desse jogo científico, será, portanto, o herdeiro do epistemossauro ou, mais pomposamente, “epistemologiae viridis dinosaurum” (“dino verde da epistemologia”… episteme aqui no sentido foucaultiano, de paradigma; e verde não apenas por o boneco ter essa cor, mas porque toda ciência deve defender a ecologia integral, a ecumene, a habitabilidade da Casa Comum). Assim, os “mochileiros da galáxia” do nosso Observatório têm encontro marcado no dia 28: vamos passar a guarda do bendito mascote para um rapaz preto e periférico, do Sul do planeta Terra, do Nordeste do Brasil. Ao fim e ao cabo: a Ciência da Religião conhece o quê? E como? A partir de então, é bom perguntar a Mailson!

Aí a apresentação da tese e por aqui o debate com a banca

A tese está integralmente acessível por aqui

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