PÁSCOA E RELIGIÕES

Girassol, símbolo transreligioso da Páscoa: sempre à procura de “luz” e mais vida, como as tradições espirituais da humanidade

A Páscoa tem origem na religião judaica. A tradição rabínica lembra uma antiga festa de primavera, em que os pastores ofertavam a Deus um cordeiro como agradecimento pelo rebanho. Ao se tornarem também agricultores, os descendentes de Abraão consumiam toda farinha e fermento em festa no dia anterior à colheita do trigo, porque acumular alimentos é sempre começo de injustiça. Daí o primeiro pão de trigo novo não era fermentado. Quando o povo judeu foi libertado da escravidão no Egito, guiado por Moisés, esses rituais se uniram na ceia familiar de Pessach, cujos pratos principais são o cordeiro e o pão sem fermento, lembrando agora a pressa na fuga e a proteção divina na passagem para a liberdade.

Páscoa lembra libertação e ressurreição, crenças que unem judaísmo, cristianismo e islamismo, que são as religiões mais novas e que se tornaram as maiores do mundo, desenvolvidas no Oriente Médio a partir do Êxodo, do movimento de Moisés. Elas aprofundaram uma conotação ética da religião, que já vinha fermentando no zoroastrismo e em outras crenças da Era Axial (de 800 a 200 antes de Cristo, vários movimentos proféticos surgiram na Índia, China, Irã e Mediterrâneo Oriental). Trata-se de uma fé vinculada à luta histórica pela terra (com a sedentarização deflagrada pela agricultura) e à experiência de Deus como uma “Força dos Céus” que promete a “terra onde corre leite e mel” e faz aliança para justiçar o povo e a pessoa que cumpre a sua lei de misericórdia: no Dia de sua Ira, então, Deus virá julgar os vivos e os mortos – que terão a sua “carne” pessoal ressuscitada. Mas os judeus celebram a Páscoa mais como a libertação do Egito, os cristãos como a liberdade trazida pela ressurreição de Jesus, e os muçulmanos nem a festejam propriamente: pois nas suas escrituras Deus livrou o profeta Jesus da própria cruz e todos devem aguardar a ressurreição no fim dos tempos.

As escrituras cristãs ensinam que a pregação de Jesus sobre o “Governo de Deus” e o seu cuidado com os marginalizados desagradaram autoridades religiosas, que o entregaram para ser morto pela força de ocupação romana na Palestina. Foi morto na cruz em uma sexta-feira, durante a preparação para a festa de Pessach e, na madrugada do domingo, suas discípulas descobriram que ele havia passado para outro estado de existência. Seus seguidores o experimentaram como ressuscitado em seu meio, quando partilhavam o pão e a vida, e por isso deram-lhe o título de Cristo (Ungido, em grego). Jesus Cristo é o novo cordeiro da Páscoa, que entregou sua vida para inspirar as pessoas, libertando-as do fechamento em si e da morte, permitindo-lhes passar para outro nível de liberdade. Para o movimento de Jesus, ali na esquina poluída, no hospital ou favela, está ele, e nos olha: onde a carne sofre, aí está o Cristo, crucificado. Onde a carne ama, cuida e se relaciona, trata ecologicamente da Terra como nossa Casa Comum, aí está o Cristo, glorificado.

Então, as religiões dos nossos povos originários, como as indígenas e afro (xangô, jurema e umbanda) no Brasil, botam fé no reencontro com os antepassados pela orientação das forças da natureza ou orixás; enquanto as religiões mais orientais, como as budistas, hare krishna e mesmo os espiritismos em nosso país, apostam na evolução espiritual através de meditações e passando por reencarnações. São matrizes religiosas diferentes daquelas religiões proféticas (judeu-cristianismo, islamismo e fé bahai, além do antigo zoroastrismo), que acreditam na ressurreição: estas têm outras tradições e textos sagrados e enfatizam caminhos diferentes para a transcendência. Precisamos aprender a conviver com essa diversidade como a Bênção das Origens e não como resultado de um Pecado Original.

Os calendários destas últimas religiões, “do livro” ou da bíblia, têm referências mais históricas, porém foram construídos em cima das festas pagãs, que aludem mais aos fenômenos da natureza. Na Europa, o solstício de inverno, que lá acontece em dezembro, foi aproveitado na fixação da data do Natal, por exemplo, transformando-se o festival religioso pagão do Deus-sol na celebração do nascimento de Cristo, tido como “Luz do mundo”. Assim também é a Páscoa, a maior festa cristã: o Domingo de Páscoa é o primeiro após a primeira lua cheia depois do equinócio vernal (primavera no Norte), ou seja, depois da entrada do sol no signo de Áries (associado ao carneiro, que é relacionado ao “Agnus Dei”, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo). Como a entrada do sol, é a vitória do Cristo sobre a morte e sobre o tempo, ressuscitando dentre os mortos e renovando o antigo mundo; como a Lua Cheia, é o projeto de Jesus, inaugurando novo ciclo da vida.

Dessa maneira, antigas festas pagãs relacionadas ao equinócio da primavera, em que se celebrava a Deusa da fertilidade e do renascimento, Eostre, também podem ser encontradas no período da Páscoa nos grupos neopagãos que se espalham pelo mundo hoje. E, aliás, um estudo de história comparada das religiões poderia descobrir analogias até entre o canibalismo ritualístico da Pré-história e a Páscoa ocidental que leva a gente a partilhar alimentos e, de forma simbólica, o corpo de Jesus. Enfim, o que uma religião descobre de inspirado é por causa das outras, e é também uma oferta de sentido renovado para as demais. Assim, boa passagem aí, seja qual for o seu caminho espiritual!

Gilbraz Aragão, professor da UNICAP, coordenador do Observatório das Religiões.

1 comentário Adicione o seu

  1. Glauce Laís disse:

    A História é tão rica de rituais dos povos e sua evolução que levaremos ainda muito tempo e estudo para comparar a Passagem hoje entre os povos. Grata

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