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Pesquisador francês apresenta cultura Occitan no Mestrado em Ciências da Religião

Devoções populares e culturas europeias foi o tema da palestra ministrada na tarde de quarta-feira (6) pelo pesquisador francês Daniel Loddo durante atividade do Mestrado em Ciências da Religião em parceria com o Instituto Humanitas Unicap. A vinda dele foi intermediada pelo o aluno do curso, o compositor e cantor Silvério Pessoa. Durante duas horas, Loddo apresentou elementos da cultura Occitan, presente no Sul da França e em uma pequena parte da Catalunha e Norte da Itália.

A palestra de Loddo, que fala português fluente, se traduz num passeio pela linguagem, religiosidade e mitologia da cultura Occitan, além de suas similaridades com a devoção brasileira, sobretudo a nordestina. “Trata-se de uma língua romana qua ajudou a formar os idiomas português e espanhol. O rei de Portugal, Dom Diniz, usou o Occitan para compor a grafia da linguagem lusitana no século XIV. Cito como exemplo o lh dos dígrafos. Nos séculos XII, XIII e XIV vários reinos europeus falavam Occitan. Língua já existente desde o século VIII. “

A pesquisa que embasa a tese de Silvério estabalece um paralelo entre a cultura Occitan e traços da cultura sertaneja. O último CD do artista tem 12 faixas compostas com símbolos dessa cultura europeia. “O processo de globalização entrou em contradição. Em vez da padronização total, temos a pluralidade cultural e religiosa mantidas”, analisa Silvério.

Loddo explicou qua a língua Occitan era bastante usada pelos trovadores medievais, mas que, em alguns países, tal literatura foi extinta no século XIV por seu antagonismo com o Cristianismo. “A Igreja diabolizou essa cultura e fez a Inquisição perseguir quem a praticava”.

O pesquisador francês também mostrou locais de peregrinação da cultura Occitan que foram incorporados ao Cristianismo ao longo do tempo. Um exemplo é a fonte Saint Elói, santo protetor das profissões que lidam com ferro.  A crença popular é de que o local tem o poder de curar doenças dos olhos. O mesmo acontece com a fonte Madre de Deus. Diz a lenda que o olho d`água teria sido descoberto por bois e que além de enfermidades oculares, o lugar tem a propriedade de sanar doenças de pele. ” No Sul da França, acredita-se que quando se tem uma doença é porque o santo curador daquele mal está zangado com a pessoa. Daí, muitos levam oferendas para acalmá-los”, revela Loddo.

A tão conhecida devoção sertaneja do Nordeste do Brasil encontra semelhança em pontos de peregrinação apresentados por Loddo. “Em Nossa Senhora de Cabannes, o povo pede graças no mês de maio e depois come escargot. Já em Saint Roch, é comum pessoas levarem animais, objetos, sal e sementes para ser abençoados. Os alimentos se transformam em remédios”, conta Loddo ao explicar que Roch tornou-se conhecido por curar enfermos com a Peste Negra, doença que matou 25 milhões de pessoas no ano de 1345.

As crenças populares também fizeram parte da aula. E aí uma outra semelhança com o Nordeste. A fogueira de São João é muito cultuada nesta região da Europa. A quem passe alho, cebola e ervas nas labaredas para transformá-los em remédios. ” A garrafa de vinho passada na fogueira junina e colocada no barril usado para fazer suco de uva é a certeza de uma próxima safra de vinho bom. Passar os animais da fazenda sobre as cinzas e jogá-las na terra espanta pragas e doenças”.

Uma outra crendice colocada por Loddo se faz presente na época natalina. Segundo ele, é comum usar um tronco grande de árvore na lareira. O recomendável é que ele queime até 6 de janeiro, Dia de Reis. O carvão deve ser guardado durante todo o ano para proteger a casa contra trovões e incêndios.

Mitologia –   Em tempos de Internet, pode ser que a Comadre Florzinha não assuste mais as crianças brasileiras como em gerações passadas. Diz a lenda nordestina que bastava pronunciar o nome dela três vezes que a mesma surgia da mata para castigar quem a desafiasse. Na cultura Occitan quem assusta é o Drac, ser místico capaz de se transformar em ovelhas, vacas, “até em professores universitários”, brincou Loddo para a descontração de quem esteve na sala 305 do bloco G4, onde ocorreu a palestra. “A fêmea é a Draca e os filhos, os Dracus”. Apesar do mistério e do tom asssustador, o pesquisador salienta que não são criaturas do mal. “São brincalhões, adoram trocar os obejtos de lugar, agitar as vacas”.

Daniel Loddo apresentou a bodega, que nada tem haver com os bares e mercearias populares brasileiros, mas o instrumento musical usado pelos Dracs. Feito com pele de cabra inteira e tocado por sopro, emite som parecido com as músicas típicas da Escócia. Objeto tido como do Diabo, na Idade Média. “A Igreja lutou muito tempo contra essas coisas. Por isso as pessoas não falam. Para descobrir mais sobre esta cultura, é preciso falar Occitan, ganhar a confiança deles e poder estudá-la. Trata-se de uma cultura oral”, resume o pesquisador que estuda o tema há 30 anos.

 

 

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