“Encontrável desde épocas arcaicas da humanidade, a preocupação religiosa com o mal não dá sinais de fadiga. Ao contrário, parece ser o trunfo da religião para resistir à secularização e ao avanço científico, ao incremento da informação e aos contatos inter-religiosos que relativizam as pretensões absolutas de respostas tradicionais. Nem a filosofia pode com ela, pois, embora atenda às inquietudes dos homens e mulheres modernos, e especule sobre o mal propondo meios de abordá-lo em termos práticos, não tem o poder religioso de nos motivar, inspirar e amparar diante do mal. A filosofia (e a teologia) especula e traça modelos; a religião convoca para o engajamento e o combate ao mal…” (SOARES, Afonso. De volta ao mistério da iniquidade: palavra, ação e silêncio diante do sofrimento e da maldade. São Paulo: Paulinas, 2012, pg. 62).
Na tarde chuvosa deste sábado, 16 de maio, o nosso Grupo de Estudo sobre Transdisciplinaridade e Diálogo, em mais uma atividade de teologia pública, visitou a Exposição Do Inferno, na Casa do Cachorro Preto em Olinda. São 27 quadros em nanquim, 6 lambe-lambes gigantes e um wallpainting. Foram inspirados nO livro dos Demônios, do espiritualista Antônio Augusto Fagundes Filho, que desenvolve uma tipologia dos capetas mais famosos. Em uma ressignificação mais radical que a do autor, que denota um envolvimento místico com a realidade e apresenta as “defesas necessárias contra as forças do mal” (ainda que relocalizadas em nossa subjetividade), os artistas do Coletivo Do Inferno querem com os seus desenhos “levar a sociedade a refletir sobre a fuga da racionalidade. As religiões foram a desculpa para os grandes propagadores do ódio durante a história. A ignorância e o medo promoveram segregação e perseguições, toda forma de injustiça. Não existem entidades sobrenaturais controlando o universo e nossas atitudes. Nós somos os deuses e também somos os demônios”.
A visita à exposição de arte foi, então, pretexto para uma roda de conversa do Grupo (em frente ao MAC, uma antiga cadeia religiosa) sobre as representações do mal nas religiões. A nossa cultura em crise tem convivido novamente e sempre mais com simbolismos demoníacos, que vão do Mefisto elegante de Fausto aos exorcismos extravagantes da ficção – e também das igrejas populares, onde sob velhos e novos nomes um Diabo pré-moderno (ser espiritual envolto de “objetividade” metafísica), mas muito vivo, marca mais presença até do que Deus, explicando com os seus “encostos” os vícios e a má sorte das pessoas.
A mentalidade moderna e científica interpreta a experiência dessa “presença” que personifica o mal como uma forma arcaica (e semi-consciente) de oração, o transe (onde igualmente podem se manifestar bons espíritos), e analisa os fenômenos de possessão “demoníaca” com o transfundo do desequilíbrio psicológico e/ou da “dramatização” comunitária (transtorno de identidade resultante de traumas, que encontra uma terapêutica psico-social nos rituais de transe). Mas, para ensaiar novas hermenêuticas e relações com o, enfim, mistério do mal, é preciso saber como as histórias dos demônios se desenvolveram e se entrecruzaram pelos caminhos religiosos da humanidade. Quem participou da conversa, agora sabe…