Boletim Unicap

Jornalista Sônia Bridi participa de seminário sobre telejornalismo na Católica

Fotos: Luísa Nóbrega

A jornalista da TV Globo Sônia Bridi participou, na tarde da terça-feira (12), no auditório G1 da Universidade Católica de Pernambuco, do Seminário Telejornalismo: Processos e Linguagens, realizado pelo Globo Universidade, com o apoio da TV Globo Nordeste, do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFPE (PPGCom), da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

A mesa da tarde foi formada pela Pró-reitora Acadêmica da Católica e, também, jornalista, professora Aline Grego; pela professora de Jornalismo da Católica, Stella Maris; pela professora de Jornalismo da UFPE, Paula Reis, além da palestrante Sônia Bridi.

Nascida em Santa Catarina, Sônia Bridi foi correspondente, pela TV Globo, em Londres, Nova York, Pequim e Paris. Em 2005 participou do projeto “Globo Ásia”, onde visitou Japão, Tibete e Índia e entrevistou o Dalai Lama. Cobriu várias convenções do Clima (Bali, Poznam, Polônia e Copenhague) e percorreu 12 países mostrando as mudanças climáticas para a série de reportagens do Fantástico “Que tempo é esse?”. É autora do livro “Laowai – Histórias de uma repórter brasileira na China”.

Sônia começou sua palestra falando que Marcelo Canellas (palestrante da manhã) entrou na TV Globo seis meses antes dela e que ela vai completar, agora em 2011, 20 anos de TV Globo. “Pela manhã, o Marcelo falou da imparcialidade que o jornalista tem que ter e eu concordo plenamente. A opinião do repórter sobre um certo músico, por exemplo, não pode influenciar na reportagem que vai fazer.”

“Marcelo é mestre em dar voz aos menos ouvidos. O jornalista não muda o mundo, mas algumas reportagens podem ajudar a mudar. A série de reportagens de Beatriz Castro no Sertão nordestino ajudou no programa do Governo Fernando Henrique de Erradicação do Trabalho Infantil.”

“Eu sou bastante independente quando faço as minhas matérias. Eu não preciso ter um produtor colado em mim para marcar isso, ou marcar aquilo. Eu proponho as minhas pautas, eu acho as fontes, eu marco minhas entrevistas, eu marco passagens de avião, se precisar, hotel, eu sou muito independente. Eu gosto de interagir com outras pessoas na hora que eu estou fazendo minhas matérias. Quando eu estou com o texto pronto, eu gosto de ler para outras pessoas para sentir como é que a pessoa está ouvindo. Quando eu estava no exterior, o escritório da Globo era na minha casa, e eu fazia isso. Alguém tinha que ouvir. O Paulo (Paulo Zero cinegrafista e marido de Sônia Bridi), meu parceiro nas matérias, cuida tanto da gravação quanto da edição das imagens. Então, eu dou palpite na edição de imagem e ele dá palpite na edição de texto.”

“Televisão é, por natureza, uma tarefa coletiva. O repórter não faz sozinho. Como é um veículo para a massa, todo mundo assiste televisão. Mais pessoas recebem suas informações vendo o Jornal Nacional do que por outros meios. Isso diz muito sobre quem nós somos. Uma grande parte do nosso público tem a gente como a única fonte de informação, não que sejamos a única fonte de informação escolhida, mas a única fonte de informação que ele vai acessar, ou porque ele não tem o hábito de ler jornal, ou porque não tem dinheiro para comprá-lo, ou porque não tem acesso à Internet, ou porque não se interessa muito pela notícia, mas entre uma novela e outra acaba vendo. Então, a responsabilidade com que temos de fazer a reportagem acaba sendo muito maior porque, se você errar, aquele erro vai ser assistido por muita gente.

Em seguida, Sônia Bridi apresentou e comentou quatro matérias suas.

“Bom, quando me convidaram para vir aqui falar de grandes reportagens e de grandes coberturas, eu me concentrei principalmente numa coisa que é muito recente, que foi a série que a gente fez para o Fantástico, no final do ano passado, chamada ‘Que tempo é esse?’, uma série sobre mudanças climáticas. Nós gravamos em 12 países mais o Brasil, buscando lugares onde já existam efeitos das mudanças climáticas, onde esses efeitos sejam visíveis. Agora, mudança climática só é visível numa comparação do que você tem com o que já foi. Então, nós tivemos que fazer uma série de estudos sobre mudança climática. Nós tínhamos proposto essa série para o Fantástico, em 2009, mas nós estávamos morando na França, a nossa mudança tinha sido marcada para o final do mês de junho e por uma série de razões, nós acabamos chegando no Brasil só em setembro. Uma das razões foi a queda do voo 447 da Air France. Nós estávamos morando ainda na França quando o avião caiu e aí foi uma coisa que se estendeu por um mês, matéria em todos os telejornais, todos os dias. Não tinha como pensar em mudança num ritmo desse. Quando acabou aquilo tudo, foi que voltamos a pensar em mudança. Então, naquele ano, a gente não conseguiu tocar a série.”

“Eu trouxe como exemplo uma reportagem dessa série, porque nós discutimos muito a linguagem que nós usamos para contar essa história. Então, nosso primeiro passo foi fazer uma lista das reportagens que nós usaríamos como exemplo de aquecimento. Nós queríamos que fosse representativo de todos os continentes, nós queríamos que fosse em lugares que isso já está acontecendo de maneira mais visível e nós fomos às instituições científicas mais sérias quanto às questões do clima. Nós fomos ao Inpe, do Brasil, que é o maior centro de estudos sobre  mudança climática no país; nós fomos à Nasa, nós fomos ao Noa, que é o centro de atmosfera dos Estados Unidos, equivalente ao nosso Inpe, só que com uma estrutura absurdamente maior e nós fomos ao primeiro centro de estudos do clima do planeta, em Londres. Os ingleses são obcecados com o clima, com a previsão do tempo. Enfim, nós preparamos toda a base científica e fomos a campo para fazer as observações de campo.  Isso foi para vocês entenderem a metodologia que a gente utilizou para fazer essa série.”

“Para o Fantástico, você têm aquelas matérias que você pode planejar durante algum tempo, que já é diferente do dia a dia, e têm aquelas matérias que, quando acontece uma tragédia, você vai para o lugar, não sabe o que vai encontrar, sai caminhando e vai seguindo alguém e vai fazendo a matéria. Foi o que a gente fez em Teresópolis, naquela tragédia terrível  que aconteceu na serra do Rio de Janeiro, no começo deste ano, em janeiro.”

Emocionada, Sônia Bridi, fala: “Toda a vez que eu vejo essa matéria, eu me emociono. Porque é uma coisa tão brutal, é uma sensação de impotência muito grande. Foi tão duro que você tem que abstrair e ir andando. Quando saímos da redação, sabia que era uma coisa imensa, sabia que era uma tragédia. Nós conseguimos chegar em Teresópolis às 21h. Então, o que a gente podia fazer, era ir para o ginásio. Quando a gente entrou no ginásio, a primeira imagem que veio à minha cabeça foi a do furacão Katrina. Aquele monte de gente, numa proporção menor do Superdome, em Nova Orleans. As imagens eram muito chocantes. No meio de uma desgraça, um menino que tinha perdido tudo estava ajudando os outros. Ele ainda se sentia capaz de oferecer alguma coisa. Quando encostou o caminhão-baú, nós pensávamos que era de mantimentos. Eu e o Paulo chegamos ao lado e, quando abriram a porta do caminhão, e começa a sair gente. Qualquer um que assistiu a um filme da Segunda Guerra, lembra daquele trem cheio de judeus, me veio aquela imagem.”

“Então, não tinha uma entrevista marcada, não tinha nada preparado pra gente fazer essa matéria. Nós fomos seguindo o que o instinto dizia o que a gente devia fazer. A gente seguiu aquele caminhão, porque o cara disse que tinha mais gente para ser resgatada, nós encontramos um grupo de voluntários e nós seguimos esses caras durante 48 horas, passando as dificuldades e chegamos lá em cima, onde ninguém tinha chegado, nem bombeiro, ninguém.  A gente foi carregando água, não sei se vocês perceberam um guarda-chuva protegendo uma velhinha sendo carregada, era o nosso guarda-chuva. O que a gente podia oferecer naquele momento? A única coisa que a gente tinha era um guarda-chuva para não deixar a senhora se molhar. Enfim, a gente foi seguindo e contamos a história”

“Essa é uma outra história, uma outra forma de contar uma história, porque o que a gente tinha era uma história fantástica. Uma história fantástica porque tudo de ruim aconteceu e tudo de bom aconteceu. Tinha uma notinha no jornal dizendo que um mergulhador ficou tetraplégico em um acidente, ficou 16 horas à deriva e foi encontrado com vida. Que coisa mais maluca não é? Como foi isso? E a gente localizou a família. Aí a Renata, produtora, telefonou e falou com a mulher dele e ela disse que queria ver o diabo na frente, mas não queria ver um repórter. Nós descobrimos o porquê. Porque quando saiu aquela notinha, um produtor da Record (TV Record) chegou com máquina fotográfica, pequena, e entrou na UTI para filmar o cara. Se isso não for uma invasão de privacidade imperdoável, na hora da dor de uma família, eu não sei o que você pode classificar de antiético na nossa profissão.”

“Aí um belo dia, eu fui para o hospital fazer uma visita. Eu já sabia, pelo o irmão dele, que ele já estava conversando, que ele contava com detalhes a história. Liguei para a mulher dele e perguntei se eu poderia ir. Fomos eu e o Paulo. Ele topou dar entrevista e, a partir de uma entrevista, o Paulo fez o projeto de reconstituição das imagens, para a gente poder ter recursos de imagem para que a história fosse melhor compreendida pelo público. Então, nesse momento, a gente fez uma coisa que eu acho que o estudante de jornalismo precisa muito estudar que é a linguagem cinematográfica, a linguagem audiovisual, porque no jornal você conta a história com um único recurso que é a sua palavra. Na televisão, o jeito que você filma, a maneira que é feito o enquadramento, se a câmera está parada ou em movimento, tudo isso tem mensagem subliminar junto, tudo isso está dando informação para o público, está ajudando ou atrapalhando a compreensão da história. Eu acho que o trabalho que o Paulo fez na reportagem foi sensacional para permitir que a gente junto conseguisse acompanhar a saga do cara durante às 16 horas. Eu optei por aparecer pouco na matéria, com pouco texto, tentando deixar que ele contasse a história dele. Porque ninguém conta uma história melhor do que quem viveu a história.”

“E por fim, eu gostaria de mostrar uma outra matéria que eu fiz para o Fantástico. Que é um tema bastante polêmico. Acontece uma desgraça, como aconteceu na quinta-feira (7/04) no Rio de Janeiro e a pauta que cai na sua mão é ‘o perfil do assassino’. Você começa a investigar e você descobre que o assassino sofreu muito. Era um coitado, de dar dó. Um cara que foi maltratado, mas não é um coitadinho, porque tem muita gente que a vida maltrata e não se torna assassino de criança. Como é que você faz essa matéria? Como é que você diz a verdade, mas sem justificar o que não tem justificativa. A morte de crianças dentro da sala de aula, onde deviam estar seguras, não tem justificativa. Aí muita gente dizia que essa cobertura ia deixar o assassino famoso. A imprensa não o deixou famoso, ele se tornou famoso quando ele cometeu o que cometeu. A minha opinião é: a gente não entender esse cara é abrir a porta para que outros apareçam. Nós precisamos entender o que houve, nós precisamos saber, nós precisamos dar informações para a população. Não adianta a polícia saber, não adianta eu saber, todo mundo tem que saber identificar.”

“Mas ao mesmo tempo, tem outra coisa, os sinais, isolamento, a timidez, inquietação, caladão. Tem gente tímida no mundo e nem todo tímido vai ser um assassino. Como é que você faz isso, conta isso, para que as pessoas tímidas não passem a ser discriminadas. Ele era esquizofrênico. Como é que você conta isso sem criar uma revolta contra os coitados dos esquizofrênicos? É muito difícil! Eu tenho dois filhos. É inominável pensar na dor dos pais. Você tenta se colocar no lugar deles, é uma coisa assim absurda. Quando eu recebi a notícia, eu tinha acabado de deixar meu filho na escola. Veio na cabeça o ritual da rotina, dando bom dia ao Pedrinho, ajudando a colocar a roupa, organizando a mochila, dando café da manhã, botando no carro, dando beijo na porta da escola. E quantas mães fizeram aquilo naquele dia, cumprindo a sua rotina e nunca mais vão ter isso. Então você tem que fazer tudo isso levando em consideração que essas mães estão te assistindo e que elas não podem ser submetidas a ver alguém dizendo que esse cara era um coitadinho, porque não era um coitadinho. Muita gente passa pelo que ele passou sem se tornar o que ele se tornou. Então, essa matéria foi sofrida de fazer por causa disso, por causa de todas essas questões envolvidas.”

“É muita coisa em jogo e que você precisa contar uma história, ser honesto ao contar a história, não omitir as coisas a que esse assassino foi submetido, mas ao mesmo tempo, com toda delicadeza, dizer isso. E o que a gente conseguiu fazer, vocês vão ver agora.”

Após a exibição das matérias, a palestrante respondeu às perguntas dos participantes.

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