Boletim Unicap

Artigo da professora Amparo Caridade

Uma das paixões da professora Amparo Caridade, que faleceu nesta quarta-feira (30), era escrever. No dia 20 de junho, quando ela recebeu alta do hospital após 12 dias de internação, escreveu esse texto que publicamos abaixo:

VIVER.

Amparo Caridade

Confinamento inevitável, adoecer demorado. Depois a luz cheia de graça. Inusitada. Força total se impunha sobre mim. Jamais havia visto, tocado, sentido, algo parecido, tão arrebatador, tão especial. A luz tomou conta e se apossou da treva, passou da treva para a luz. Até ali desconhecia aquela força de beleza encantadoramente nova. Devia ser um êxtase. Fora e muito dentro de mim eu estava ali, inteira como jamais pude me imaginar. Longe de qualquer conceito, ou pensamento. Era simplesmente Amparo. Atravessada por algo intenso, desconhecido. Cena destinada à eternidade. Possuída, tomada, arrebatada, o sol tocou minha pele, com ternura jamais sentida. Perfeito. A experiência foi divina, humana, diferente. Não mais a mesma. Outra Amparo, mais bonita, energia pura, nascimento sem volta. Caixa de surpresas fazendo ver que dentro de mim há muita beleza a descortinar. Vi beleza por onde jamais vira antes, e o meu Recife estava estonteantemente encantador. A luz do sol sobre o Recife me enfeitiçou. Possuída, já não dá mais como ser a mesma. Outra Amparo busca agora dimensões ainda não sentidas. Outra Amparo se aninha num viver, cuja busca de dimensões ainda não foram sentidas. Possuída dessa força com a qual não pude me debater, entreguei-me. Experiência não pede licença. Impõe-se. Não era eu. Era arrebate. Era outro ser que eu não dominava, não queria dominar, apenas experimentar. Entregue, vi o belo. Não era eu que via, sentia. Algo se impunha. Era encantamento de outro nascimento.

Quem dera isso não passasse! Que meus olhos se perdessem tontos dessa beleza e sentido. Não quero ser mais a mesma. Quero muito mais. Invadida, envolvida, tomada pela força da vida entreguei-me. Quero olhos sentindo o que a vida tem de mais belo a ser revelado. A alegria de ser simplesmente um ser vivo que tem a chance de mergulhar na intensidade, sem medo de nela se perder. Desconhecia minha cidade tão bela, pessoas tão encantadoras. Demorei a voltar do encantamento. Meus olhos acostumados ao ordinário agora querem mais; querem intensidade e beleza sem ponto final. Delas não quero mais me perder.

Tudo perfeito. Divino. Nasci ali para algo diferente, nascimento sem volta. Atravessada por belezas intensas. Cena destinada à eternidade. Eu não sabia dessa experiência. Foi divina. Humana. Será imortal. Foi apenas o começo.

Dentro de mim há muito para descobrir, beleza para enxergar, vida para sentir. Outra Amparo se aninha no meu existir, busca dimensões ainda não percebidas.

Quem dera isso não passasse. Quem dera meus olhos ficassem embriagados de beleza e sentido. Não posso mais ser a mesma. Quero muito mais. Invadida, envolvida, tomada pela força da vida entreguei-me. Meus olhos sentiam. Acostumados ao ordinário agora querem mais, querem intensidade, beleza sem ponto final. Delas não quero mais me perder.

Bendita doença que me possibilitou essa revolução. A felicidade de me transformar num ser que ama e dignifica o existir. Sem medo de ser feliz.

* Texto escrito no dia 20 de junho de 2010 ao sair de Hospital após 12 dias de internação.  

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