Homem da Meia Noite subiu o Morro da Conceição

Homem da Meia Noite encontra Nossa Senhora da Conceição pela primeira vez Foto: Filipe Jordão/JC Imagem

Homem da Meia Noite sobe o Morro da Conceição

A propósito da reportagem exibida pelo NE10, no dia 02 de fevereiro (veja no link acima), pouca gente se deu conta da novidade carnavalesco-espiritual deste ano, com a visita sincrética do Homem da Meia Noite (boneco/calunga [figura mística do maracatu/xangô] do bloco de alegoria e crítica que completa 87 anos abrindo o carnaval de Olinda) ao Morro de Nossa Senhora da Conceição (onde acontece a maior festa da religiosidade popular do Recife)…

Criado em 2 de fevereiro de 1931, o Homem da Meia Noite é Patrimônio Vivo de Pernambuco desde 2006. É um dos bonecos de Olinda mais antigos. Foi criado por Benedito Barbaça, marceneiro e entalhador e pelo pintor de paredes Luciano Anacleto de Queiroz. Conta-se que Luciano, um apaixonado pela sétima arte, foi ao cinema assistir o filme “O ladrão da meia-noite”, que conta a história de um ladrão de classe, que saía de um relógio sempre à meia-noite, cada dia de um lugar diferente, causando pânico na cidade. Impressionado com o personagem do filme, Anacleto resolveu homenageá-lo ao criar Homem da Meia Noite. Tem um sorriso com um dente de ouro, traje um terno verde ou um terno branco e uma cartola branca. Carrega no braço um relógio que sempre marca o horário da meia-noite. Pesa quase 50 quilos, com 3,50 m de altura.

O Homem da Meia-Noite é uma espécie de calunga, um personagem místico do candomblé, presente no maracatu nação ou de baque virado. Conheça mais…   Conheça também sua Página oficial no Facebook

A Santa e seu contexto

As homenagens à Virgem da Conceição do Morro, em Casa Amarela, Recife, iniciam-se normalmente no dia 29 de novembro, com o hasteamento da bandeira, e vão até o dia da santa, 8 de dezembro. A centenária Festa do Morro atrai mais gente que a da padroeira da cidade e, junto às homenagens que a Igreja Católica faz a Nossa Senhora, e mesmo que invisibilizadas pelo mundo oficial, existem também as visitas das religiões afro-brasileiras, que a veneram como sendo Iemanjá, sedutora Mãe das Águas e da fecundidade. A partir de 2016, os organizadores pedem aos pagadores de promessa que, em vez de subir o Morro descalços, para acender velas, levem cestas de alimentos para serem doadas a famílias pobres que sofrem com a seca no Sertão de Pernambuco.

O Morro e sua mística

O Morro foi povoado por gente humilde e desabrigada das regiões ribeirinhas da cidade do Recife. A Festa no Morro teve origem a partir da comemoração do cinquentenário do dogma da Imaculada Conceição, em 1904. Nessa época, o bispo católico mandou construir ali uma capela em estilo gótico (hoje modernizada) e nela colocou a imagem da Virgem da Conceição: Maria vestida de branco, envolvida em um manto azul, de pé sobre o globo terrestre, com as mãos unidas em oração, esmagando com os pés uma serpente, símbolo do pecado original.

Já a iconografia de Iemanjá, que se mistura às réplicas da santa do Morro nos tabuleiros dos vendedores de imagens, lembra a orixá (personificação das forças da natureza, ligada às águas) que veio da cultura nagô-iorubá, da África, para o Xangô dos Terreiros do Recife. Recebeu uma mão de tinta branca e um vestido azul para se parecer com a santa católica e sobreviver à perseguição contra os negros e as suas crenças, e continuar a distribuir seu “axé” telúrico e sensual. Na noite do dia 7 muitas caravanas vão dar voltas em torno da santa do Morro, com as “panelas” de oferendas que serão deixadas para Iemanjá, com toques de tambores e banhos de purificação, nas praias de Rio Doce em Olinda, Piedade em Jaboatão e 2º Jardim de Boa Viagem no Recife.

A simbologia do encontro do Homem da Meia Noite com Nossa Senhora da Conceição, no Morro, está para além do simples sincretismo, bem como para além da tecitura do diálogo entre religiões de matrizes africanas com o catolicismo…. Assim, o gigante e duradouro calunga que, com sua mística, leva alegria  ao cotidiano das ladeiras de Olinda, faz como o povo simples, rende-se ao ritual (subir o morro) e a nostalgia maternal da nossa gente migrante  (e sem pais) é atendido pelo arquétipo da Mãe terrestre de Jesus – que por vezes lembra e manifesta sua outra face, vinda das águas profundas e arcaicas, de Mulher poderosa e arrebatadora. Amém! Axé!

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