Primeiro dia do Seminário Pernambuco Inclusivo discute educação, integração e avaliação biopsicossocial
|O Salão Receptivo da Católica se transformou num verdadeiro ambiente de confraternização para crianças com deficiência. Enquanto as mães participavam das palestras no auditório G2, os filhos faziam exercícios de neurofisioterapia. A atividade organizada por alunos e professores do curso de Fisioterapia da Católica fez parte da programação do Seminário Pernambuco Inclusivo, que teve sua abertura na manhã desta terça-feira (22).
Foram atendidos filhos de mulheres que fazem parte da ONG União de Mães de Anjos (Uma). A auxiliar de serviços gerais Rafaela Oliveira dos Santos, 22 anos, deixou o filho Luiz Felipe, 1 ano e 9 meses, sob os cuidados da equipe da Católica. Ele tem a Síndrome Congênita Zika Vírus, que no início da epidemia foi chamada de microcefalia. “De uma forma ou de outra vai estimulando os bebês enquanto a gente participa do seminário pra tentar entender toda essa situação”, disse Rafaela.
Assim como Rafaela, quem esteve no seminário viu o auditório G2 se transformar em outro ambiente de acolhida. O público foi recebido pela bailarina Amanda Lima. A adolescente tem Síndrome de Down e mostrou passos de balé clássico que encantaram a plateia pela beleza, sincronia e suavidade dos movimentos.
Quem também provou que a Síndrome de Down não é um obstáculo intransponível foi a pedagoga Amanda de Moraes Ferreira. Formada pela Faculdade Santa Catarina, ela tem pós-graduação em Educação Especial pela Fafire. Dona de um carisma e de uma força de vontade únicas, Amanda falou sobre a sua trajetória acadêmica. “Sou uma pessoa com deficiência que, com o apoio da família, dos amigos e dos companheiros, eu consegui conquistas e vitórias. Porém, para isso, tive que lutar muito pelos meus direitos”, disse Amanda ao relatar as dificuldades em ser aceita na escola.
“As pessoas com deficiência estão aí mostrando que são capazes de abrir suas asas para voar mais alto. Seria tão bom se tivéssemos na sociedade pessoas que se colocassem junto a nós para nos dizer: ‘ em que posso ajudar?’ E não nos dizer: ‘você não pode, você não sabe, você não consegue, você tem isso, você tem aquilo’. O professor pode desenvolver mais o seu papel para mostrar que o aluno tem capacidade de fazer e refazer, conhecer. O importante é que o aluno possa interagir com o grupo”, detalhou Amanda defendendo a inclusão de pessoas com deficiência nas escolas regulares.
Amanda fez parte da primeira mesa que discutiu o tema Integração x Educação Inclusiva. A abertura do seminário foi feita pela presidente da Frente Parlamentar da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), a deputada estadual Terezinha Nunes (PSDB). “Não podemos deixar de debater essa questão. A inclusão das pessoas com deficiência é fundamental. Precisamos da Educação Inclusiva”, disse a deputada.
De acordo com ela, Pernambuco tem exemplos de várias escolas públicas que são referência no assunto. Terezinha falou ainda que está articulando a criação do Prêmio Educação Inclusiva, em parceria com a Unesco, que vai premiar as escolas públicas e privadas que se destacam na inclusão.
Já a defensora pública Natali Brandi destacou as diferenças entre inclusão e integração. “Integrar é receber o aluno. Incluir é torná-lo parte da escola. Isso é facilitar o aprendizado, é fazer com que a pauta da inclusão atinja também as pessoas sem deficiência. Eu não acredito que haja no mundo pessoas sem deficiências. O problema é que a sociedade estipula padrões de normalidade”.
A mediação ficou por conta da coordenadora do curso de Direito da Católica, Profa Dra Cynthia Suassuna, que complementou o pensamento de Natali. “Inclusão é algo simples, não é caro. Basta boa vontade”, disse ela com a propriedade de quem tem um filho com Síndrome de Down de 36 anos.
A discussão em torno da Política Nacional de Educação Especial prosseguiu com a fonoaudióloga Marília Maria de Lucena Macêdo, da Secretaria Estadual de Saúde. Ela também tratou o tema a partir da perspectiva da inclusão nos projetos pedagógicos.”Embora a escola não seja independente de seu sistema de ensino, ela pode se articular, interagir tomando decisões próprias relativas as suas particularidades”.
Segundo a especialista, a Política Nacional de Inclusão traz uma inovação que é o atendimento educacional especializado. “É o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade pedagógicos organizados institucional e continuamente que vai complementar ou suplementar a formação do aluno visando sua autonomia”.
Já os aspectos jurídicos da Lei Brasileira de Inclusão foram abordados pelo professor de Direito Constitucional Bruno Galindo, da UFPE. Ele contou que encontrou muitos pais com receio de que a criação de uma legislação específica pudesse burocratizar o acesso à escola, mas defendeu a importância na legalização desses direitos.
“Não que a lei ou as mudanças na legislação possam solucionar tudo por si só. O Direito se realiza com a luta política, pela afirmação daqueles direitos. O fato de ele estar presente na legislação ajuda muito porque nós temos um ponto de partida que fundamenta toda e qualquer ação posterior”.
Outras discussões – A segunda mesa do seminário tratou do tema A Compreensão da Pessoa com Deficiência: avaliação biopsicossocial. A mediação foi da relatora da Frente Parlamentar da Pessoa com Deficiência da Alepe, a deputada estadual Laura Gomes (PSB).
A primeira a falar foi a Profa Dra Carolina Ferraz, do curso de Direito da Unicap. Ela questionou as definições de pessoas com deficiência e de pessoas com necessidades especiais. “Tem uma música que diz que ‘de perto, ninguém é normal’. E não é mesmo. Então vamos deixar de presunção, de falar da limitação e da deficiência do outro e sim da limitação de da deficiência de uma sociedade excludente, que categoriza pessoas, que degrada pessoas, que não faz o acolhimento e a inclusão que precisa”.
Em outro momento, Carolina abordou o histórico de repúdio de algumas sociedades ditas primitivas em relação às pessoas que nasciam com algum tipo de deficiência. A coordenadora do grupo Frida de Pesquisa e Direitos Humanos da Unicap traçou um paralelo entre essa dificuldade ancestral em aceitar o diferente e as dificuldades atuais, a exemplo do próprio Poder Judiciário.
“É um Judiciário elitista, machista, LGBTfóbico e completamente preconceituoso com a diferença. O Judiciário não conhece deficiência, não estuda sobre deficiência. Então para o judiciário é muito casuística a curatela porque nomeia o curador e transfere o problema para o curador. E aí a gente não vai entender a extensão daquelas dificuldades. Então existiam casos de pessoas com dificuldade de administrar dinheiro, que eram curatelados de aforma absoluta: que não podiam casar, que não podiam adotar, a não ser que esse curador permitisse esse casamento.”
O tom crítico em relação ao preparo do Poder Judiciário em lidar com a deficiência também norteou a explanação do vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB-PE, Mateus Pereira, um dos organizadores do seminário. “O Judiciário é muito atrasado porque são pouquíssimos os magistrados, e os servidores em geral, que conhecem a Lei Brasileira de Inclusão. Não sabem o que é inclusão social”.
O professor do curso de Direito da Católica e coordenador do Núcleo de Inclusão e Acessibilidade da Universidade frisou também o desconhecimento, ainda por grande parte do Judiciário, da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. “É uma coisa inimaginável no mundo jurídico porque estamos tratando do primeiro e único tratado de Direitos Humanos aprovado no Brasil sobre essas condições. É um marco histórico e todo mundo devia saber o que é”.
A mesa contou ainda com a participação com a professora do curso de Fisioterapia da UFPE e membro do Conselho Regional de Fisioterapia (Crefito), Cinthia Vasconcelos; da psicóloga do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Helena Ribeiro; e do promotor público da Promotoria de Direitos Humanos do MPPE, Westei Conde. A programação do seminário segue nesta quarta-feira (23), a partir das 8h30, no auditório G2, com a temática Tecnologias Inclusivas e Acessibilidade Digital; e Cidadania e barreiras atitudinais.