MORTE E VIDA NO NATAL

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Como essa chuva gostosa começa a renovar a vida pelos Sertões, a memória simbólica do Menino Deus pode germinar em nossos corações de pedra. O evangelho do Natal nos chama a refazer a busca dos pastores e ser testemunhas de uma presença libertadora nas manjedouras da história: o divino verdadeiro está nascendo ali naquele beco do Pina, naquela prisão feminina do “Bom Pastor”, no mocambo de uma Severina que fugiu da seca pelo Capibaribe: “Estais aí conversando, em vossa prosa entretida: não sabeis que vosso filho, saltou para dentro da vida?”. Natal é tempo de reencontrar a humanidade do Deus cristão, que nasce misterioso entre os mais outros e nos quer outros.

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Então é tempo de lembrar também da Criança Eterna que, em nós, a cada noite escura, em cada grande estiagem, quer surgir. Tempo para quebrar a seriedade diabólica dos velhos deuses do nosso presente, flacidamente conformados com a aridez antiga dos campos e das pessoas. Pois Jesus é um caminho luminoso pra gente ser mais jovem e encantado com tudo, esperança de um mundo mais jovial e fecundo, de pessoas capazes de brincar, sorrir e dançar a vida… Que nem crianças! Fica sempre o convite, em cada Natal, para refazermos as imagens divinas conforme o modelo do Menino de Nazaré, Deus feito Carne, dançando apolíneo pelas festas da sua terra (já pensou em Jesus bailando com a meninada judia numa festa de casamento?).

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Destruir imagens – e refazê-las – é a tarefa das teólogas e teólogos. E quando isso não se faz direito, como “a guerra é a teologia continuada por outros meios”, resta à sociedade a figura triste de um Cristo sisudo e justificador, de um deus a mais, que abençoa os drones e mísseis da ganância e da dominação, os projetos corrompidos de políticos e empresas que prometem acabar com as secas erguendo cercas (nos canais pro agronegócio). Que este Natal nos traga celebrações dançantes e brincalhonas, menos armas e até menos brinquedos, nem tanto presentes mas presença, mais simplicidade e partilha, mais brincadeiras e cuidado com a nossa casa comum, a Terra, atenção e ternura para a Severina ao nosso lado – que encarna umas palavras sagradas e tem o mapa secreto do Jardim futuro, cheio de riachinhos verdejantes.

Gilbraz Aragão.

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Veja o Auto de Natal nordestino de João Cabral no vídeo abaixo (e em texto por aqui)

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