Por Marcus Vinicius

O jornalismo em quadrinhos é uma área do jornalismo visual que, diferente das demais, trabalha a notícia em ilustrações, charges e cartuns como ponto principal na criação de uma narrativa. No Brasil, o setor tem crescido nos últimos dez anos, com profissionais que estão tanto nos grandes veículos de mídia, como nos sites e redes sociais, além do jornalismo independente.

Gabriela Güllich (@fenggler), jornalista, quadrinista e colunista do site Mina de HQ (@minadehq), é uma delas. A jornalista produz o “Entre quadros”, série de entrevistas ilustradas com quadrinistas do mundo todo. Gabriela explica como chegou aos quadrinhos e sobre sua experiência no jornalismo feito a partir de desenhos: “Sempre quis ser jornalista, mas o desenho só fazia parte da minha vida como atividade recreativa. Só na graduação que vi a possibilidade de trabalhar os dois em conjunto e isso abriu um novo leque de possibilidades narrativas para mim. Os quadrinhos me dão a possibilidade de brincar com os respiros do relato, trazer pausas, focar em detalhes, tudo isso através dos elementos visuais em sequência.”, revela.

Gabriela publicou recentemente o livro-reportagem São Francisco, vencedor do Troféu HQMix, a maior premiação de quadrinhos da América Latina. Segundo Gabriela, “São Francisco aborda três aspectos: água, seca e obra, todos eles permeando as cidades do Eixo Leste da Transposição do Rio São Francisco. Durante 18 dias, eu e meu parceiro João Velozo, fotojornalista pernambucano, percorremos mais de 2500km passando desde Belém do São Francisco, cidade divisa entre Pernambuco e Bahia, até Monteiro, na Paraíba, ouvindo os relatos da população e reunindo tudo para essa narrativa documental que mistura desenho e fotografia.”

Quadros de São Francisco, HQ de Gabriela Güllich e João Velozo

Gabriela Güllich observa que o mercado do jornalismo em quadrinhos tem crescido nos últimos 10 anos com o aumento de produções independentes, pesquisas acadêmicas e, também, produções jornalísticas como o New York Stories, que traz crônicas do New York Times nessa linguagem.

Para ela, o jornalismo em quadrinhos demanda muito tempo, porque envolve, além do processo de apuração inerente à produção jornalística, as etapas de desenho, edição, tratamento de traço, balonagem e letreiramento. “Essas etapas acabam gastando muito mais tempo que uma reportagem tradicional só com texto, por exemplo. É um processo trabalhoso, mas muito gratificante”, destaca.

Luta política – Para o cartunista Thiago Lucas (@thiagochargista), pós-graduado em História do Nordeste pela Universidade Católica de Pernambuco, o cartum tem uma grande importância política no jornalismo. “Vivemos em tempos sombrios, onde a cultura e a democracia são atacadas constantemente. Neste contexto, a arte atua como uma dos redutos de resistência contra o autoritarismo que contamina nossa sociedade. Minha preocupação e angústia sobre o futuro das artes e dos artistas é constante. Infelizmente vivemos em uma sociedade que possui muitos indivíduos das mais diversas esferas sociais que desprezam a arte e que chegam a combatê-la. Nós sempre fazemos a charge para o outro, para dialogar com as pessoas”, diz ele. Thiago trabalha no Jornal do Commercio de Comunicação (@jc_pe) como chargista e ilustrador. Tem participações em obras como “Com Carinho” – livro biográfico em homenagem aos 85 anos de Ziraldo, organizado por Edra Amorim, “O Santo Revelado” – fotobiografia de Dom Helder Camara, organizado por Augusto Lins Soares e no catálogo da Muestra Internacional de las Artes de Humor.

Thiago ressalta as dificuldades enfrentadas pelos cartunistas, envolvendo perseguição aos artistas, ataques à liberdade de expressão, falta de apoio governamental às ações artísticas, queda no número de leitores de livros, jornais e revistas, assim como no número de oportunidades e vagas no mercado de trabalho. “É um ambiente hostil para a atuação artística. Nos deparamos diariamente com dificuldades, resistências, crises, censuras, ataques. Mas seguimos resistindo”, afirma.

Pelo mundo – O holandês Tjeerd Royaards e o norte-americano Matt Bors criaram uma plataforma chamada Cartoon Movement onde são publicados diversos cartuns, charges e quadrinhos de autoria de mais de 300 cartunistas de 80 países diferentes. O site traz produções com assuntos que vão desde a Guerra na Ucrânia à desigualdade social, passando ainda por políticas públicas e o aumento do preço da gasolina. Qualquer tema pode ser abordado, com diferentes tipos de ilustrações e traços. Em entrevista para a revista Trip, Royaards diz que “Numa época em que ninguém mais posta nada no Facebook ou Twitter sem uma boa imagem, o jornalismo em quadrinhos tem um grande potencial.”

Outro exemplo de jornalismo em quadrinhos é o livro “Maus: a história de um sobrevivente”, escrito por Art Spiegelman. A obra apresenta uma entrevista de Spiegelman com seu pai, judeu que sobreviveu ao Holocausto e ilustra o povo judeu com ratos e os alemães como gatos. A HQ venceu o Pulitzer de 1992. Antes de virar livro, Maus foi publicado de forma seriada entre 1980 e 1991 na revista RAW, editada por Spiegelman e sua esposa, Françoise Mouly.

Maus venceu o Pulitzer de 1992

A matéria publicada pela Revista Badaró “Seis minas que fazem jornalismo em quadrinhos no Brasil” analisa o mercado dos quadrinhos brasileiro e o percebe como um ambiente majoritariamente masculino. A própria Gabriela Güllich avalia que a falta de mulheres quadrinistas nunca chegou a desencorajá-la, mas seria de grande ajuda encontrar autoras relacionadas à área com mais facilidade. “É um pouco desgastante procurar referências e encontrar apenas nomes já conhecidos, como se não houvesse qualquer outra produção além daquela já estabelecida. Acredito que o problema não esteja no jornalismo em quadrinhos em si e, sim, em uma estrutura maior.”

Outros nomes do jornalismo em quadrinhos são Carol Ito, Repórter da revista Trip; autora do livro-reportagem Estilhaço – Uma Jornada ao Vale do Jequitinhonha, Cecília Martins, Repórter e ilustradora freelancer; autora do livro-reportagem Parque das Luzes, Helô D’angelo, Repórter e ilustradora freelancer; coautora da reportagem “Quatro Marias”, Marina Duarte, Repórter e produtora-executiva da Revista Badaró, Amanda Ribeiro e Luiz Fernando Menezes, autores do livro-reportagem Socorro! Polícia!, e Andrea Dip e Alexandre de Maio com Meninas em Jogo.