“O pão da eucaristia representa o que vocês são: o corpo de Cristo, ou seja, a sua presença transformadora para o mundo. Então, se vocês tiverem recebido bem o alimento que é o próprio Cristo que se doa a nós, vocês se tornarão isso que vocês receberam. Vocês são o que vocês receberam” (Santo Agostinho, bispo de Hipona, século IV).
“A luta pela justiça é a única maneira de dizer que nossa oração não é hipócrita”. Essa frase dita pelo padre Pedro Arrupe, SJ – 28º Superior da Companhia de Jesus – 1965 – 1983, veio-me à mente quando dentro de uma semana participei de dois grandes acontecimentos: a celebração de abertura do XVIII Congresso Eucarístico Nacional no Recife, no Santuário de Nossa Senhora de Fátima e do 25º Grito dos Excluídos na praça do Derb, no centro do Recife. Igreja e praça, símbolo de uma “Igreja em saída”.
Nos dois momentos, encontrei o arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando, e seu auxiliar dom Limacedo. A presença dos dois no altar e na ágora (praça) revelam a sintonia com a Igreja do Papa Francisco. Eucaristia e luta pela justiça: duas faces de uma mesma moeda. Vejo, na atitude dos dois bispos, o sentido mais profundo da dimensão eucarística: adorar o corpo de Cristo e viver a radicalidade do amor que se expressa em uma vida de luta pela justiça para que o pão seja partilhado para todos.
Dom Fernando, comentando o Congresso, foi taxativo: “O desafio é fazer com que o tema do Congresso não fique restrito na formulação simpática, mas se traduza realmente em solidariedade e ajude a retomar a Eucaristia como fonte e estímulo à verdadeira partilha do pão, como a chamava o livro dos Atos dos Apóstolos”. No Grito dos Excluídos, o arcebispo e seu auxiliar denunciaram, de forma veemente, a atitude do Incra, aparentemente respaldada pela justiça federal, no intuito de desalojar o Centro de Formação Paulo Freire, do Assentamento Normandia, em Caruaru, ato que reflete tão somente o propósito de prejudicar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e impedir que ali se desenvolvam atividades de formação que contribuem para uma sociedade mais livre, justa e solidária.
Os bispos da arquidiocese de Olinda e Recife deram uma aula magistral de teologia eucarística. Chamam-nos atenção e dizem que na Eucaristia e nos pobres contemplamos o rosto de Jesus. A Eucaristia e os pobres foram sempre os dois tesouros da Igreja. Ele veio para trazer vida plena ao mundo, saciar de fome o faminto. Por esse fato, não se pode duvidar da dimensão social do sacramento do altar, e quem comunga do Corpo do Senhor não pode ser insensível à fome humana. A propósito, há exatos 15 anos, o papa João Paulo II escrevia: “A eucaristia não é somente expressão de comunhão na vida da Igreja. É também projeto de solidariedade da comunidade cristã com toda a humanidade. Na celebração eucarística, a Igreja renova continuamente a sua consciência de ser “sinal e instrumento” não somente da íntima união com Deus, mas também da unidade de todo o gênero humano” (Carta apostólica Mane Nobiscum, Domine, 17).
Na Eucaristia, adquirimos forças para lutar contra as estruturas sociais de pecado e para defender a dignidade dos filhos e filhas de Deus.
O significado social do lava-pés está demonstrado na imagem real que trazemos presente neste texto. Esse é o testemunho para os quais os cristãos são chamados a viver na sociedade atual, assumindo uma “cultura eucarística” que expressa a defesa da vida, a comunhão, a solidariedade, a defesa da criação.
O Congresso Eucarístico, que tem como tema “Pão em todas as mesas”, opõe-se aos sinais de antieucaristia da sociedade globalizada do nosso tempo. Diminuir e acabar com a fome é uma tarefa e obrigação eucarística. Jesus vincula a Eucaristia ao problema da fome. O texto bíblico Mc 6,37 é claro: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.
Sonhei com dom Helder Camara, pregando na abertura do XVIII Congresso Eucarístico Nacional. Ele articulava os braços em gestos largos e dizia: “Mantenham juntas a Eucaristia e a Justiça Social”.
Agradecimento especial a dom Fernando e a dom Limacedo pelo testemunho de uma Igreja eucarística profeta.
Artur Peregrino
Professor do Curso de Teologia da UNICAP e integrante do Instituto Humanitas. artur.peregrino@unicap.br