Se alguém for mãe ou pai e viver alguma situação menos pacificada na relação com seu filho ou filha, se prepare bem antes de ir ver o novo filme do Pedro Almodóvar: Julieta. Quem acompanha a filmografia desse cineasta, certamente vai continuar achando que suas obras primas são “Tudo sobre minha mãe”, “Fale com ela” e “Volver”. Mesmo os grandes mestres não têm obrigação de cada vez que fazem um filme realizar uma obra-prima… No entanto, sem dúvida, Julieta é uma lição de Cinema feito com amor e com imensa competência. Tanto esteticamente quanto na sua forma de narrar a história…
Como em todos os filmes de Almodóvar, o filme se centra em uma alma feminina. A Julieta do título, vivida de forma total por duas grandes atrizes, a jovem Emma Suarez e principalmente Adriana Ugarte, é uma mulher misteriosa que só pouco a pouco vai revelando sua verdade interior e seu sofrimento em uma carta à filha que sumiu de sua vida e optou por desaparecer.
A exuberância de cores da Julieta jovem e a sobriedade que começa a marcar a Julieta de meia idade revela o despojamento e a realidade de dor afetiva de uma mãe que vê sua filha partir sem lhe dizer nada… O romance de Alice Munro que serve de base para o filme não é o bastante para a imensa sensibilidade do diretor que mexe conosco e nos interpela a respeito dos sentimentos mais profundos do amor que habita em nós, para não dizer o amor que nós nutrimos (é o amor que nos nutre).
Pessoalmente, sofro ao ver que “a espiritualidade” muitas vezes serve de pretexto para problemas que são psicológicos e interiores e que nada têm em si a ver com a busca da intimidade com o Divino em nós, nos outros e na natureza… E é claro quem é vítima desse tipo de ruptura tenderia a culpar a espiritualidade por lhe roubar as pessoas às quais mais se ama….
O filme me lembrou um poema de Ernesto Cardenal que eu traduzi mais ou menos assim:
“Quando tu me perdeste, eu e tu perdemos.
Eu perdi a ti, a pessoa que eu mais amava,
e tu perdeste a mim que era quem te amava mais.
No entanto, de nós dois, tu perdeste mais do que eu,
porque eu sempre poderei amar com o amor com que te amei
e tu nunca encontrarás alguém que te ame tanto quanto eu”.
Marcelo Barros
Texto publicado oficialmente no seu Blog, Encontro com Marcelo Barros. Marcelo é monge beneditino, biblista de formação e coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT). É assessor nacional das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares.
Adorei.