Peregrinação é como feijoada, a gente só percebe a gostosura depois de alguns dias

CARTA DE SANTA FÉ

DE MARGARIDA ALVES A IBIAPINA E COMBLIN

“É melhor morrer na luta que morrer de fome”.

(Margarida Maria Alves – Mártir da classe trabalhadora do campo: 1933 – 1983)

GPPN*

 

Aconteceu, no Estado da Paraíba, uma Peregrinação que foi de 01 a 08 de julho de 2017. O percurso compreendeu a passagem por várias cidades paraibanas. A saída foi de Alagoa Grande com destino a Santa Fé do Ibiapina.

A Peregrinação teve o objetivo de trazer à memória histórica algumas figuras que estão consagradas na galeria libertária do povo pobre nordestino. Recordamos com muito carinho Margarida Maria Alves, líder sindical assassinada pelos poderosos da Paraíba; o Padre Mestre Ibiapina, grande missionário das Casas de Caridade no Nordeste; Padre José Comblin, patriarca da Teologia da Libertação. Cada um, a seu modo, foi testemunha viva no seguimento de Jesus de Nazaré que se fez pobre com os pobres. Vejamos cada um no seu tempo e espaço:

Margarida Alves (1933 – 1983) representa o símbolo de todos que lutam pelo direito ao trabalho com justiça social. Durante o período em que esteve à frente do sindicato local de sua cidade, foi responsável por mais de cem ações trabalhistas na Justiça do Trabalho Regional, tendo sido a primeira mulher a lutar pelos direitos trabalhistas no estado da Paraíba durante a ditadura militar. Margarida Maria Alves traz a memória de todos os mártires do povo trabalhador.

Padre Mestre Ibiapina (1806 a 1883) viveu em uma época onde os pobres eram abandonados à própria sorte. Foi um grande incentivador dos mutirões para fazer açudes, roças e melhoria para a população pobre do Nordeste. Há quem diga que Antônio Conselheiro e Padre Cícero foram influenciados pelo estilo de vida do padre Ibiapina e que de alguma forma adotaram seu modo de pregar e agir.

Padre José Comblin (1923 – 2011) foi um grande teólogo da libertação. Teve mais de setenta obras publicadas e traduzidas em vários idiomas. Padre Comblin ou padre Zé, para os mais próximos, viveu profundamente o amor solidário aos pobres. Foi criativo no seu método de missionário educador. Criou o Seminário Rural de Serra Redonda – PB. Oportunizou os filhos de camponeses estudarem uma teologia denominada “Teologia da Enxada”. Foi um dos teólogos mais respeitados da Teologia da Libertação. Pediu para ser sepultado ao lado do túmulo do padre Ibiapina. Assim se realizou.                  

A caminhada aconteceu com destino ao Santuário de Santa Fé – Município de Solânea – PB.  As cidades e comunidades que foram percorridas foram: Alagoa Grande, Quilombo Caiana dos Crioulos, Areia, Pilões, Borborema, Cruzeiro de Roma, Bananeiras e Solânea (Santa Fé).

Essa Peregrinação foi realizada pelo Grupo de Peregrinas e Peregrinos do Nordeste (GPPN) com a participação e apoio do Instituto Humanitas – UNICAP. Esta iniciativa se insere no mundo carregando a consciência que uma espiritualidade madura pressupõe assumir o mundo. Essa experiência existe há 30 anos ininterruptos. O grupo é composto por mulheres e homens de vários Estados do Nordeste. É uma experiência ecumênica com pessoas de várias tradições espirituais.

O Grupo tem como carisma caminhar segundo o chamado de Jesus de Nazaré: E enviou-os a pregar o Reino de Deus, e a curar os enfermos. E disse-lhes: Nada leveis convosco para o caminho, nem bastão, nem sacola, nem pão, nem dinheiro; nem tenhais duas túnicas (Lucas 9:2-3). Deste modo, andam sempre a pé, não utilizam e nem recebem dinheiro e não carregam comida. Toda sua manutenção, durante o período da peregrinação, resulta da partilha que as comunidades fazem. Alimentam-se do que lhes é ofertado, partilhando com a comunidade. Suscitam, assim, a comunhão e a confiança nos lugares por onde passam.

Nós estivemos muito atentas aos sinais durante todo caminho. Procuramos anunciar, denunciar e celebrar as evidências da realidade.  Pudemos, como Maria de Nazaré, guardar tudo que íamos vivendo. Algumas situações e falas foram marcantes:

– Na casa de Margarida Alves a peregrina Sílvia Souza disse em oração: “o sangue derramado de Margarida nos irmana no mesmo caminho de testemunho. Cada um de nós somos Margarida”;

– O martírio de Margarida não é mais recordado e celebrado na cidade. As igrejas cristãs de Alagoa Grande padecem de uma profunda cegueira espiritual (a prefeitura mantém a casa de Margarida como museu);

– Descobrimos que o beato José Lourenço do Caldeirão-CE é filho do município de Pilões-PB. Na celebração recordamos a memória do beato Zé Lourenço que precisa de um monumento na cidade;

– O Quilombo da Caiana foi um lugar de profunda mística onde tivemos reunião, dança e celebração. A tradição fala muito forte e faz o religamento de todos com a religião;

– Durante as visitas nos impressionou a resistência e o sofrimento das mulheres vivendo em uma cultura machista;

– A estadia que tivemos em Santa Fé nos ajudou a rezar / orar todo caminho percorrido. Os momentos de silêncio e reflexão em torno do Padre Mestre Ibiapina e do Padre Comblin nos inspiraram profundamente.

FeijoadaO peregrino, João Paulo, fez uma comparação entre a feijoada e a peregrinação: “a feijoada a gente só percebe a gostosura depois de alguns dias. Como é uma mistura de cada coisa só vai pegar gosto depois. A peregrinação é a mesma coisa”.

Gratidão a todas as pessoas e comunidades que nos acolheram amorosamente. Sigamos os passos de Margarida, Ibiapina e Comblin abrindo outros caminhos possíveis e digamos com o poeta: “faz escuro, mas eu canto”.

*GRUPO DE PEREGRINAS E PEREGRINOS DO NORDESTE

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