Mulheres nas Igrejas

 

Qual o lugar das mulheres nas Igrejas?

 

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Mãe Olga, Ministro Gil e Mãe Stella, do Candomblé

8 de março é o Dia Internacional da Mulher. A data tem a ver com a Rússia, onde as mulheres foram o estopim da Revolução de 1917. Em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro pelo calendário juliano), a greve das operárias da indústria têxtil contra a fome, contra o czar Nicolau II e contra a participação do país na Primeira Guerra Mundial precipitou os acontecimentos que resultaram na Revolução Comunista. Leon Trotsky assim registrou o evento: “Em 23 de fevereiro (8 de março no calendário gregoriano) estavam planejadas ações revolucionárias. Pela manhã, a despeito das diretivas, as operárias têxteis deixaram o trabalho de várias fábricas e enviaram delegadas para solicitarem sustentação da greve. Todas saíram às ruas e a greve foi de massas. Mas não imaginávamos que este ‘dia das mulheres’ viria a inaugurar a revolução”.

Quer dizer, foram as mulheres que iniciaram a maior revolução do século 20. E o que elas queriam era “Pão e Paz”. Queriam os soldados de volta, porque eram seus filhos e maridos que morriam como bucha de canhão nos fronts de batalha. Queriam uma vida digna, com igualdade nas diferenças, como querem até hoje as mulheres, que relembram em cada 8 de março a sua luta – que é luta por reconhecimento de metade da humanidade, mas que inclusive é a mãe da outra metade! Todavia, e as religiões, como têm influenciado e/ou se deixado influenciar por esse movimento de afirmação de direitos femininos? O que as igrejas têm a dizer pras mulheres e as mulheres para as igrejas?!

“A mudança no status social das mulheres que ocorreu em muitas culturas nos últimos 50 anos vem apresentando profundos desafios para todas as grandes religiões. Essa mudança levou os luteranos e anglicanos, no cristianismo, e os reformados e conservadores, no judaísmo, a incluírem mulheres no clero. Também provocou fortes declarações da Igreja Católica e do judaísmo ortodoxo contra a igualdade feminina. Na hierarquia religiosa islâmica, tampouco se aceita a ideia de mulheres obterem status igual, ainda que algumas tradições permitam que elas conduzam as preces em congregações exclusivamente femininas e tenha havido casos em que mulheres dirigiram congregações mistas” (O’BRIEN, J. e PALMER, M. O atlas das religiões. São Paulo: Publifolha, 2008, p. 72).

Boa parte da dificuldade para associar as mulheres com o divino e não com o diabólico, para valorizar as mulheres em nossos templos (onde sustentam muitos serviços e catequeses, mas são alijadas de altares e púlpitos), deriva da imagem de Deus das religiões que se mundializaram após a Era Axial. Com efeito, as religiões mais antigas cultivavam a ideia do divino mais feminino, como força telúrica e criadora, que envolve a todas as coisas na natureza. Outras religiões, mais elaboradas, observando a ordem cósmica, foram induzidas a uma representação do absoluto como sabedoria, poder de harmonia inscrito no íntimo da realidade e/ou poder libertador que guia a história de um povo. As grandes tradições monoteístas desenvolvidas pelo judaísmo enfatizam mais a imagem de Deus como personificação desse poder sapiente, dotado de conhecimento e de vontade, que habita nos céus mas tem na terra seus representantes. Por influência histórico-cultural do momento agrícola-sedentário-patriarcal a partir de onde tal representação se originou, o gênero prevalecente de Deus como pessoa (e das pessoas que o representam) acabou sendo o masculino (paternal).

Mas isso não impede, pelo contrário, exige, que busquemos integrar nessa visão também os aspectos realçados pelos momentos precedentes: de Deus como poder (maternal) de criação e fecundação da vida (a Grande Mãe, o Eterno Feminino), e de Deus como energia (impessoal) de equilíbrio e dinamização espiritual no interior de tudo e de todos (como nalguns hinduísmos). É sintomático que nas primeiras cosmogonias (Cf. CAMPBELL, J. As máscaras de Deus. São Paulo: Palas, 2005) uma Deusa Mãe cria sozinha o mundo, como a Gaia grega (também na mitologia dos orixás, Nanã se faz lama para a modelagem do homem). Depois, um casal ou um Deus Andrógino reina unido, como no caso do Yin e Yang chinês (veja outros exemplos por aqui). Finalmente, quem cria o mundo é um Deus Pai sozinho, como nas mitologias meda, persa e judaico-cristã.

Na verdade, a referência a Deus como pessoa e como Pai pode significar um reflexo da maior maturidade humana, que rompe com o anonimato do clã e também com a onipotência narcísico-maternal, e se lança na aventura da liberdade através da consideração da Lei, do Pai (usando a nomenclatura da psicanálise para o conflito edípico). Mas isso na medida justamente em que a fé em Deus como Pai não implicar sentimento de fixação, castração ou dependência imobilizadora e sim uma relação de superação: o filho amadurece quando se descobre a um tempo desejado pelo pai e diferente dele, então ele se faz pai para si mesmo, torna-se sujeito desejante de outrem, do seu próprio feminino. Precisamos passar pelo Pai, para formar uma identidade que se abra para o gozo maduro da natureza, do mundo e/ou de alguém como outro útero, outra Mãe.

Talvez se tomarmos mais consciência da importância e dignidade dos diferentes gêneros, masculino e feminino (a invenção da sexualidade se destinou, segundo os biólogos, a resistir melhor às varreduras impiedosas da seleção natural, é uma divisão que permite mais vida à unidade do ser que nasce, uma alteridade que permite mais amor à identidade do ser), conseguiremos então, quem sabe, ser mais consequentes em nossos relacionamentos pessoais e vivências espirituais de homens e mulheres, e então teremos outras palavras (mais feministas), melhor vocabulário e gramática para nos dirigir a Deus – de quem somos, homem e mulher, em todas as suas variantes “queer” também, imagem e semelhança.

Talvez, para essa conscientização, fosse bom perceber já como o feminino é melhor tratado noutras tradições religiosas. E a gente nem precisa ir longe, atrás das bruxas pós-modernas da Wicca! Se subirmos o Morro da Conceição, por exemplo, onde acontece a maior devoção religiosa do Recife, encontraremos no mesmo tabuleiro do vendedor de imagens, Nossa Senhora da Conceição e Iemanjá. A festa desta foi sincretizada com a daquela, para que os negros escravos (ou pobres, depois) pudessem fazer a sua religião. A própria imagem dessa orixá (personificação das forças da natureza, ligada às águas) que veio da cultura nagô-iorubá, da África para o nosso xangô, recebeu uma mão de tinta branca e um manto azul, como se fosse a mãe de Jesus, santa da religião judaico-cristã. A despeito disso, Iemanjá não precisa trazer as insígnias de imaculada-Mãe-virginal (paradoxismo dos desejos patriarcais?!), nem pisar na sabedoria-Serpente-pagã para transmitir o Axé, e o faz mostrando-se como mulher de formas exuberantes e sensuais.

A razão do candomblé valorizar tanto as ialorixás nos terreiros e as curvas femininas de Iemanjá, talvez prenda-se ao fato de ser religião formulada ainda com arquétipos anteriores à revolução agrícola de quatro mil anos atrás, até quando sobressaía-se a cultura matriarcal e matrilinear. Depois disso, observando os animais, os homens deixaram a concepção errônea de que os filhos são gerados espontaneamente pelas mulheres (e por isso reconheciam-lhes mais poder e criavam analogias femininas para apontar a força divina criadora), e caíram no erro oposto de pensar que os filhos são gerados unicamente da sua semente-sêmen, que as mulheres, feito a terra, fazem crescer (e por isso apropriaram-se das mulheres, virgens de preferência, para passar aos primogênitos, presumidamente seus, a herança da terra, agora cultivada e privatizada). Daí, precisamente, que as religiões formuladas dentro desse novo quadro cultural patriarcal, após essa Era Axial, têm exclusivamente homens como sacerdotes e privilegiam imagens masculinas para a divindade (a ideia do “ovo” humano com participação feminina surgiu somente com a biologia, que tem duzentos anos!).

Não é à toa que, quando da catequização das Américas, inventou-se essa brincadeira até hoje muito usada, do quebra-panela, para se passar a seguinte teologia: “tudo que despertar em nós desejo, porque é bonito feito essa panela, deve ser evitado e, de preferência, quebrado – com o bastão das virtudes cristãs. Nessa medida é que Deus derramará sobre o mundo as suas graças, como os brinquedos e doces que vão cair da panela quebrada”. Terrível teologia essa, que identifica o que nos agrada, sem mais, com o que desagrada a Deus e, ainda pior, associa as formas arredondadas (o feminino) da panela, com o desejo diabólico, e as formas alongadas do bastão (o masculino) que quebra, com as virtudes religiosas. Não é à toa mesmo que, durante tanto tempo, a religião predominante entre nós tenha sido um código moral feito por homens – para as mulheres obedecerem! As Católicas pelo Direito de Decidir não surgiram por nada…

Celebração cristã no Conselho Mundial de Igrejas

Quem sabe agora, e com um certo atraso, se conseguíssemos dizer Deus, igualmente, no feminino, pudéssemos ter, por exemplo, uma Igreja cristã mais maternal, compreensível e acolhedora, mais otimista e criativa acerca da espiritualização do mundo e da matéria – pelo amor. Se pudéssemos chamar Deus também de Mãe, talvez conseguíssemos casais mais íntegros e lares mais integrais, conseguíssemos aceitar ter ministros e ministras também nas igrejas, que seriam assim mais cuidadoras e respeitosas com as nossas crianças, nessas terras ditas cristãs. Outras religiões estão aí, a nos interpelar!

Gilbraz Aragão.

6 comentários Adicione o seu

  1. Luciana disse:

    “Se Deus é menina e menino”, como já cantava a teóloga Baby Consuelo, então não apenas as instituições (também as religiosas) devem se compor de todos os gêneros, com suas distinções complementares, mas também cada pessoa deve buscar integrar em si a outra dimensão – e como faz falta um pouco de feminilidade e de maternidade a esse mundo competitivo de machos, a essas pessoas (inclusive mulheres) que perderam a sensibilidade que é tão própria do feminino!
    Luciana Amarante.

  2. Eduardo disse:

    Muito bom professo Gil. Sempre me atraiu pensar Deus, a fé e a religião com um olhar feminino. “Levanta a voz em favor da menina que chora, em favor da viúva, contra os laços de morte e opressão da mulher que ainda tem senhor” Trecho de uma cançao minha). Parabéns a todas as mulheres!

    Eduardo Silva Carroll.

  3. Manuela disse:

    Olhe, se Nosso Senhor quisesse mulheres presidindo as santas missas, ele teria nascido como mulher. As mulheres são muito valorizadas na Igreja, pelos muitos serviços que prestam nas atividades de caridade. Pra que poder?
    Manuela Dantas.

  4. Veronica disse:

    rapaz, eu sou acostumada a ir na missa e coisa e tal, mas nunca tinha pensado nisso… que a gente podia tá lá em cima, do outro lado da história… por cima da carne seca… que coisa… que empoderamento as mulheres ganhariam, se mudassem as imagens de deus… tou passada.
    Verônica.

  5. Annonnimus disse:

    Gil,esse texto é bem profundo.É óbvio que as transformações acontecem num frenesi alucinado em todos os campos e instituiçõs.E vemos com bastante satisfação a grande avanço das mulheres em terem conquistado espaços nunca antes pensado. Vemnos também que em algumas igrejas as mulheres lideram competentemente, por que venhamos e convenhamos,que me perdoem os homens, mas por onde passam as mulheres….só não percebe… quem já morreu!!! Eu acredito que em algumas igrejas as mulheres nunca chegarão a ocupar um espaço maior, e por isso, acabam perdendo espaço para outras igrejas ou até mesmo para a secularização.

  6. Jose Nunes disse:

    Mulheres devem administrar a Igreja?
    Em meado do século passado, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, o bispo auxiliar Dom Eugênio Sales, antecipando-se ao Concílio Vaticano II que trouxe nova luz para a Igreja, colocou mulheres como gestoras de paróquias, num gesto até certo ponto ousado na época. Igualmente abriu espaços onde pudessem expressar sua capacidade de praticar atitudes e ornamentar a vida comunitária durante o embrião do que seria a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
    Hoje, quando o Papa Francisco sinaliza de que as portas da Igreja serão escancaradas, visto que João XXIII abriu as janelas, porque não transferir para as mulheres a gestão administrativa e financeira de Paróquias, para que os presbíteros e diáconos reservem mais tempo ao pastoreio e dedicação à escuta dos pobres e dos necessitados de orientação espiritual.
    Se as mulheres conquistaram os mais elevados postos da administração pública e privada, na Paraíba estão ocupando órgãos de elevado prestigio na sociedade, como a UFPB e o Tribunal de Justiça, sem contar a presença em outros setores, porque não também chegar às paróquias o jeito feminino de conduzir as coisas.
    Se em casa a mulher gerencia com sabedoria o orçamento doméstico muitas vezes reduzido, porque não puxar essa experiência para dentro da Igreja. Ganhariam todos.
    Nos Atos dos Apóstolos consta que aos diáconos era reservado cuidar, entre outras diaconias, da administração dos bens da Igreja, sem causar perda aos gestos caritativos e de acolhida das pessoas idosas, excluídos da sociedade. Para esse serviço foram escolhidos e levados a serem “os ouvidos e a alma do bispo” (Didascalia Apostolorum), de modo que os epíscopos tivessem mais tempo para destinado ao anúncio das coisas boas que Jesus tinha realizado.
    Por volta do terceiro século, com a instituição dos presbíteros, os serviços do diácono foram gradativamente sendo assumidos por estes novos ministros ordenados. O grau ministerial do diácono ficou apenas “transitório” para quem fosse ordenado padre.
    O Concílio Vaticano II restaurou o ministério destinado aos diáconos, que exercem em harmonia como o corpo presbiteral, mas cinco décadas depois estes ainda não ocupam na plenitude os espaços a eles destinados por decisão dos Apóstolos e reafirmados pelos epíscopos durante os primeiros séculos. Como nas paróquias a carência de acompanhar pastorais, movimentos e grupos de jovens, e estar ao lado dos necessitados, numa população cada vez mais carente de mão amiga, nada mais salutar a condução da administração de paróquias pelas mulheres, deixando presbíteros e diáconos livres para outras atividades, cada um com os carismas específicos de seu ministério.
    Os primeiros cristãos a contemplar Jesus ressuscitado foram mulheres. As mulheres aparecem no primeiro plano do projeto anunciado por Jesus. Recorde-se o fervor com que Jesus incitou as mulheres a anunciar a Boa Nova, quando encontraram o túmulo vazio. Assim, hoje, com as portas que da Igreja estão se abrindo, são para estas que as mãos devem ser estendidas.
    Mulheres devem administrar a Igreja? Acho que sim.
    José Nunes.

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