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Tânia Bacelar e Túlio Velho Barreto debatem o Brasil pós-Lula na 8ª Semana de Integração

Por Tiago Cisneiros

Ana Eduarda Azoubel

Em tempos de eleição, poucos conseguem pensar em algo que não tenha relação com o futuro do país ou do estado. Isso explica, em parte, o público que lotou o auditório G2 da Universidade Católica de Pernambuco, segunda-feira (4), para assistir à mesa de abertura oficial da 8ª Semana de Integração, com o tema “Economia e política: o Brasil pós-Lula”. As outras razões para tamanha movimentação estavam nos nomes dos conferencistas da primeira noite de evento: a economista Tânia Bacelar e o cientista político Túlio Velho Barreto, dois dos mais respeitados estudiosos pernambucanos da atualidade.

A primeira a falar foi Tânia Bacelar, professora da Universidade Federal de Pernambuco, doutora pela Universidade de Paris 1 e diretora da consultoria Ceplan. Na sua palestra, a economista destacou os avanços registrados na primeira década do século 21, sobretudo durante a gestão do presidente Lula, em relação aos anos 1970, 1980 e 1990.

Segundo ela, o Brasil do final do século 20 conquistara o êxito no seu projeto de desenvolvimento econômico, fundamentado na base industrial ampla e diversificada, na competitividade no negócio e na modernidade e abrangência do setor terciário. O problema residia no campo social, como revelava o ranking de desigualdades, em que o país só estava à frente de Honduras e Serra Leoa, a que Tânia Bacelar, ironicamente, chamou de “potências”.

Para a economista, a crise dos anos 1980 e 1990, devida ao choque de juros, terminou por delegar ao novo século algumas sequelas no âmbito interno e externo. Entre elas, estão a vulnerabilidade ao mercado internacional (por causa da estabilização do Real) e o aumento da dívida pública. Em resumo, aponta, o país tornou-se “refém dos credores”, situação da qual, até hoje, não conseguiu se libertar.

 Mas houve avanços. Tânia Bacelar acredita que o ambiente macroeconômico do Brasil é muito melhor do que na década de 1990. Para defender tal posição, ela aponta a elevação das reservas, de R$ 37 bilhões para R$ 200 bilhões, a inflação sob controle e o crescimento das exportações. Outra mudança positiva, diz, está vinculada à localização das atividades no país. “Quando quisemos ser industriais, nos anos 1970, pusemos 80% da produção no Sudeste. O Nordeste tinha apenas 5,7%. Em 2005, esses índices eram de 61,8% e 9,2%. A diferença ainda é brutal, mas não se pode negar a melhora.”

Melhora que, de acordo com a economista, tem repercutido no campo social, ao contrário do que ocorria no fim do século 20. Para ela, o governo Lula incorporou mais brasileiros ao processo de desenvolvimento da base econômica, através das políticas de gastos sociais (educação, saúde, etc.) e do aumento significativo do salário mínimo. Os resultados, aponta, são a redução da pobreza extrema (de 16,5% para 8,8%, entre 2002 e 2005), o crescimento da classe C (de 37,5% em 2002, para 50%, em 2008) e a “mudança de endereço” da geração de empregos e das elevações de crédito e consumo. No lugar do Sudeste, ganharam força o Norte e o Nordeste, regiões historicamente desfavorecidas pelos governos federais.

Em meio a esses avanços socioeconômicos, Tânia Bacelar encara o futuro com bons olhos. Para ela, dentro da recente crise financeira, há alterações significativas em quatro pilares. O primeiro deles é o conceito de desenvolvimento, que deixa de ser exclusivamente financeiro e passa a abranger o social e o ambiental. O segundo é a evolução da indústria, do eletromecânico para o eletrônico. O terceiro reside nas novas relações trabalhistas, e o quarto, no novo padrão de consumo (com a insustentabilidade do chamado American Way of Life).

Nesse contexto, a economista indica que o Brasil tem potencial para se destacar no plano internacional. “O mundo vai caminhar para o desenvolvimento industrial ao lado do setor terciário. O grande desafio é investir nesse terceiro segmento, no alto padrão tecnológico e na educação”, disse. Para ela, outra janela é a tendência de mudança da matriz energética, cabendo ao país a oportunidade de se tornar um ator relevante, tanto no término do atual estágio (com o petróleo, devido ao pré-sal), quanto no início do próximo (com energia limpa e renovável).

Segundo Tânia Bacelar, o Brasil também pode ganhar força graças ao aumento da demanda por alimento e do aumento de renda em países menos desenvolvidos, como a Índia. “Se a oferta não crescer, o preço vai subir e a fome, continuar. Nós temos água, terra e tecnologia para produzir proteína e frutas, os elementos mais consumidos pelas sociedades que elevam sua renda”, afirma. Para isso, ela acredita na combinação do agronegócio, que “assegura competitividade sem emprego”, e da agricultura familiar, defendida pelos movimentos sociais e responsável por 38% do valor bruto da produção nacional em 2006 (R$ 54 bilhões).

Na conclusão da palestra, Tânia Bacelar disse que o Brasil pode se tornar o exemplo tanto do novo, quanto do velho padrão de desenvolvimento, dependendo das opções feitas pelos próximos governos. Os principais obstáculos, segundo ela, são a baixa escolaridade da maioria da população, a insuficiente consciência ambiental e as desigualdades geradas pelo resistente sistema tributário, segundo o qual “quem ganha menos paga mais”.

 Política

 A segunda etapa da mesa de abertura da 8ª Siucs foi conduzida pelo cientista político Túlio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), que apresentou uma palestra baseada nos resultados das últimas eleições para presidência, Congresso e governos estaduais.

Barreto considera que o adiamento da eleição presidencial refletiu a insegurança dos cidadãos em escolher o futuro governante no primeiro turno. A migração de votos “de última hora”, segundo ele, está ligada ao desejo de conhecer mais propostas dos dois principais candidatos, isto é, Dilma Roussef (PT) e José Serra (PSDB).

Para tentar elucidar o cenário nacional, o cientista político recorreu a um “raio-X” das votações por estado (e seus respectivos Índices de Desenvolvimento Humano, ou IDH). Apoiado em uma tabela publicada no site do jornal Folha de São Paulo, Barreto apontou que a preferência por Dilma é observada nos locais com IDH menor, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste. “A economia ajuda a entender isso, com a percepção de que a continuidade da política federal é desejada pelos que mais sofrem desigualdade”, avaliou, ressaltando o avanço de Dilma em relação à primeira vitória de Lula, em 2006.

Avanço que também foi registrado no plano parlamentar, com a predominância da base governista (PT e PMDB, sobretudo), tanto na Câmara, quanto no Senado. Este cenário, observa Barreto, pode ser bastante negativo para o candidato José Serra, caso eleito. “Ele precisaria descobrir como governar com um Congresso oposicionista. Seria uma experiência única na nossa história. Lula não tinha o apoio dos senadores, mas estava respaldado pelos deputados”, afirmou.

A tendência de crescimento da base governista está refletida, também, nos bons resultados do Partido Socialista Brasileiro (PSB) – na opinião de Túlio Velho Barreto, “o que mais cresce no país”. O cientista política lembra, aliás, que a sigla, fundada pelo pernambucano Miguel Arraes, estava em vias de extinção há apenas 12 anos. O exemplo de “reinvenção”, segundo ele, pode ser tomado pela direita, que teve alguns dos seus grandes líderes reprovados nas eleições 2010. Na lista, estão Marco Maciel, Tasso Jeressati, Jarbas Vasconcelos, Arthur Virgílio e Heráclito Fortes. 

Boa parte do reconhecimento do PSB como partido forte vem dos números de Pernambuco, com a reeleição de Eduardo Campos, que superou Jarbas Vasconcelos com mais de 82% dos votos válidos. Mais do que isso, conseguiu levar ao Senado os seus dois “apadrinhados”, Armando Monteiro e Humberto Costa, e a esmagadora maioria para a Câmara Federal e a Assembleia Legislativa. Para Túlio Velho Barreto, tal desempenho revela “a existência de um brilho pessoal” do neto de Miguel Arraes, que o credencia a algumas ambições e a desafios como líder regional e nacional e, ao mesmo tempo, coloca o estado como ator relevante na agenda política nacional.

Para o cientista político, Eduardo Campos terá a oportunidade de provar esse novo status já nas próximas semanas, apoiando os candidatos do PSB aos governos do Piauí, de Alagoas e da Paraíba, onde haverá segundo turno. Mais adiante, será hora de voos mais altos, como a tentativa de chegar à presidência ou vice-presidência da República, em 2014 ou 2018.

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