Boletim Unicap

“Uma palavra de encerramento, muitas outras de abertura”

Confira a íntegra do discurso do Reitor, Padre Pedro Rubens, no encerramento da Semana de Teologia 2012.

“Uma palavra de encerramento, muitas outras de abertura”

São João está se aproximando e, antes das festas, eis que me toca viver uma experiência semelhante a de Zacarias: impedido de falar, recorro a uma tabuinha (hoje seria um tablet?) e, afônico, tomo emprestada a voz de um mensageiro para dar uma palavra de encerramento dessa Semana de Teologia.

Normalmente, cabe ao reitor fazer a “abertura” dos eventos e, particularmente, confesso, prefiro fazer aberturas que encerramentos. Mas, a comissão de organização propôs o cerimonial inverso, sobretudo pensando em garantir minha presença no final, e assim, poder agradecer, em nome da universidade, a Dom DemétrioValentini; tarefa que cumpro agora, com muito gosto, sem muitas palavras, contando com o aplauso de vocês.

De toda sorte, acabei participando todas as noites e escutei os melhores ecos dos minicursos e das muitas comunicações, da tarde, além dos elogios à organização e aos momentos culturais. Por isso, expresso todo o meu contentamento e agradecimento, enquanto cristão, presbítero, professor e reitor. Permitam-me, portanto, não fazer o “encerramento” solicitado: que essas minhas palavras sejam de “abertura”, isto é, que a partir desse encontro, inauguremos, na Unicap, um ciclo de estudos e aprofundamento do Concílio Vaticano II.

Creio interpretar, de forma metafórica, o que tivemos a ocasião de viver nessa Semana de Teologia da Unicap, dizendo: fizemos a experiência de “entrar em concílio” e deixar que o espírito do Vaticano II entre em nós. Nesse passo, proponho, pois, que revivamos nos próximos anos todo o período conciliar, do início ao fim, retomando o caminho da recepção. Afinal, esse trabalho de recepção ainda está em curso e há muito para aprender, mais ainda para realizar, sobretudo pensando nas novas gerações, muitos jovens que não viveram o impacto daquele novo Pentecostes na Igreja. Ousemos, portanto, fazer um mutirão e revisitar os textos conciliares e as atas, guiados pelas análises de contextos e estudos sociohistóricos, entrando em cena e deixando-nos impregnar pela graça que dinamizou esse grande acontecimento de renovação da Igreja.

Certamente, outras formas de retomar o concílio poderão ser propostas, em outros lugares; mas aqui na universidade não podemos descuidar de um trabalho sistemático e metodológico, assumindo o caminho acadêmico que nos é próprio e permitirá, dentro de seus limites próprios, um acesso mais seguro ao evento, aos documentos e aos movimentos de recepção. Percebemos, ao longo dessa semana, alguns pontos de vista importantes na abordagem do Vaticano II:

– Oscar Beozzo, com um método mais pedagógico e “simpático” (sentido etimológico do termo), tentou nos chamar a atenção para a importância do instrumental histórico, indispensável na interpretação dos textos, revelando o dito e o não dito, ressaltando a relação entre memória, documentação e recepção do concílio; em suma, mostrou que a perspectiva pastoral tem muito a ganhar com uma boa pesquisa histórica;

– Ione Buyst, por sua vez, recorreu a um método mais “mistagógico” e sapiencial, destacando não o tempo histórico (como Beozzo), mas o kairós, tempo privilegiado na liturgia; partindo do documento da Sacrossanctum Concilium, fez-nos perceber a riqueza de uma renovação litúrgica para a vida de fé (espiritualidade) tão urgente quão pouco trabalhada.

– Dom Demétrio Valentini, encerrando a Semana, partiu de um ponto de vista eclesiológico, não somente expresso no tema proposto, mas no lugar específico do qual falou (magistério). A partir de sua experiência e reflexão, Dom Demétrio não apenas entrou no concílio, mas permaneceu em seu espírito (familiaridade com documentos e vivências) e assim nos convidou a “participar” do movimento que ainda tem muito a revelar e a aprofundar. Destacou, por um lado, a centralidade do tema da Igreja e a perspectiva pastoral do Vaticano II; por outro, ressaltou a visão ecumênica e o método participativo, do início ao fim.

Percebemos, nessas conferencias, sobretudo, três portas para entrar no concílio, com métodos e linguagens diferentes; quantas outras serão possíveis para fazermos um estudo sério, rigoroso e amplo do Vaticano II em uma universidade! Sobretudo se consideramos, como se deve, que a missão específica de uma universidade católica é a busca sincera da verdade, usando métodos acadêmicos e articulando os diversos saberes em diálogo. E a “catolicidade” de uma universidade reforça essa missão: nascida do coração da Igreja (Ex Corde Ecclesiae, carta magna das universidades católicas), a universitas católica pulsa no coração do mundo, criação de Deus e responsabilidade humana.

Enfim, concluo essas palavras, ressaltando alguns “sinais dos tempos” que essa Semana evidencia, de forma muito patente:

1. É, para nós, um belo sinal dos tempos que, na comemoração dos 50 anos de Vaticano II, os estudos de Teologia (assim como os de Filosofia) da formação dos presbíteros, religiosos e leigos, homens e mulheres, estejam sendo realizados “dentro” de uma universidade, juntamente com estudantes e professores de outras áreas do conhecimento. Não posso deixar de expressar a minha profunda gratidão, como reitor, à confiança e convicção dos nossos bispos parceiros que, depois da visita ad limita de 2010, buscaram a Unicap para fazer essa parceria. Sabemos que Bento XVI é um papa universitário, proveniente de uma cultura em que teologia se faz nas universidades e que não teme participar dos grandes debates contemporâneos. Estamos muito felizes em realizar esse serviço eclesial; mas ainda temos, na Igreja, muito a reaprender do jeito universitário de ser, especificamente no contexto do Brasil, jovem democracia social e laica, porém bem diferente da realidade europeia. A universidade nasceu no seio do cristianismo ocidental, mas, por razões históricas complexas, houve certa ruptura entre mundo acadêmico e formação seminarística. O prejuízo foi grande tanto para as universidades quanto para o cristianismo. No Brasil, temos uma história e um jeito diferente de ser; ainda há possibilidades de abertura para realizar um diálogo fecundo com a sociedade. Eis uma lição sinalizada pelo próprio concílio que celebramos: Vaticano II foi um exercício ecumênico, participativo, aberto ao diálogo com as diferenças na Igreja, nas sociedades, nas religiões, nas ciências. Obrigado, de coração, aos nossos bispos parceiros, aos professores e estudantes que fazem dessa experiência um novo sinal dos tempos para a Igreja!

2. Outro sinal digno de fé, sobretudo no contexto laico e cientificista do Brasil, foi apoio financeiro conseguido em uma instituição do Estado laico a uma Semana de Teologia, revelando a abertura das instituições de pesquisa científica em relação à teologia e às nossas instituições. Não se trata de política de privilégios, mas de reconhecimento acadêmico da teologia e da competência de nossos pesquisadores que elaboraram o projeto, a quem aproveito para agradecer. Por sua vez, esse apoio dado, reforça que o que foi tratado aqui é tema de estudo, de pesquisa e de reflexão; não se trata de um simples debate de opiniões, mas, não são afirmações absolutas. Nesse contexto, temos muito a aprender, inclusive com o concílio que refutou os esquemas prontos, procurou métodos de debates e renunciou à tradição dos anátemas para dialogar. Uma universidade sem debate e sem abertura ao diálogo não teria razão de ser. Nossa identidade e missão, enfim, nossa “catolicidade”, será mais significativa na medida em que formos reconhecidos como verdadeira universidade, apta ao estudo sério e à busca da verdade.

3. O terceiro sinal dos tempos que destaco nesta Semana de Teologia é a presença de todos vocês aqui, nessa bela diversidade da Igreja e da universidade: professores de vários saberes e instituições, estudantes de tantos cursos e vindos de tantos lugares do Nordeste; religiosos e religiosas, presbíteros e leigos, vindos de tantos lugares e comunidades. Essa diversidade eclesial e humana dentro de uma universidade é um kairós, transformando-se em um grande estímulo a continuarmos o trabalho da recepção desse concílio, tão importante para todos nós, tenhamos consciência disso ou não. Foi o próprio concílio que nos convocou aqui, despertou questões e dinamizou nossa esperança. Por isso, não podemos concluir esse movimento aqui: “Não ardia os nossos corações enquanto falávamos dessas coisas pelo caminho, segundo métodos de abordagens tão diversos?” Resgatemos, pois,o espírito do Vaticano II, valorizando os pioneirismos da Igreja do Brasil nos anos pós-conciliares e, reinterpretando para os dias de hoje, de forma profunda e responsável, as grandes intuições do concílio, do qual somos filhos e herdeiros. Nossa contribuição, porém, na Unicap, terá que ser a partir do que somos: universidade.

Com essas palavras, encerro a Semana de Teologia 2012 e declaro aberto um“tempo favorável” de aprofundamento e recepção do Concílio Vaticano II, na Universidade Católica de Pernambuco! Sejamos criativos na proposição de grupos de estudos, seminários, conferencias e outras maneiras de entrar no mundo do concílio. Bem-vindos!
Muito obrigado!

Prof. Dr. Pe. Pedro Rubens
Reitor da Unicap
Recife, 11 de maio de 2012

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