Diagnóstico psiquiátrico, essencialismo e barbárie: considerações a partir da fenomenologia da vida
DOI:
https://doi.org/10.25247/P1982-999X.2023.v23n3.p148-169Palavras-chave:
fenomenologia da vida, Michel Henry, diagnósticos psiquiátricos, barbárie, pathos originárioResumo
O objetivo do presente artigo consiste em utilizar a noção de barbárie, encontrada em Michel Henry, aplicando-a à psiquiatria, mais especificamente aos efeitos dos diagnósticos psiquiátricos sobre os indivíduos categorizados. Busca-se ainda discutir as funções essencialista e pragmática do diagnóstico na psiquiatria e sua relação com os fenômenos da vida e da subjetividade. Utiliza-se como metodologia a revisão não-sistemática da literatura, por meio da qual foram selecionados textos da fenomenologia da vida, de Henry, com ênfase ao livro A barbárie, e textos voltados a uma análise crítica acerca dos diagnósticos psiquiátricos e de seus efeitos nos processos de subjetivação. Os resultados mostraram que o diagnóstico psiquiátrico, ao enfatizar os aspectos objetivos dos transtornos mentais - os quais remeteriam a supostas disfunções cerebrais que, numa visão essencialista, corresponderiam à própria essência do indivíduo categorizado – e negligenciar/aplacar a dimensão da afetividade/subjetividade, tal qual a ciência moderna, aniquila a própria vida, no que se poderia denominar barbárie psiquiátrica. Por outro lado, quando este é tomado apenas em sua função pragmática, enquanto dispositivo político e tendo o pathos como o legítimo objeto do campo psiquiátrico, se coloca a favor da vida, do sujeito em sua singularidade, do humano.
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