Boletim Unicap

Minicurso discute o impacto de grandes empreendimentos urbanos e agrários sob a perspectiva dos direitos humanos

drh
Por Tiago Cisneiros

Quantas vidas a Copa do Mundo, as Olimpíadas, a Hidrelétrica de Belo Monte, as usinas canavieiras e os grandes projetos imobiliários urbanos podem afetar? Como? E por quanto tempo? Esses foram alguns dos aspectos trabalhados nas tardes das últimas quarta (09) e quinta-feira (10), durante o minicurso “O impacto dos Direitos Humanos Econômicos Sociais Culturais e Ambientais a partir dos Grandes Empreendimentos”. Os encontros, que aconteceram no primeiro andar do bloco B da Católica, fizeram parte da 14ª Semana da Mulher da universidade, iniciada na segunda-feira.

A condução do minicurso ficou a cargo do coordenador do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), Rodrigo Deodato. Na quarta-feira, ele apresentou um vídeo sobre a história dos direitos humanos, traçando comentários críticos sobre o assunto. O professor ressaltou algumas questões historiográficas, como a predominância de uma narrativa europeia e norte-americana sobre o tema – ponto criticado, segundo ele, pela Teoria Pós-Colonial ou Descolonial. Citou, ainda, a pouco conhecida Declaração Universal dos Direitos da Mulher e da Cidadã, uma proposta colocada pela dramaturga francesa Olympe de Gouges, logo após a Revolução Francesa, no século 18. A ousada elaboradora dos artigos, voltados à parcela feminina da sociedade e criados como contraponto (ou complemento) à famosa Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, acabou guilhotinada na chamada fase do Terror.

Deodato abordou, também, a criação da Organização das Nações Unidas, após o término da Segunda Guerra Mundial, e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, como um momento de grande preocupação com essa classe de garantias destinadas a todas as pessoas. Além disso, trabalhou com a evolução desses direitos, desde a primeira fase (individuais) até as mais recentes, que alcançam a biotecnologia e a cibernética. Pondo fim à etapa introdutória, o professor explicou três princípios de direitos humanos, que, na verdade, não são contemplados pela clássica divisão em gerações. “Temos a universalidade, pela qual um direito humano está protegido em qualquer lugar, mesmo que o país não o tenha ratificado em tratados ou leis. Há a interdependência, da qual devo entender, por exemplo, que se outra pessoa passa fome, eu também passo. Por fim, a indivisibilidade dos direitos humanos, que seriam um conjunto, não comportando a separação em gerações”, afirmou.

Na sequência, ele destacou as características de uma classe específica de direitos humanos, contida no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pidesc. “Enquanto direitos civis e políticos, como a vida, têm de ser garantidos de imediato, os Dhesca’s (o “A” é incluído posteriormente, em alusão a “ambientais”) trazem uma cláusula, inclusive nesse pacto, de efetividade progressiva”, disse. Isso significa, segundo Deodato, que o Estado não tem parâmetros claros, exigências temporais para cumprir suas obrigações de prestação de serviços como trabalho, moradia e saneamento básico. “Como exigir, se a própria norma não dá um suporte? Uma coisa é o Estado ir fazendo o que deve aos poucos, quando possível. Outra é prometer sempre e nunca realizar”, observou, ressaltando que, frequentemente, governos agem não em favor dos cidadãos, mas, sim, de grandes empresas e corporações.

Nessa linha, Deodato traçou uma relação entre a polêmica construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e o chamado princípio da autodeterminação dos povos, representado no artigo 1º do Pidesc. Segundo ele, a Corte Interamericana de Direitos Humanos chegou a paralisar as obras do empreendimento, que pode fazer com que 11 territórios indígenas sejam submersos. No entanto, o governo brasileiro, que já se comprometera a obedecer às decisões do tribunal, atuou fortemente, boicotando a Organização dos Estados Americanos (OEA), à qual está ligado, e conseguiu reverter a decisão.

O professor abordou, ainda, outras previsões do Pidesc, relativas a direitos trabalhistas e seguridade social, proteção da família, das mães, das crianças e dos adolescentes, além de moradia, alimentação e saúde. Entre os exemplos de violações, ele ressaltou as remoções e demolições de comunidades devido à Copa do Mundo e às Olimpíadas no Brasil. Citou, também, impactos negativos da grande “importação” de mão-de-obra para o Complexo Portuário-Industrial de Suape. “Chegou uma multidão para as construções, mas, quando elas acabaram, as pessoas ficaram pela região. Os dados mostram que, então, houve um aumento significativo dos crimes violentos letais e intencionais, os CVLIs, e da exploração sexual de crianças e adolescentes.” Da mesma forma, a retirada de famílias que moravam próximo ao Shopping Riomar, no Pina, provocou um crescimento da violência em bairros da Zona Oeste do Recife. “Uma parte das pessoas foi direcionada para a Caxangá. Mas elas estavam acostumadas a viver da pesca no Rio Capibaribe. Algumas passaram a pegar suas bicicletas todo dia para ir trabalhar no mesmo local, mas os mais jovens não quiseram fazer isso. Terminamos tendo essa elevação da criminalidade.”

Também na quarta-feira, foi exibida uma parte do documentário “Domínio público”, que aborda, criticamente, transformações recentes no Rio de Janeiro, como a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e as remoções ligadas à Copa do Mundo e às Olimpíadas. Na quinta-feira, outras obras cinematográficas de cunho contestador foram apresentadas e debatidas. Dentro do mesmo tema e região, Deodato escolheu “As desapropriações da Vila Autódromo”. Quanto a conflitos ligados ao direito à cidade e ao planejamento urbano, o professor optou por “Recife, cidade roubada”, filme realizado por apoiadores do Movimento Ocupe Estelita. Já em relação a problemas agrários e indígenas, a discussão girou em torno de “Belo Monte, anúncio de uma guerra” e “Acercadacana” (referente a embates entre pequenos agricultores e a indústria açucareira em Pernambuco).

print
Compartilhe:

Deixe um comentário