Teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga faz conferência na Semana de Teologia da Católica
|O teólogo, escritor e professor espanhol Andrés Torres Queiruga lotou o auditório G1 da Universidade Católica de Pernambuco durante a sua conferência “Se Deus existe, porque o mal?”, realizada no dia 28 de setembro na Semana de Teologia da Unicap. Andrés leciona Teologia Fundamental no Instituto Teológico Compostelano e Filosofia da Religião na Universidade de Santiago de Compostela. Ele é também membro da Real Academia Galega e diretor de Encrucillada: Revista Galega de Pensamento Cristão. Entre as suas publicações estão: Do terror de Isaac ao Abbá de Jesus (2001), Recuperar a Ressurreição (2004) e Esperança apesar do mal (2007).
Considerado um dos maiores teólogos vivos do mundo, André Torres Queiruga enfatzou que em sua opinião “o mal não é um problema religioso e sim humano”. Para explicar o seu ponto de vista ele disse que “o problema do mal é um problema eterno, de sempre, mas tem uma mudança importante na modernidade”. A pergunta relacionada ao mal foi levantada primeiramente por Epicuro, na Grécia, e não teve uma relação com a fé. Já na modernidade, segundo Andrés, entramos em um período crítico, que tendemos a ver apenas “os problemas e as possibilidades”.
Queiruga pensa o mal de uma forma semelhante ao físico alemão Albert Eisntein. Eisntein explica a sua opinião através da lógica usada em duas teorias da física: a primeira diz que o frio não existe, já que este é simplesmente a ausência de calor, e a segunda retrata o escuro como sendo a inexistência total de luz. Assim Eisntein diz: “O mal não existe, pelo menos não existe por si mesmo. O mal é simplesmente a ausência do bem, é o mesmo dos casos anteriores, o mal é uma definição que o homem criou para descrever a ausência de Deus. Deus não criou o mal. Não é como a fé ou como o amor, que existem como existem o calor e a luz. O mal é o resultado da humanidade não ter Deus presente em seus corações. É como acontece com o frio quando não há calor, ou a escuridão quando não há luz”.
Ao final das explicações do professor, o microfone foi aberto às perguntas dos presentes que se mostraram atentos e ávidos com as informações.
Em entrevista para o programa Teologando da Unicap, Andrés Torres Queiruga falou sobre assuntos como a narrativa da criação, a arte, a Bíblia e ainda sobre a correlação destes com a comunicação.
Teologando – O que o senhor acha sobre a inteface: bíblia, comunicação e arte?
Andrés Queiruga – A Bíblia é um livro de 73 livros, que são obras-primas da história da humanidade. Teve um papel importante no desenvolvimento da cultura greco-romana. Foi a grande inspiração dos artistas até o séc. XIX. Até hoje está presente no imaginário coletivo. Todo esse mundo simbólico que aparece na Bíblia está povoando toda a nossa imaginação e isso é fecundo para a arte.
T – Sobre a narrativa da criação, substrato de nossa cultura ocidental. Alguns exegetas dizem que a tradução mais adequada para quando Deus conclui a criação, em lugar de “tudo é bom”, seria “tudo é belo”. Como o senhor vê esse enigma que perpassa a obra da criação e chega até nós – os artistas também retomam esses textos bíblicos e os traduzem em arte -, então, como o senhor vê o belo na criação?
AQ – Seguramente o fato de termos incorporado o mito biblico da criação. esse mito radical “tudo está bem”, constitui uma maneira de compreender a criação como algo bom e belo. Há um grande teólogo que busca elaborar sua teologia a partir do transcendental e do belo. A intenção de Deus foi criar um mundo que funciona bem. A criação é um impulso que está fazendo com o que o mundo funcione da melhor maneira possível. Pinta-se a criação como Deus criando um paraíso real. Mas, na verdade, se pinta a intenção de Deus que vai criando pouco a pouco um paraíso de felicidade, de harmonia e de justiça para a humanidade. Para isso, é preciso tempo, paciência e, às vezes, o sofrimento na história. Deus é aquele que seduz a realidade para que se vá construindo esse ideal de perfeição. Por isso mesmo, Deus cria criadores. Ou seja, nós humanos estamos convocados a colaborar com Ele para irmos pouco a pouco conseguindo que esta realidade se pareça um pouco melhor. E é isso que cria a esperança e as utopias.
T – Sobre o problema do mal. Como interpretá-lo a partir dessa questão da criação?
AQ – Aparentemente, o problema do mal se esbarra contra essa intenção divina de se criar um paraíso. Mas isso seria uma condição inevitável da finitude: Deus cria para o paraíso. Mas, para isso, tem que criar criaturas, que têm que nascer, desenvolver-se… como qualquer relação de pais humanos com seus filhos, que se falam naturalmente… apesar dos pais desejarem essa relação construída com seus filhos, eles têm que esperar que os filhos sejam gerados no útero materno até que se desenvolvam. E é isso que acontece na relação com Deus. Deus criou um mundo que deve estar se realizando a si mesmo no tempo. O mundo não é uma prova que Deus põe à prova a condição de possibilidade de que nós possamos existir. E a finitude por si mesma implica limite, choque e desajustes. E por isso essa presença de Deus impulsionando-nos a todos, trazendo-nos nessa busca da perfeição, é o que nos permite, apesar desse mal que nos resulta inevitável, porque a finitude produz carências, choques, desajustes, e até mesmo conflitos… mas estamos sabendo que existe este impulso que está aí presente, permanente para o bem… então nós podemos acolhê-lo e viver na esperança. Podemos lutar contra o mal, mas não podemos vencê-lo na história, é impossível… mas sim, nessas pequenas batalhas que estão anunciando a utopia final e estão alimentando a esperança para não nos desesperarmos diante do mal. Sobretudo, quando se tem a ideia de um Deus que cria unicamente para o bem, que está voltado para a história unicamente para ajudar a humanidade neste caminho para o bem… então o mal não é um absoluto. O mal é tremendo, mas em definitivo é sempre relativo, e está vencido em definitivo. Não na história, porque na história o vivemos, e esperamos que, uma vez rompido os limites da história, Deus estará naquela utopia maravilhosa de São Paulo quando diz “o último inimigo a ser vencido será a morte e logo Cristo se entregará ao Pai em nós, e Deus será tudo em todos”. E isso conflui com a visão do último livro da Bíblia, o Apocalipse, quando fala da cidade última e permanente, que não precisará nem de lua nem de sol porque o Cordeiro mesmo, a Luz de Deus, será a que ilumina e a que habita entre nós… Eu creio que essa esperança é capaz de alimentar a humanidade, e ajudá-la a transitar mesmo às vezes por esses vales escuros e às vezes terríveis do mal, mas sabendo que podemos viver com a esperança de algum dia acabar nessa glória, nessa cidade permanente, sã, sem “sombras”, sem sofrimento, e sem “escuridões”.
T – Na América Latina existe uma certa tendência de alguns artistas de retratar essa questão da luta pela justiça, vendo o profetismo bíblico para estas lutas, no combate contra o mal. Então alguns artistas tomam o texto bíblico como inspiração, e buscam relê-lo e retratá-lo em sua obra de arte. Como o senhor vê esse tipo de apropriação do texto bíblico pela arte?
AQ – Eu acho que é justamente isso o que deve fazer a arte. E a arte que pretende se inserir na tradição bíblica, justamente o modo é atualizando-a, trazendo do passado ao presente. Mas creio que ainda tem muitas pendências. Particularmente, estou muito preocupado por algo em específico, porque se impôs na arte traduzir, por exemplo, figuras bíblicas como a Virgem Maria de Nazaré, uma mulher humilde, pobre, aldeã, ignorante… que provavelmente andava descalça. Mas que provavelmente irradiava bondade, limpeza, pureza, fé e confiança… então eu penso que temos aí pendente uma lição para sermos capazes de pintar uma Virgem verdadeira, não vestida de rainha. Ela nunca foi rainha. Se se vestia pobre, então que a coloquemos vestida pobre. O desafio para o autêntico artista seria mostrar nessa pobreza, nessa presença aparentemente vulgar, a irradiação da glória que leva dentro pela sua acolhida deste impulso divino para a transcendência. Uma coisa que me preocupa, e isso seria um convite aos artistas… seria [a necessidade de] um realismo, um novo realismo… voltar-se para os personagens bíblicos na sua realidade humildíssima e conseguir mostrar nessa humildade a transparência, a “glória do divino”! Foi isso que fez São Francisco de Assis, no período medieval… e isso está aí pendente … e seria algo bonito se os artistas assumissem esse desafio.