Pesquisador congolês profere palestra sobre o ensino da história e cultura africanas no Brasil
|A Universidade Católica de Pernambuco recebeu, na noite desta segunda-feira (27), no auditório G1, um dos maiores pesquisadores da história e cultura afro-brasileira do País, Prof. Dr. Kabengele Munanga. Ele falou sobre a Lei 10.639/03 e sua importância para a educação das relações étnico-raciais no Brasil.
O evento foi promovido pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas, Instituto Humanitas Unicap (IHU) e o Instituto Histórico e Geográfico da Vitória de Santo Antão. A mesa dos trabalhos foi composta pela coordenadora do Neabi, Profª Drª Valdenice José Raimundo, e pelo Prof. Hiram Maciel, do IHGVSA.
Kabengele nasceu na República Democrática do Congo e se naturalizou brasileiro em 1985. Antropólogo com doutorado em Ciências Humanas, ele foi professor da Universidade de São Paulo até 2012 quando se aposentou como professor titular. Atualmente é professor visitante sênior da Universidade Federal do Recôncavo Baiano.
A obra de Kabengele tem reconhecimento internacional. Ele é autor de mais de 150 publicações entre livros, capítulos e artigos científicos nas áreas da antropologia social e cultural. Foi com base nessa densa e profunda bagagem acadêmica que ele falou sobre a lei que torna obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africanas nas escolas do Brasil.
As colocações de Kabengele foram norteadas a partir do contexto histórico nacional, desde a colonização passando pela escravização dos negros até a abolição. Aliás, a forma como o fim da escravidão aconteceu no Brasil, 40 anos depois da França e 24 anos depois dos Estados Unidos, “não foi uma ruptura. Foi uma incapacidade de transformar as profundas desigualdades econômicas e sociais. Não se organizou uma resposta ao racismo para manter o Status Quo. Nessa manutenção, a relação mestre x escravizado se metamorfoseou na relação branco x negro, ambas hierarquizadas”.
Munanga ressaltou a importância da data de 13 de maio de 1888 em função da morte de milhares de pessoas que lutaram para conseguir essa abolição jurídica, mas que enfatizou que este processo não se concretizou materialmente. “A educação fica ainda dominada pelo eurocentrismo sem questionar o universalismo abstrato nele contido. O tráfico e a escravidão ocupam uma posição marginal na história nacional. No entanto, a história, a cultura dos escravizados são constitutivas da história coletiva como são o tráfico e a escravidão”.
O professor defendeu a importância de uma educação multicultural que foque na diversidade. “Acredita-se que esta nova pedagogia possa contribuir na construção de uma cultura de paz e no fim das guerras entre deuses, religiões e culturas. No plano jurídico, o reconhecimento das identidades particulares no contexto nacional se configuram como uma questão de justiça social e de direitos coletivos. Na contramão da globalização neoliberal higienizante que quer arrastar os povos para o mesmo fosso, ocorre paralelamente em todo o mundo o debate sobre a preservação das identidades como uma das riquezas da humanidade”.
Em outro ponto da palestra, Munanga expôs uma diferenciação entre raça e racismo. “O problema fundamental não está na raça, que á uma classificação que é rejeitada pelos próprios cientistas da área biológica. O nosso problema está no racismo que hierarquiza, desumaniza e justifica a discriminação existente. No entanto, o racismo no século 21 não precisa mais do conceito de raça”.
Para ele, a Lei 10.639/03 tem uma função reparatória e corretora. “A saída está numa educação e numa socialização que enfatiza a coexistência ou a convivência igualitária das diferenças e das identidades particulares”.