TESOURO D@S MAIS VELH@S

No último 16 de agosto, vítima de câncer aos 85 anos, Adélia partiu. Ela participava assiduamente do grupo de estudo do nosso Observatório das Religiões nas quartas-feiras: vinha de ônibus e sempre trazia suco (das frutas que pegava do vizinho) e biscoitos (do refeitório do convento) pra partilhar com os estudantes famintos no final da tarde.

Adélia Carvalho era missionária salesiana mas também artista plástica: transmitia espiritualidade pela arte e pintava a sua vida religiosa com a maior beleza. Adélia era Artista da Caminhada, retratava em seus quadros engajados a vida sofrida das nossas Severinas e Severinos, mas sobretudo simbolizava a esperança do povo afrolatíndio de alcançar justiça socioambiental, em uma sociedade de Bem Viver (sua pintura Ameríndia foi capa do segundo livro da nossa série sobre “Espiritualidades, transdisciplinaridade e diálogo“).

A irmã era também animadora de Comunidades Cristãs de Base e facilitadora do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, onde desenvolveu aprendizagens lúdicas pra sermos mais descentrados e cuidadosos com os outros. Seus quadros, como os dos textos sagrados bem interpretados, destacam as figuras humanas (e periféricas, sempre com olhos amendoados): pra revelar que ali na esquina está o divino e nos olha, naquela prisão, hospital ou favela. Onde a carne sofre, aí está Jesus, crucificado; onde a carne ama, cuida e se relaciona, aí está o Cristo, glorificado.

Adélia era uma pessoa íntegra, de gestos ternos e traços que encantavam. Ensaiava a estética de um outro mundo possível, onde a própria espiritualidade cristã transborda e se torna relacional e inclusiva, rompendo fronteiras entre sagrado e profano, criando pontes alterativas entre identidades que se estranham. Suas figuras tão humanas, que só podem ser divinas, vivem fazendo roda e dançando ciranda, criando nas telas um vazio entre diferentes culturas e religiões. A pintura de Adélia sugere sempre espaço para um misterioso “terceiro”, entre e além. E por isso desperta para a mais autêntica mística.

A Irmã Adélia ajudou a gente a entrecruzar caminhos entre e para além das religiões formais. Pois, afinal, os templos apontam para o céu: se ficarmos apenas olhando os templos, perderemos o céu estrelado e o seu reflexo: em nosso interior, na natureza e na história, nos olhos do outro.

Obrigado, Adélia, por desenhar caminhos de alteridade pra gente: já era assim quando trabalhou conosco fazendo cartilhas nos tempos de Dom Helder (cujo Encontro de Irmãos foi protagonista na história do Mês da Bíblia no Brasil). E faz uns dez anos ela apareceu em nosso grupo na UNICAP, já reconhecida no mundo das artes, com uma expressão mais apurada e o espírito de sempre: aberto, atento, artístico e educativo.

Por isso, em sua homenagem e como presente para as novas gerações, o Observatório digitalizou e reeditou o livrinho “O tesouro dos mais velhos”, sobre a experiência de Deus do povo da Bíblia ou de nossos irmãos mais velhos na fé, que ela produziu com o professor Gilbraz e o padre Cláudio Sartori e fez sucesso anos atrás. O texto tem por base as pesquisas “História de Israel“, “Introdução socioliterária à Bíblia hebraica” e “As Tribos de Iahweh“.

Quem era o Deus no qual acreditava o povo de Jesus? Qual a relação dessa “imagem” de Deus com a história do povo? Que inspiração essa experiência pode trazer para as comunidades cristãs de hoje? Esse livrinho, ricamente ilustrado por Adélia, quer ajudar a responder a essas questões, quer ajudar na atualização da mensagem do Antigo Testamento – que é referência tanto para os seguidores de Jesus Cristo, como também para o seu povo judeu e os irmãos muçulmanos.

Baixe o livrinho de Adélia aqui.

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