Boletim Unicap

Filhos de Carlos Marighella, Francisco Julião e Gregório Bezerra participam de mostra de cinema na Católica

Augusto Marighella

” O Brasil detesta tirania, isso não combina com o nosso país”. Augusto Marighella.

Uma noite especial reuniu no auditório G1 da Universidade Católica de Pernambuco, nesta quinta- feira (8), os filhos do líder comunista Gregório Bezerra, do líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião, e do ex-guerrilheiro Carlos Marighella. O encontro de Jurandir Bezerra, Anacleto Julião e Carlos Augusto Marighella aconteceu durante a mostra “Cinema pela Verdade”, que exibiu o documentário “Marighella”.

Augusto conversou com a nossa equipe, e relembrou alguns momentos muito dolorosos de sua vida, como a perseguição ao seu pai pelos militares.


AssecomUnicap: Como foi para o senhor crescer sabendo que seu pai foi uma das personalidades mais importantes para o país, que lutava em 1964 contra um regime ditatorial?

Augusto Marighella: Olha, fui educado para ter muito orgulho do meu pai. Minha família toda sempre me deu esse ensinamento. E é bom falar isso, porque eu não era uma vítima, eu compreendia completamente todo aquele esforço que meu pai fazia. Mesmo não entendendo do ponto de vista político, eu imaginava que o meu pai era uma pessoa imbuída de vontades boas. E de tal maneira, tudo que eu sofri, alguns constrangimentos, eu relevava, não tinha nenhuma mágoa. Muito pelo contrário, o sentimento que tinha e tenho é de extremo orgulho.

E foi através dele que eu tive motivação para entrar nos movimentos políticos. E é maravilhoso ver todo esse momento que estamos passando, meu pai sendo lembrado em filmes ou documentários. Quando vejo as manifestações carinhosas, penso que valeu muito a pena ter chegado até aqui.

AssecomUnicap: E como foi para o senhor quando soube que seu pai havia falecido?

Augusto Marighella: Foi um momento extremamente doloroso. Primeiro porque meu pai lança a tese de ‘luta armada’ em 1967 e a partir daí o Governo Federal o coloca como o inimigo número 1 da Ditadura. Havia cartazes com fotos do meu pai espalhados por todos os aeroportos, e a ordem era prendê-lo. E o que não era dito, era que os cartazes falavam procura-se vivo ou morto.

Então, a partir daquele momento, todos os jornais da época começavam a divulgar: Marighella encontrado morto em tal Estado, Marighella preso, Marighella torturado, ou seja, diversas vezes anunciaram a morte dele, e ele sempre reaparecia. Só que, quando ele realmente morre, eu não tive aquele choque, porque eu pensei que era mais uma mentira. Mas depois vi que não era mentira. Fui levado para um jornal lá na Bahia que continha um fax, onde recebiam notícias de todo o Brasil, porque naquela época não se tinha internet. Então, eles me mostraram uma breve notícia: Marighella foi encontrado morto e, logo em seguida, o jornal recebeu as fotos. Então, vi as imagens do meu pai fuzilado. Realmente, foi uma das sensações mais desagradáveis da minha vida. Foi dessa maneira tão cruel que fiquei sabendo da morte dele.

AssecomUnicap: E o senhor tinha quantos anos quando ele faleceu ?

Augusto Marighella: Eu ia fazer 21 anos, e eu já estava envolvido com a luta política também. E me recordo que eu e um tio meu mandamos um telegrama para o jornal e para o Instituto Médico Legal pedindo que eles não velassem o corpo, porque a família queria prestar uma última homenagem. Entretanto, isso nos foi negado. Primeiro, nos ameaçaram e alegaram que meu pai reagiu à prisão e que havia matado inclusive uma policial, e então o Exército nos informou que por conta dessa morte do policial no momento do confronto, poderia haver retaliação contra nossa família e que eles não garantiam nossa integridade física e, dessa forma, não poderíamos ver o corpo.

AssecomUnicap: O que o senhor acha de eventos como esse e da Comissão da Verdade, que tentam mostrar um pouco daquela época tão dolorosa?

Augusto Marighella: Olha, eu não posso deixar de registrar que uma das coisas mais dolorosas para mim, foram essas décadas de silêncio sobre essa geração que lutou contra a Ditadura. E é por isso que esses filmes, documentários e debates são muito importantes porque eles cumprem o papel de romper esse silêncio, toda essa maldição, porque querem agir como se essas pessoas, como o meu pai, não tivessem existido.

E ninguém se lembra mais de quem matou o meu pai, mas nós queremos nos lembrar todo dia de quem o matou, porque, independemente se ele era comunista, ele inspirou toda uma sociedade, foi uma pessoa exemplar e digno e que efetivamente amava o seu país.

Então, eu acho que o filme, que as Comissões que estão sendo criadas são interessantes porque estão levantando as verdades. Porque, com a quebra de silêncio, podemos saber o que realmente aconteceu, podemos conhecer a fundo quem lutou contra a ditadura e que de alguma maneira são pessoas com quem temos uma dívida. Mesmo essa democracia ainda em construção é fruto dos esforços deles, de um Julião, de um Gregório Bezerra e de um Marighella.

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