Boletim Unicap

Pronunciamento do Reitor na 13ª Semana da Consciência Negra da Unicap

13ª Semana da Consciência Negra da Unicap

Recife, 3 a 6 de novembro de 2020

Pronunciamento do Reitor

 

Saudando todas as pessoas presentes, gostaria de falar da importância da 13ª Semana da Consciência Negra da Unicap com três palavras-chaves: o evento, o tema e a universidade.

Primeiramente, a Semana da Consciência Negra já é um evento importante no calendário da Unicap, não como um acontecimento isolado e pontual, mas como uma agenda transformadora da universidade e da sociedade. Nesse processo de construção, necessariamente coletiva, devemos fazer a memória de alguns momentos fortes:

– Em 1988, quando eu era aluno de Filosofia da Católica, tivemos debates sobre a questão, a partir da Campanha da Fraternidade, com o lema: Ouvi os clamores do meu povo.  Para além dos debates e abordagem em salas de aulas, havia pesquisas e iniciativas da Pastoral da Unicap, sobretudo do CTCH, incluindo algumas expressões de matriz afro-brasileiras nas celebrações: aqui registro nosso agradecimento ao padre Jacques Trudel, jesuíta canadense que trabalhou a dança litúrgica e a inculturação, a partir da Mustardinha, bairro marcado pela maioria negra da população. Foi uma primeira sementinha plantada…

– No ano 2008, já como Reitor da universidade, mais uma vez fazendo referência à data de 1888, no entanto agora associada ao líder Zumbi dos Palmares e ao Dia Nacional da Consciência Negra. Aquela 1ª Semana da Consciência Negra da Unicap aconteceu com a colaboração do Pe. Clóvis Cabral, jesuíta identificado e comprometido com o movimento negro no Brasil: na verdade, o evento ajudou a concluir o discernimento que possibilitou a vinda dele em missão para nossa universidade. Agradecendo ao Padre Clóvis, a abertura dessa 13ª Semana da Consciência Negra revela um itinerário, vários eventos, iniciativas, ações e uma agenda aberta: A árvore cresceu, com ramos, flores e frutos…

– Gostaria de pontuar, além da consolidação do evento, dois frutos importantes: primeiro, a criação do NEABI Unicap, Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas, como gesto concreto da 1ª Semana da Consciência Negra na Unicap; segundo, em 2019, a criação das Bolsas de Inclusão Racial, baseada na lei do Prouni, criando uma política afirmativa, no momento em que o Brasil parecia retroagir. Digno de nota ainda é o surgimento de coletivos e outras iniciativas estudantis, ampliando as perspectivas e o protagonismo de negros e negras na Unicap.

O segundo aspecto que revela a importância desta Semana da Consciência Negra de 2020 é o tema escolhido: O vírus do racismo estrutural: uma pandemia que desafia a sociedade brasileira há 132 anos. Com essa temática faremos uma espécie de genealogia do racismo estrutural, isto é, a partir do momento presente marcado pela pandemia mundial provocada pelo coronavírus identificar outros vírus, como o do racismo estrutural, que não encontrou ainda sua vacina ou vai sofrendo mutações dificultando a sua real superação: recordo aqui a fala brilhante de Tatiana Gomes, da UFBA, no ciclo de palestra de 29 de outubro último, organizado pelo NEABI Unicap. Não é fácil superar porque o racismo atacado reage multiplicando-se…

O tema do racismo enraizado nas estruturas da sociedade sempre foi debatido por muitos/as escritores/as negros/as a exemplo de Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, Sueli Carneiro, dentre outros/as pensadores/as. No entanto, tornou-se público e ganhou as redes sociais, os debates dentro e fora da universidade, a partir do livro: O que é Racismo Estrutural?, do advogado, filósofo e professor Sílvio Almeida, propondo um tratamento mais complexo das relações raciais.

Para o autor, o racismo estrutural é um processo legitimado histórica e politicamente por um grupo que tem acessado privilégios, enquanto outro foi lançado à subalternidade. O racismo estrutural potencializa práticas racistas individuais e institucionais. Portanto, o racismo é decorrência da própria estrutura social, ou seja do modo “normal” como se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares. Isto não é um fenômeno novo. A formação social e econômica do Brasil foi estabelecida, tendo como fundamento os privilégios em detrimento dos direitos. O tema em pauta apresenta diversos cenários para análise, mas o que se sobressai é que o racismo tem historicamente sido mantido, porque o seu enfrentamento demanda a erradicação dos privilégios e uma democratização do conhecimento, propondo, assim, uma igualdade de acesso para todas as pessoas.

Esses 132 anos de direitos conquistados são resultado da luta do movimento negro organizado, um verdadeiro patrimônio imaterial e histórico da sociedade brasileira. No entanto, esses direitos estão cotidianamente sempre ameaçados, sobretudo nos últimos anos e no atual governo, agravado mais ainda pela pandemia. Por isso, mais que nunca, é preciso refletir sobre o tema, por um lado, reafirmando a importância de tantos anos de luta e resistência e, por outro, denunciando a persistente e inaceitável realidade da morte dos jovens negros (21 jovens por dia no Brasil – dados do relatório da CPI de assassinatos dos jovens negros), o encarceramento em massa, o aumento da violência contra a mulher negra etc. O racismo expresso nas suas múltiplas facetas impacta também o acesso à educação e a sua superação pela educação.

Aqui, evoco o terceiro e último aspecto que mostra a importância da Semana da Consciência Negra da Unicap: a universidade. Trata-se não apenas de um evento e um tema, mas uma exigência de transformação da própria universidade para que ela seja mais o que ela quer e deve ser, uma universidade comunitária e humanista, de tradição cristã e católica, marcada pela pedagogia jesuíta. Nada da identidade e missão da Unicap pode compactuar com o racismo.

Infelizmente, o racismo e as suas implicações estão em todas as formas e espaços de organização social, não somente de forma manifesta, mas também inconsciente e disfarçada, sobretudo em um país como o Brasil [aqui impossível não lembrar da grande obra de Lilia Schwarcz e Heloísa Starling, Brasil: uma biografia]. Nesse cenário, a educação tem um papel insubstituível, mas não sem fazer uma autocrítica constante de sua própria atuação, também ela marcada pelas mazelas da história.

Isso significa que, embora o papel da educação no combate ao racismo pareça claro, a realidade, infelizmente, mostra que o racismo está enraizado também nos processos de aprendizagem, da educação básica até o ensino superior, manifestando-se de formas diversas e multiplicando seus efeitos nas pessoas atingidas, desde as crianças fazendo brincadeiras aos conteúdos escolares, envolvendo os funcionários mais simples e os educadores mais qualificados. Como se trata de um problema histórico, estrutural e sistêmico, somente pensando estratégias de superação do racismo no ensino superior e a partir do pensamento crítico universitário, poderemos vislumbrar transformações efetivas nas estruturas da sociedade, aqui e no mundo.

Pensar estratégias de superação do racismo implica, portanto, propor ações e adotar medidas concretas que permitam a transformação das atuais estruturas sociais, historicamente criadas e fundamentadas na desigualdade e na opressão. No mundo globalizado e na sociedade contemporânea do conhecimento, cada vez mais complexa, a senha para “entrar” é o próprio conhecimento. Mais que nunca, portanto, a educação superior é responsável pela formação dos profissionais que terão maior poder de decisão e influência na sociedade do conhecimento. Por isso, a universidade não somente é um lugar privilegiado para pensar estratégias, mas é ela mesma um lugar estratégico para preparar as pessoas que terão a maior incidência em vista de uma nova sociedade sem racismo e com verdadeira justiça social. Trata-se de uma utopia, mas isso significa algo que ainda não teve lugar na história, mas que poderá e precisará ter.

Isso só será possível, façamos a nossa aposta, repensando os três eixos estruturantes da universidade: primeiro, um ensino cada vez mais inclusivo (não somente ampliando bolsas, oportunidades e protagonismo da população negra); segundo, uma pesquisa cada vez mais pertinente no estudo de nossos reais problemas e com a busca de novas soluções; e, enfim, uma extensão responsável, isto é, que responda aos grandes apelos da comunidade, promovendo um real desenvolvimento humano e socioambiental.

Assim o combate ao racismo institucional, não é somente um desafio para a educação superior, mas uma oportunidade para realizar a sua missão na sociedade; em nosso caso, é uma oportunidade para revelar o diferencial humanista e comunitário, a ser visto como uma construção coletiva. Nesse passo, a 13ª Semana da Consciência Negra e o protagonismo de negras e negros da comunidade universitária são indispensáveis. Termino, agradecendo à nossa Pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação, mulher ativista e cientista social, negra e cristã, mas sobretudo uma inspiradora da universidade que queremos ser. E seremos!

 

Pedro Rubens

Reitor

Recife, 3 de novembro de 2020

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