Boletim Unicap

Confira entrevista sobre Padre Paulo Meneses

O trabalho filosófico como síntese da tradição cristã

Jesuíta tradutor de Hegel e especialista em sua obra filosófica deixa um legado de dedicação de vida à missão de educar e doar-se ao outro como realização de si mesmo, observa Danilo Vaz-Curado

Por Márcia Junges do IHU ON-LINE

Padre Paulo manteve atividade intelectual incessante, com livro a ser lançado em 20-12-12

Notabilizado por expor o pensamento filosófico de Hegel de forma clara, “elegante e com a simplicidade necessária para o seu correto entendimento”, Pe. Paulo de Gaspar Meneses, SJ, faleceu dia 10-12-2012, em Fortaleza. Renomado pesquisador e professor de filosofia, o jesuíta era conhecido pela realização de uma “síntese da tradição cristã, que une o humanismo e a cultura, o legado da tradição iluminada em seu impulsionar irresoluto pelo movimento do Espírito, e a construção de sua reflexão a partir de Hegel”, afirma Danilo Vaz-Curado, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Padre Paulo, como preferia ser chamado, pode mesmo ser considerado “um marco na introdução e no debate acerca da obra de Hegel no Brasil e nos países de língua portuguesa. Sua contribuição está ligada tanto à tradução e divulgação da filosofia, em geral, e do pensamento de Hegel, em particular, quanto à elaboração de um pensamento próprio entre nós brasileiros”.

Danilo Vaz-Curado é coordenador do curso de Filosofia da Unicap, graduado em Direito pela Unicap, onde cursou especialização em Ciência Política. É mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE com a dissertação Dialética, Religião e a construção do conceito de liberdade nos Theologische Jugendschriften de G. W. F. Hegel, e doutorando pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. É um dos autores de Carl Schmitt contra o ‘Império’ (Recife: Editora Universidade Federal de Pernambuco, 2009) e escreveu A interrogação filosófica no pensamento de Hegel (Munich: Grin Publishing GmnH, 2012).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as origens do Pe. Paulo Gaspar de Meneses?

Danilo Vaz-Curado – Padre Paulo Gaspar de Meneses, cearense, nascera em de 11 de janeiro de 1924, em Maranguape, filho de tradicional família da querida “Terra do Sol”. Cursara o noviciado na década de 1940, a partir dos 16 anos de idade. Nos idos dos anos de 1945, Pe. Paulo Meneses SJ, junto de outros notáveis jesuítas, dentre os quais Pe. Henrique Cláudio de Lima Vaz , inspirados pelo carisma inaciano iniciam sua formação em Nova Friburgo. Aos 29 anos, em 1953, ordenou-se sacerdote Jesuíta. Em 1959, defende a tese de doutorado versando acerca do Doutor Angélico, intitulada O conhecimento afetivo em Santo Tomás de Aquino, no Recife. Na década de 1960, em virtude da instalação do curso de Direito na Unicap, transfere-se para estudar Ciência Política e Direito Público em Paris, onde recebe o Diplome de L’Institute d’Etudes Politiques.

IHU On-Line – Como e quando se deu seu ingresso na Companhia de Jesus, bem como a descoberta pela vocação sacerdotal?

Danilo Vaz-Curado – Padre Paulo, como gostava de ser chamado, tinha um profundo sentido místico, e uma grande admiração por seu pai que sempre o acompanhava às missas, quando criança, em sua cidade natal. Tal admiração pelo pai e a alegria que este expressava em ir com o filho às celebrações foram despertando no jovem Paulo Meneses a experiência de fé. Em certo momento de sua infância, houvera um acidente em casa no qual seu pai escapara de se ferir por portar uma medalha de Nossa Senhora nos bolsos. Isso confirmara a Paulo a missão e o dom que ele professaria por toda a sua vida, o de servir a Deus e aos homens. Missão que ele assumira através da Companhia de Jesus.

IHU On-Line – Além de tradutor de Hegel , Pe. Paulo Meneses era um especialista em sua obra. Quais são as peculiaridades desse trabalho filosófico?

Danilo Vaz-Curado – Padre Paulo, como filósofo, era verdadeiramente um professor. Seus livros autorais sobre Hegel (vg. Para ler a fenomenologia do Espírito) (São Paulo: Loyola, 1985), ou Santo Tomás de Aquino (v.g., Conhecimento afetivo em Santo Tomás (Recife: FASA, 2001), ou filosofia em geral (Universidade e diversidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003), eram livros que se destinavam a esclarecer e oportunizar o acesso dos estudantes ao grande manancial da tradição filosófica. Recordo-me de em várias vezes perguntar a Pe. Paulo sobre a necessidade de uma obra sistemática acerca de Hegel e ele respondia, “o Vaz , o Aquino  e o Denis  já o fizeram, minha tarefa é outra”. Mesmo assim Pe. Paulo notabilizara-se por expor Hegel de modo claro, elegante e com a simplicidade necessária para o seu correto entendimento. Seus textos, Hegel como mestre do pensar, Entfremdung e entäusserung  e A Fé e a ilustração em luta no mundo da cultura,  dentre outros mais que poderiam ser citados, são continuadores de uma tradição de originalidade exegética hegeliana propriamente jesuítica, como o foram os textos de Lima Vaz, Labarriere, Fessard, Gauvin etc. Dentro deste horizonte, a tarefa de Pe. Paulo Meneses era a de formar gerações, tarefa própria de um pesquisador-professor. Assim a peculiaridade da obra de sua obra se dava na síntese da tradição cristã, que une o humanismo e a cultura, o legado da tradição iluminada em seu impulsionar irresoluto pelo movimento do Espírito, e a construção de sua reflexão a partir de Hegel.

IHU On-Line – Que trabalhos Pe. Paulo deixou em andamento? Nesse sentido, poderia comentar sobre o livro que será lançado em 20 de dezembro, no qual vocês dois trabalharam juntos?

Danilo Vaz-Curado – Padre Paulo Meneses mesmo com a idade de 87 anos vinha trabalhando em diversas traduções. Dentre elas, gostaria de destacar As órbitas dos planetas, tese de habilitação de Hegel defendida em Iena no ano de 1801 em latim, e que será lançada no dia 20 de dezembro de 2012, pela editora Confraria dos Ventos, em edição bilíngue latim-português. O diferencial desta tradução de Hegel ao português assoma em importância por dois grandes motivos. O primeiro dá-se ante o fato desta ser a primeira obra científica de Hegel, e segundo por ser esta tradução a primeira de Hegel ao português que conterá também o original para o confronto com a tradução. Neste texto, tive o prazer de poder auxiliá-lo na pesquisa lexicográfica e terminológica, assim como cotejando sua tradução do latim com as edições, inglesa, francesa, italiana e a excelente tradução para o alemão de Wolfgang Neuser. Padre Paulo ainda trabalhava na tradução do livro Jenaer Systementwurfe – Das System der Spekulativen Philosophie (Fragmente aus Vorlesungsmanuskripten zur Philosophie der Natur und des Geistes.), dos qual ele publicou dois fragmentos, estando os demais prontos, mas necessitando sofrer extensa revisão.

IHU On-Line – Qual é a importância da leitura de Santo Agostinho e dos “mestres da suspeita” (Nietzsche , Marx  e Freud ) na formação de seu pensamento filosófico?

Danilo Vaz-Curado – Padre Paulo Meneses era um intelectual enciclopédico, na melhor tradição da Companhia de Jesus, e enquanto tal aplica-se a ele in totum a lição do Angélico: timeo hominem unius libri, pelo que Agostinho coloca-se no horizonte direto de suas reflexões e preocupações pelo próprio horizonte cristão de sua formação, no qual Padre Paulo Meneses nutria também especial interesse por Tomás de Aquino, Teilhard de Chardin , Joseph Marechal , Etienne Gilson , Maurice Blondel , Lima Vaz. Nietzsche, Marx e Freud eram objeto de intenso debate e estudo por ele, sendo inclusive a leitura de Marx motivo de sua aproximação a Hegel e traço marcante na sua reflexão filosófico-social. Tais autores colocavam-se ainda no horizonte de Pe. Paulo na exata medida que em sua meditação eles representam uma fratura na reflexão filosófica que permitira e oportunizara, sobretudo o emergir de uma nova figuração do Espírito.

IHU On-Line – Além da filosofia, ele nutria um interesse sólido pela literatura clássica. Quais eram seus autores favoritos?

Danilo Vaz-Curado – Padre Paulo era um grande humanista, e lia os clássicos latinos como Horácio, Virgílio, Estácio e Juvenal  com o mesmo ímpeto e desejo que se assenhorava da literatura russa e dos clássicos ocidentais contemporâneos. Conhecia poesia não apenas como um diletante, mas como alguém que na condição de grande hermeneuta de sua época declamava em versos, pouco divulgados e conhecidos apenas em pequenos círculos, sua sensibilidade artística. Animava grupos literários de poesia, aos quais acudiam os grandes nomes das artes poéticas pernambucana, como seu grande amigo, o poeta Jomard Muniz de Brito.

IHU On-Line – Quais são suas maiores lembranças da convivência com Pe. Paulo? Em que circunstância vocês conviveram e como foram esses momentos?

Danilo Vaz-Curado – Conheci Pe. Paulo no ano de 2000, através do Grupo de Estudos Sobre Hegel que ele fundou, àquela época já com mais de 25 anos, e que era conduzido por ele junto com o professor Alfredo Moraes. A partir do ano de 2005 comecei a acompanhá-lo como uma espécie de seu auxiliar no grupo de estudos. Uma trajetória que pude testemunhar apenas neste período foi a tradução de mais de 15 livros de autores como Hegel, Paul Ricoeur, Paul Valadier, Jean-Jöel Duhot, Luis F. Ladaria, etc. Neste período, Pe. Paulo também publicou uma dezena de artigos e três livros de sua autoria, destacando-se: Hegel e a Fenomenologia do Espírito (ed. Zahar, 2003), Abordagens hegelianas (Ed. Vieira e Lent, 2006) e Universidade e diversidade (Ed. Fasa, 2001). No ano de 2010, estimulado por jovens estudantes e pelo professor Agemir Bavaresco, e apoiado pelo Pe. Pedro Rubens Ferreira de Oliveira  SJ, nos legou a tradução da Filosofia do Direito, publicada pela Unisinos/Loyola/Unicap. Dos estudos junto ao Pe. Paulo Meneses a maior lembrança que guardo é sua transmissão do ofício filosófico mediante a trina motivação, sempre por ele rememorada, de unir ação e sentimento no exercício do pensar, assim como por não dissociar da exigente atividade da pesquisa filosófica a paciente e comovida convivência comunitária. Outro aspecto que é preciso ressaltar é que Pe. Paulo aliava sua lúcida capacidade de exposição e rigor sistemático a um excessivo exercício estoico de serenidade e da prática da vida ataráxica, o que, todavia, não lhe privava do cultivo com extrema atenção da convivência fraterna com seus amigos.

IHU On-Line – Que ensinamentos perduram após sua morte? Qual é o legado de Pe. Paulo como intelectual e como pessoa?

Danilo Vaz-Curado – Padre Paulo representa um marco na introdução e no debate acerca da obra de Hegel no Brasil e nos países de língua portuguesa. Sua contribuição está ligada tanto à tradução e divulgação da filosofia, em geral, e do pensamento de Hegel, em particular, quanto à elaboração de um pensamento próprio entre nós brasileiros. Ele nos deixa como legado o incentivo a toda uma geração de novos estudiosos sobre Hegel, como Inácio Helfer, Karl-Heinz Efken, Agemir Bavaresco, José Pertille, Alfredo Moraes, Eduardo Chagas,  entre outros, os quais através de suas traduções puderam ampliar em quantidade e qualidade os estudos hegelianos entre nós. Além disso, ele, junto de Pe. Nogueira Machado, entre outros jesuítas, foram protagonistas no Nordeste ao incentivar o gosto, o estímulo e a efetivação da pesquisa no meio acadêmico, onde outrora apenas se havia a preocupação com o ensino . Como pessoa, fica o exemplo de quem dedicara toda a sua vida à missão de educar e dedicar-se à causa do outro como realização de seu si-mesmo. A doação como dom.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Danilo Vaz-Curado – Padre Paulo cultivava um hábito, hoje pouco exercitado, de escrever todas as suas homilias das missas que celebrava. Em razão desta característica de seu sacerdócio, ele possui mais de três livros de homilias, nos quais o padre, o professor e o ser humano se revelam em sua inteireza. Seus livros chamam-se Homilias de Aldeia I e II e Homilias da Unicap. As duas primeiras resultam das homilias celebradas na comunidade de Aldeia e o terceiro livro resulta das missas celebradas na Universidade Católica de Pernambuco, para a comunidade universitária. Por fim, gostaria de registrar que a Unisinos é a única biblioteca do Brasil que possui o importante livro publicado no Chile pelo Pe. Paulo Meneses, intitulado Curso de desarrollo politico (1. ed. Santiago: Ilades, 1968). Indico ainda os seguintes textos festivos em homenagem ao Pe. Paulo Gaspar de Meneses SJ:

– Razão nos trópicos: Festschrift em homenagem a Paulo Meneses no seu 80º aniversário. (Org.). Alfredo de Oliveira Moraes. Recife: FASA, 2004.

-Dialética e Metafísica: o Legado do Espírito. Festschrift em homenagem a Paulo Meneses no seu 85o aniversário. (Org.) Danilo Vaz-Curado, Paulo A. Pimentel Jr e Adriano Silveira Silva. Recife: Fundação Antônio dos Santos Abranches: 2010.

Saiba mais…

Confira alguns dos cargos acadêmicos ocupado por Pe. Paulo de Gaspar Meneses ao longo de sua vida:

– Diretor do curso de mestrado no Instituto Latinoamericano de Doctrina y Estudios Sociales (ILADES), Chile
– Diretor do Centro de Pesquisas João XXIII (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável – Ibrades), Rio de Janeiro
– Na Unicap: diretor da biblioteca, chefe do Departamento de Sociologia, decano do CTCH, pró-reitor de pesquisa, presidente da Comissão Editorial, coordenador do Núcleo de Estudos para a América Latina – NEAL e assessor especial do magnífico reitor e pesquisador de Filosofia (Hegel).

Saiba mais…

Paulo de Gaspar Meneses concedeu uma entrevista à revista IHU On-Line. Confira:
O desafio de traduzir Hegel para o português. Edição 217, de 30-04-2007, intitulada “Fenomenologia do espírito de Georg Wilhelm Friedrich Hegel”. 1807-2007, disponível em http://bit.ly/VE1Ell

Baú da IHU On-Line

Leia a edição especial da IHU On-Line sobre A fenomenologia do Espírito, de Hegel:

Fenomenologia do espírito de Georg Wilhelm Friedrich Hegel. 1807-2007. Edição 217, de 30-04-2007

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