Violência contra a mulher e preconceito racial são tema de seminário sobre discurso religioso

A cultura do patriarcado e a invisibilização do negro foram alguns pontos discutidos durante o III Seminário de Discurso Religioso e Violência Contra a Mulher, realizado na noite desta sexta-feira (22), no auditório Dom Helder Camara. O evento foi promovido pelo coletivo Vozes Marias em parceria com a Diaconia e com o apoio do Instituto Humanitas Unicap, do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Católica (Neabi) e da Primeira Igreja Batista em Bultrins (Olinda). A programação começou com uma apresentação surpresa do grupo de teatro N.A.V.A, que fez uma vivência dramática com o público presente.

O Vozes Maria é um coletivo de mulheres acadêmicas evangélicas de várias denominações que promove discussão de gênero nos espaços religiosos. “O que a gente vê no cotidiano das mulheres de igreja é que muitas vezes elas não ocupam espaços de protagonistas. Quando existe essa luta, essa tensão, somos vistas como rebeldes que desobedecem a ordem”, pontuou coordenadora de Mobilização e Campanha da instituição Bárbara Aguiar.

A luta por espaço no protagonismo evangélico também faz parte da experiência de vida de outra palestrante da noite. Anna Carolina Pessoa é pastora na Igreja Batista do bairro de Coqueiral. De acordo com ela, o discurso religioso tradicional dominante é excludente porque silencia as vozes da mulher, do negro e do índio. “A igreja se constitui como lugar marcadamente masculino porque reserva o protagonismo aos homens quando legitima uma interpretação dizendo que ela é bíblica, afirmando que uma mulher não pode exercer o pastorado mas pode trabalhar na cantina, com os ministérios de crianças. O lugar da mulher continua sendo nos espaços coadjuvantes sempre submissa ao marido”.

A violência contra a mulher nos ambientes religiosos foi o tema abordado pela coordenadora do Neabi da Unicap, Profª Drª Valdenice José Raimundo. “Esse espaço contribui, de certa forma, para a reprodução da violência uma vez que, por trás desse discurso religioso de viés paternalista, reforça esse lugar subalterno da mulher na relação. Hierarquizar essas relações já é uma forma de violência”, analisou Valdenice que integrou a mesa de abertura juntamente com Bárbara e a assessora política-pedagógica da Diaconia Camila Rago.

Essa violência nem sempre física mas simbólica fez parte das reflexões de uma das palestrantes da segunda mesa Gicélia Cruz. “Os púlpitos são administrados em sua maioria por homens e eles legitimam a violência contra a mulher a partir da leitura bíblica. Por exemplo, a mulher precisa pagar ao marido quando se fala da perspectiva da relação sexual, ainda que essa mulher não queira manter relações é bíblico que ela mantenha mesmo sem ter vontade e isso, dentro dos estudos que nós fazemos, é tratado como estupro. Então, esse estupro pode ser incentivado a partir do púlpito”, disse Gicélia que é coordenadora executiva da instituição Cuxi e também coordenadora de projetos especiais da Secretaria Municipal de Educação de Salvador.

Ela também chamou a atenção para a estrutura patriarcal do judaísmo, islamismo e cristianismo. “Todas têm Abraão como referência e seus púlpitos são administrado por homens, então o que é que esse homem vai fazer, num país machista e racista como o nosso? Ele vai pegar a bíblia e vai usar como alicerce nas suas pregações. Você vai casar e pensa que vai ser fácil? Você vai lavar as cuecas de seu marido! Ouvi essa frase há um mês. Isso é uma pregação machista e sexista”, complementou Glicélia que é historiadora e teóloga.

Publicado originalmente em Últimas, no dia 22 de setembro de 2017, por  Daniel França

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