Já o nosso grande poeta Mnoel de Barros preconizava que “O olho vê, a memória revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo”. Pois, na direção dessa ciranda de saberes que busca reunir imaginário e ciência em defesa da paz, da vida, tivemos nos dias 6 e 7 de novembro de 2024 uma Celebração online dos 30 anos da Carta da Transdisciplinaridade. Foi um momento importante para recolher e partilhar três décadas de história (incluindo, além da Carta de fundação, três Congressos Mundiais) da epistemologia da complexidade e da sua metodologia transdisciplinar – que nós privilegiamos como abordagem para o estudo e promoção do diálogo inter-religioso aqui em nosso Observatório. Temos avançado em reflexões sobre a importância da espiritualidade e das religiões para a construção de uma visão integral da realidade, que religue cultura e natureza, e essa foi justamente a ênfase na Celebração da Carta da Transdisciplinaridade…
A Lei da Origem, compartida sincrônica e diacronicamente pelos povos originários do mundo, entendia que a permanência da vida na Terra depende da convivência das comunidades – sagrada, natural e humana – em alta complementaridade e simbiogênese para o bem-estar geral. Uma tecelagem de urdiduras e tramas em perfeita oscilação que se nutre e se alimenta, formando um retorno em espiral à origem. Hoje, somos chamados a nos reunir, a dialogar, a colocar o cosmos, a vida, a espiritualidade, a natureza, os guardiões, no centro, para vivermos de forma resiliente, juntos e não separados. Devemos nos preocupar com a harmonização, com a saúde do ecossistema planetário para preservar a vida em todas as suas dimensões. Esta reflexão está recursivamente ligada ao terceiro oculto, ao sagrado presente no simbolismo do logotipo da comemoração dos 30 anos da Carta da Transdisciplinaridade, que se realizará simultaneamente em formato híbrido em vários países do mundo, nos próximos dias 6 e 7 de novembro. Do lado esquerdo, há uma representação simplificada dos círculos concêntricos de um tronco de árvore e do lado direito uma impressão digital humana, ambos coincidindo num movimento em espiral para dar origem ao encontro entre o beija-flor e a serpente, como o terceiro incluído entre eles. É uma imagem que não tem princípio nem fim, pode ser lida da esquerda para a direita ou de dentro para fora, e vice-versa, pois tudo é contínuo. Onde termina o encontro, a língua da serpente começa a enrolar-se e a desenrolar-se para dar lugar à flor da vida, onde se dá a polinização. O beija-flor e a serpente são uma síntese da recriação sincrônica e diacrônica do Espaço-Tempo. A serpente representa toda a experiência material e densa, o mundo aqui. O beija-flor representa toda a experiência espiritual, o mundo do além. Ambos integrados para guiar a origem e a restauração de tudo o que é sagrado no planeta.
Então, no dia 6 tivemos as apresentações dos coordenadores mundiais do movimento transdisciplinar (incluindo as falas de Basarab Nicolescu e Edgar Morin), e no dia 7 as comunicações simultâneas de nove países, entre eles o Brasil. No meio dos pesquisadores brasileiros que comunicaram suas experiências de trabalho com a metodologia transdisciplinar, o professor Gilbraz, coordenador do Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife, declarou que “Nesses 20 anos de engajamento pedagógico transdisciplinar, unindo pesquisa acadêmica com extensão universitária, aprendemos que é possível descobrir, em diferentes sons e mantras religiosos, um sonho humano comum, e passar do terceiro ausente ao terceiro incluído entre as fés, em outros níveis de realidade: pelo compromisso ético com a justiça socioambiental na Casa de Todos, pelo silêncio místico que nos religa às fontes da vida. Somente assim, a diversidade espiritual deixa de ser vista como fruto de um pecado original e passa a ser acolhida como uma bênção das origens”.
O professor ainda argumentou: “Pensamos que, para avançar nesses encontros dialógicos entre diferentes culturas religiosas, é preciso passar do “terceiro ausente” (entre e além dos aparentemente separados e controversos) ao “terceiro incluído” (pela metodologia transdisciplinar do pensamento complexo), e passar até do “diá-logo” ao “triá-logo”, e ultrapassar uma visão identitarista do religioso por uma visão relacional do transreligioso. Na busca por outra forma de racionalidade intercultural e interreligiosa, precisamos restituir em qualquer situação de comparação um ponto de vista mediador de um terceiro intérprete, que pode superar a posição horizontal e frontal da distância e dar lugar a uma inteligência superior, deslocando cada um dos pontos de vista e permitindo estabelecer relação e convivência em meio às controvérsias”.