Boletim Unicap

Leitura dramatizada de “The Célio Cruz Show” proporciona noite de diversão e reflexão

O professor do curso de Letras da Universidade Católica de Pernambuco Robson Teles proporcionou uma noite divertida e, ao mesmo tempo, de muita reflexão ao promover a leitura dramatizada do texto “The Célio Cruz Show”, do autor pernambucano Newton Moreno, na quarta-feira (24), no auditório do Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH) da Universidade Católica de Pernambuco. Aberto pelo diretor do CTCH, professor Degislando Nóbrega, o evento reuniu alunos dos cursos de Letras e Jornalismo.

A leitura dramatizada do texto de Moreno faz parte do projeto Lendo Pernambuco, da Prefeitura do Recife, que procura divulgar autores teatrais pernambucanos vivos.  Essa foi a terceira vez que o professor Robson Teles promoveu apresentação do projeto na Unicap. O texto de Moreno, interpretado por grupo de teatro dirigido por Carlos Salles, aborda o universo televisivo que ridiculariza personagens do cotidiano, ou não, em busca de audiência. “The Célio Cruz Show” é, dentro do texto, um programa comandado por Célio, um showman que não mede esforços para conquistar o maior ibope.

Após a leitura, foi realizada uma mesa-redonda composta pelo coordenador do curso de Jornalismo da Unicap, Alexandre Figueirôa; pela professora do curso de Pedagogia da Unicap, Fernanda Griz; pelo dramaturgo e historiador Adriano Marcena; pela gerente de Artes Cênicas da Prefeitura do Recife, Cira Ramos; e pelo gerente de Produção Cultural da Prefeitura do Recife, Albemar Araújo.

Todos foram unânimes em elogiar a iniciativa do professor Robson Teles e o texto de Moreno. O professor Alexandre Figueirôa disse que o texto chama atenção para uma questão muito séria: a qualidade dos programas de televisão.  “Na busca pelo ibope, vale tudo”, criticou Figueirôa. Já a professora Fernanda Griz, enfatizou que o texto mostra claramente a sociedade do espetáculo na qual vivemos.”Moreno nos permite ver como a televisão explora de maneira sórdida o diferente”, frisou.  O dramaturgo Adriano Marcena, por sua vez, questionou: “A televisão como uma concessão pública pode ou não expor as dores humanas?”

Veja abaixo a análise do texto de Newton Moreno feita por Adriano Marcena:

Fragmentos do grotesco em The Célio Cruz Show

O projeto Lendo Pernambuco mais uma vez contribui para a valorização do gênero dramático no espaço acadêmico, visto que o lírico e o épico são mais trabalhados pelos departamentos de Letras. Evidente que a quantidade de livros publicados de poemas, contos, crônicas e romances são infinitamente superiores às escassas publicações que contemplam a dramaturgia. Desse já, percebemos a importância deste projeto da Gerência de Formação Cultural da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, sob a coordenação de Albemar Araújo em parceira com o curso de Letras da Unicap.

A obra contemplada pelo projeto é The Célio Cruz Show do pernambucano Newton Moreno. A peça de Newton Moreno permite vários mergulhos, contudo, nos limitaremos, em texto brevíssimo, a esboçar algumas características dramatúrgicas.

Da perspectiva da carpintaria teatral o texto recebe tratamento refinado, assegurando a máxima que a função do dramaturgo é contar uma história através de diálogos. No texto, não há tempo para filosofar a cerca da ética e da moral, emitir pareceres sociológicos, discussões antropológicas de gênero ou levar o público para dentro do espetáculo para ridicularizá-lo semelhante às personagens. Aliás, peças ou encenações que levam o público para o palco, merecem uma atenção especial, visto que muitas vezes o espectador é escarnecido em cena diante de todos.

O envolvimento direto do público com a cena é arriscado, sobretudo, quando se aborda um tema como o The Célio Cruz Show. Claro que a plateia do espetáculo é o público do programa, entretanto, as funções estão muito bem delineadas. O público está ali para assistir ao espetáculo, não interfere diretamente na cena. Com toda sua experiência, Newton Moreno sabe como jogar com o público que ele transforma no ‘auditório do programa’.

Colocar o público em cena é recurso utilizado muitas vezes nos textos de jovens dramaturgos que ainda não perceberam que essas discussões ficam para o debate, para o pós-cena. Observamos que em momento algum o autor se faz presente no texto, aliás, quanto menos presente estiver o autor, mais força sua obra ganhará diante dos olhos do espectador/leitor.

O texto se consome ao contar a história de um programa de TV que, para obter ibope cada vez mais alto, expõe a vida das pessoas de maneira inescrupulosa. Ágil e precisa, além de não fugir do foco da sua proposta, a escrita do texto requisitará da direção e dos atores, para ser colocada em cena, uma precisão cênica de bisturi a laser, pois do contrário, é muito fácil cair no lugar-comum, à procura do riso fácil e findar pasteurizando a proposta do autor. É importante dedicar uma atenção exclusiva à delgada linha que separa o ridículo, o caricato e o burlesco das angústias vividas pelas personagens em cena.

O que temos na peça é um jogo que nos permite visualizar a dicotomia entre os opostos e, para clarear nossas possibilidades de interpretação lembremo-nos Muniz Sodré, que ao trabalhar com o grotesco, afirma que este é “a estética da violência de contrários: o harmônico e o desarmônico, o bonito e o feio, o proporcional e o desproporcional”.i

Quiçá, encontremos no texto o exercício da “estética da violência dos contrários”. Enumeremos alguns prováveis casos: Janice quer comprar sapatos masculinos e seu Moisés, o vendedor, se recusa a vender, ‘violência’ acrescida pela forte rejeição da sua família e Maria Hercília à sua condição homossexual e ainda temos que ouvir do apresentador: “mãe vira puta para pagar tratamento de filha gay”; há a personagem Márcia que garante que não teve homem que a recusasse e “desafia todos os viados a virarem homens. Ela garante que transforma qualquer bicha em macho”, o teste é feito com Natanael que vence o desafio; passando pelo conflito do casal Godofredo/Alice. Ele, Godofredo, nasceu mulher, e Alice, nasceu Plínio. Ambos desejam conseguir dinheiro para fazer cirurgia para trocar de sexo, salientando que Alice tem 16 anos e, surpreendentemente, em meio às críticas do tio Egídio declara a seguinte sentença: “se fosse um rim, ninguém encheria tanto”. O enunciado de Alice nos remete à “estética da violência dos contrários”, pois ao fazer sua escolha moral, que é amputar o pênis, a personagem Alice questiona a ética vigente em que um rim retirado seria aceito normalmente, porém, uma amputação peniana, não. Tem a figura do ‘aleijado com dois pênis que “se o ibope cair, ele entra na mesma hora” e ainda o caso de Marcelo e Marcos Valério contemplando a “primeira declaração de amor de um surdo-mudo gay da televisão brasileira”. Sem esquecer os bastidores do programa onde são revelados vários segredos: o cristal japonês, “as velhinhas que treparam com o padre do Tatuapé”, as pessoas com “cara de pobre” que devem vir pra frente do auditório e todos os tipos de clichês.

Em meio ao drama humano, os patrocinadores anunciam seus produtos: os “gays heroes”, o “jazigo Amor eterno”, “um novo vídeo educativo para a comunidade GLS: O Mistério do Anal, 1000 Dicas” com sucesso absoluto de vendas e que em breve estará lançando “workshop com aulas práticas e palestras” ou as impressionantes “margarinas happy gay. (…) é gostosa, cremosa, saudável como todas outras, só que feitas para você, homem e mulher gay. Ela vem em duas embalagens: uma com o casal de mulheres e outra com o casal de homens”, ou ainda “um tratamento completo na ‘Pégasus Beauty Center”, ou seja, uma famosa clínica de embelezamento que faz tudo: “Você sai montada, só falta o bofe” e ouvir do apresentador, no quadro ‘mamãe, sou gay’: “este microfone está aberto para quem quiser se assumir. Isto mesmo, aquele ou aquela que se assumir ‘gay’ em rede nacional sai do programa com um polpudo cheque. Lembrando sempre que o prêmio é um patrocínio das lotéricas ‘Sonho Real’”.

O programa The Célio Cruz Show se passa num canal de TV com uma ‘aparente’ estrutura de produção e ‘possível’ refinamento técnico nas imagens geradas. Esse universo mágico proporcionado pela televisão – sons, imagens mirabolantes, efeitos especiais, gente bonita e bem maquilada – vai de encontro, de forma violenta, ao ‘drama’ vivido pelas personagens que se apresentam no programa.

A homossexualidade serve de mote para se falar da das discriminações e escravização imagética que todos estamos passando através do desbunde das telinhas (TV, celular, computador, outdoors, mp’s). Liberta através das imagens fantásticas e escraviza pela perpetuação da fixidez social, do aceitar que o problema do outro não é um problema meu. O texto, aparentemente leva ao riso fácil, automático, espontâneo, quase normal e beira, enquanto discurso sem reflexões profundas GLBTS, uma grande provocação de chulicidades preconceituosas. Contudo, o texto é inteligente, pois deixa uma semente reflexiva para brotar no espectador. Não é um ‘rir por rir’, simplesmente, mas um ‘rir por pensar’, um ‘rir para saber olhar para o outro’, um ‘rir para confrontar suas frustrações’, um ‘rir para desafiar seus limites em correr atrás dos seus sonhos’. O texto parece querer avisar: não se escravize tão facilmente como o próprio Célio se permitiu e, ao ser ‘desmascarado’ em cena – através da sua falsa moral –, cabe a ele carregar a sua cruz ‘Bruno’ até o gólgota, aqui representado pelo ibope. E se os outros já foram crucificados pelo seu programa agora é a sua vez com a aparição de o “Homem de Costas”. Creio que essa é uma das reflexões que o texto permite que façamos.

Mas tudo é um jogo, um game diante do público que participa acessando, através de um click no controle remoto, o canal do programa para aumentar seu ibope. Mas será que esse apertar o controle remoto é para compartilhar das dores daqueles dramas humanos ou para ‘morrer de achar graça’ da desgraça dos outros já que ‘não sou eu’ que estou exposto é também ninguém ‘da minha família’? Todavia, quem está interessado em resolver o drama alheio? Ou melhor, a televisão, uma concessão pública, deve ou não expor as dores humanas com a finalidade de aumentar seu Ibope?

Adriano Marcena, 2011.

i SODRÉ, M. Para Muniz Sodré, ‘o grotesco é uma estratégia para conquistar o público’. Entrevista a Luisa Alcantara e Silva e Caio Quero. Disponível In <http://www.facasper.com.br>. Acesso em: 01 de mar. de 2009.

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