Estamos vivenciando a campanha do Outubro Rosa, para conscientizar a gente da importância de tratar da saúde e, mais especificamente, do câncer de mama e do útero. A qualidade humana mais profunda que buscamos em nosso envolvimento com as espiritualidades deve incluir os nossos corpos e não dá para falar direito de salvação sem partir da saúde dos nossos corpos – ainda mais em tempos de quarentena e pandemia, quando sofrem mais as mulheres e @s pobres.
Por isso o Grupo de Estudos do nosso Observatório das Religiões reuniu-se, virtualmente, com adereços rosa e com a grande alegria de participar da campanha fazendo o pré-lançamento do livro de nossa companheira Maristela Velozo, “Entrelaces na saúde e doença: a espiritualidade como terceira incluída” (Recife: FASA, 2020). A obra, que reflete justo sobre o enfrentamento do câncer pela autora, tem uma bela capa do parceiro Luca Pacheco e estará à venda na livraria da UNICAP e em boas casas do ramo em Pernambuco.
Outras amigas, inclusive do Grupo mesmo, passam pelo desafio do câncer e, assim, o livro torna-se muito importante, ao trazer o testemunho de que Maristela se apropriou bem da história e aprendeu a conviver com ela e a superá-la e a superar-se. Maristela, em verdade, é educadora da espiritualidade, tem experiência amadurecida no acompanhamento dos jovens, encarna um sentimento oceânico e se sabe parte de uma teia vital, sempre em transformação, sempre em conexão.
O seu livro lembra que, no fio de vida que estendemos sobre o abismo do tempo, a percepção de que a gente é mais, porque sempre em relação, ajuda a dar uns passos rumo ao infinito. Nessa perspectiva, não se tem medo de que a vida, um dia, termine, mas de que ela, realmente, nunca comece direito. E passamos a palavra ao professor Gilbraz, que diz mais em seu comentário sobre o livro de Maristela:
“No mundo da bioética, Hans-Martin Sass já dizia que ‘a lista de valores do paciente é tão importante quanto a sua análise de sangue’. No universo da medicina, a própria Organização Mundial da Saúde percebeu a correlação que existe entre saúde e integridade de vida, quando definiu saúde como o ‘estado de completo bem-estar físico, psíquico, social e não apenas a ausência de doença e de enfermidade’.
Nossas sociedades estão doentes, carentes de justiça socioambiental e de amor mais profundo, e isso multiplica as enfermidades nas pessoas também. Todos precisamos muito de saúde, mas entendida para além de um conceito meramente físico-biológico e sim no sentido de integridade, de totalidade, e por conseguinte de plenitude, de realização plena do ser humano. E aqui entra a espiritualidade enquanto possibilidade de terapia, proximidade, cuidado.
Uma coisa é religião enquanto formalidade pedagógica de mitos, ritos, interditos e ministros, que visam criar caminhos para a experiência espiritual. Mas esta experiência também pode ser alcançada por caminhos existenciais ou políticos, uma vez que se trata de algo paradoxalmente material, de descentramento de si e religação com tudo e todos, de envolvimento com a ética do cuidado. Assim entendida, espiritualidade deixa de ser a ‘terceira excluída’ pela razão médica instrumental, que se iludia na busca de vida saudável apenas pela eliminação racional e asséptica das doenças.
Essa é uma contradição aparente, pois doença e saúde estão sempre relacionadas: em uma medicina comunicativa, as razões espirituais são incluídas para tornar pessoas e grupos mais íntegros, porque abertos e conectados, capazes de cuidado. A espiritualidade deve ser incluída como processo terapêutico, entre doença e saúde e para além da medicina científica e dos rituais religiosos. (…)
Acredito que precisamos buscar uma vida sustentável para todos, uma ética do cuidado sempre mais inclusivo, através de uma espiritualidade universal, cultivada particularmente segundo cada tradição de fé, seja ela religiosa ou existencial. Ao meu ver, esta é a grande chance e o desafio para nós aqui e agora: redescobrirmos a espiritualidade, entre e além das religiões. Afinal, todos os caminhos e templos apontam para o céu, para a transcendência: se ficarmos apenas olhando os templos, perderemos o céu estrelado e o seu além, deixaremos de ganhar saúde ao buscar salvação!”