Urge radicalizar a Reforma!

Como sabemos, as grandes afirmações da Reforma Protestante nada mais eram que verdades católicas esquecidas ou postas à margem. O problema foi o clima de aguda c­­­­­­­­­rise da época, crise que já vinha, como maré crescente, desde o século XII, com o movimento dos pobres, movimento popular exigindo transformações profundas da sociedade feudal.

Sabemos que a Reforma Protestante não caiu do céu. Foi um processo complexo e doloroso. Antes e depois do século XV. Por isso chamo as Reformas. No ano 1517, precisamente no dia 31 de outubro, Lutero faz um gesto. Fixou as chamadas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg. Esse marco é um referencial para o mundo protestante.

O protestantismo foi e é, com certeza, um tema complexo que exige uma visão aberta e humilde para compreender o fenômeno. Segundo o teólogo José Comblin, o embate entre católicos e protestantes desprestigiou o cristianismo aos olhos de muitas pessoas sábias. Para defender os conteúdos objetivos da fé houve um combate de mais de 400 anos. Para os protestantes, o objetivo da fé era a Bíblia e, para os católicos, o magistério da Igreja. A fé foi bastante condicionada pela luta de pontos de vista: para os católicos o critério da fé era a luta contra os protestantes, e para os protestantes o critério da fé era a luta contra o “papismo”. As disputas teológicas da Reforma inflamaram tanto os católicos e protestantes que eles mataram uns aos outros em guerras sem sentido.

É animador o ocorrido entre o Vaticano e a Federação Luterana Mundial que pediram perdão pela violência e se comprometeram a seguir atuando para sanar suas diferenças, em um comunicado conjunto por decorrência da celebração dos 500 anos da Reforma Protestante. Assim diz o comunicado: “Pedimos perdão por nossos fracassos, as formas com quem os cristãos feriram o Corpo do Senhor e se ofenderam uns aos outros durante os 500 anos transcorridos desde o início da Reforma até hoje”.

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É preciso radicalizar o amor entre os cristãos. Essa é a única saída decente para o futuro do cristianismo. É preciso não esquecer o que o Mestre Jesus de Nazaré propôs: “Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (Jo 13, 34-35).

A palavra protestante vem do verbo protestar. No dicionário encontramos seu significado: levantar-se contra alguma coisa; insurgir-se, reclamar. Por isso, não basta só celebra os 500 anos da Reforma. É preciso atualizar o protesto.

Hoje, o que significa lutar contra um sistema que ameaça a vida das pessoas, sobretudo das mais frágeis e empobrecidas?  Deve-se continuar trabalhando na atualização dos referenciais revolucionários, libertários e solidários da Reforma para o nosso tempo. Do contrário é um saudosismo do passado sem sentido. É preciso inventividade. As igrejas caíram na rotina de repetir as antigas respostas, preservando assim sua herança, ao invés de recriá-la.

O lugar do cristão é no meio deste mundo com todas as contradições. Os cristãos são chamados a fazer parte dos movimentos de libertação dos oprimidos e injustiçados, sendo portadores de esperança. Nesse sentido os cristãos, protestantes e católicos, são chamados a ser o sal dos movimentos dos pobres e a luz que lhes mostra o caminho.

A historiografia da Reforma deve um resgate às mulheres reformadoras. Já se sabe que sem as mulheres a Reforma não teria acontecido. As mulheres tiveram um papel fundamental antes, durante e depois da Reforma.

A última palavra é do poeta. Um amigo pastor e teólogo luterano, Roberto Zwetsch, nos brinda com o Salmo de um protestante:

Pai Nosso,
somos filhos e filhas da Reforma
mas andamos desgarrados, ausentes,
descompromissados, desiludidos até.
Onde ficou o espírito protestante do movimento?
Perdeu-se na mesmice do tempo
ou se ocultou preventivamente?
Que evangelho é este que anunciamos?
Consolo barato ou desafio permanente?
Protesta contra nós, Senhor da Vida,
quem sabe alguém te escute,
e o espírito primeiro desate
o nó que asfixia a minha veia.
Perdão, Senhor,
pela a arrogância dos iluminados,
pela a certeza dos piedosos,
pela a leviandade dos despreocupados,
pela ciosa cautela dos fartos.
Ajuda-nos a buscar o Evangelho
da graça e da vida solidária.
Isso não é pouca coisa.
E ajuda-nos a viver com os olhos postos
no horizonte do Reino da justiça
e do amor.
Tem piedade de nós, Senhor!
(ZWETSCH, R. Flor de maio. São Bernardo do Campo: Nhanduti, 2014, p. 185s.)

 

Artur Peregrino

Doutorando em Ciências da Religião pela UNICAP e Mestre em Antropologia pela UFPE; Licenciado em Filosofia pela UNICAP; Bacharelado em Filosofia pela UNICAP e Bacharelado em Teologia pelo Instituto de Teologia do Recife – ITER; Especialista (SENAC) e docente (UNICAP) em EaD; prof. do Curso de Teologia na UNICAP e integrante do Instituto Humanitas – IHU UNICAP; prof. Extensionista; pesquisador do Grupo de pesquisa UNICAP/CNPq Religiões, identidades e diálogos, na linha de pesquisa Diálogos inter-religiosos; membro do Grupo de Peregrinas e Peregrinos do Nordeste – GPPN. Email: arturperegrino@gmail.com

 

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