O plenário do Superior Tribunal Federal (STF) decidiu que a Lei de Anistia incluiu, no seu artigo 1°, os acusados da prática de crimes comuns, cuja motivação tenha sido política, ocorridos no período de 2/9/1961 a 15/8/1979. O tema foi levado à Corte pela OAB em 2008 e teve como relator o ministro Eros Grau, ele próprio vítima de torturadores na ditadura militar.
O ministro, porém, foi contrário à revisão da lei, sendo acompanhado por mais seis colegas de toga, restando vencida a divergência aberta pelo ministro Carlos Ayres Britto e endossada pelo ministro Ricardo Lewandovski (ADF nr. 153).
Prevaleceu a ótica de que, segundo a ministra Cármen Lúcia, não havia “como julgar o passado com os olhos de hoje”, vencido o raciocínio de que “(…) quem redigiu essa lei não teve a coragem (…) de assumir essa propalada intenção de anistiar torturadores, estupradores, assassinos frios de prisioneiros já rendidos, pessoas que jogavam de um avião em pleno voo as suas vítimas”, nas palavras do ministro Ayres Britto.
A Lei de Anistia, cumpre recordar, surgiu de um grande acordo entre vários segmentos sociais em momento de transição política, costurado, entre outros, pela OAB, que aprovara parecer do então conselheiro federal e, mais tarde, ministro do STF, Sepúlveda Pertence, na direção de que, apesar da hediondez da tortura, o texto da Lei de Anistia representava o que era possível na época para a pacificação do povo.
Nestes termos, rever a lei no presente momento seria retroagi-la para prejudicar os réus, os alegados torturadores, certo que o STF pacificou que não cabe a revisão criminal cuja pretensão tenha por suporte mudança de interpretação legal.
Não se ignora, outrossim, que a vigente Carta Magna (Constituição Cidadã) preveja a tortura como imprescritível e insuscetível de indulto, graça ou anistia, mas aplicá-la na hipótese não tem cabimento, seja diante do princípio da irretroatividade maléfica da lei, seja do brocardo tempus regit actum, isto é, o tempo rege o ato.
A anistia, porém, não compreende – e é fundamental ter isso em vista – manter obscuros os arquivos da ditadura, por homenagem ao direito fundamental à verdade.
Peço venia à direção nacional do meu órgão de classe, baluarte de tantos momentos marcantes da vida nacional, mas não posso concordar que o STF, neste julgamento, “perdeu o bonde da história”. A Corte, verdadeiramente, fez o que dela se esperava: julgou o processo com base no direito, na razoabilidade, e não na emoção.
Fábio Comparato, ao sustentar oralmente pela OAB na sessão em tela, questionou: “É lícito e honesto que governantes e seus comandados que tenham cometido crimes de profunda violência sejam perdoados por uma lei votada por um Congresso submisso?”. A pergunta, entretanto, esbarra no brocardo dura lex, sed lex, ou seja, pode até não soar justo o escrito na norma, mas é o que está na lei, goste-se dela ou não.
E se a justiça humana não mais se apresenta, nem se prova, capaz de punir aquele que torturou, a justiça divina surge como instância ainda possível para quem crê em algo superior: que o mal causado por alguém a outrem não prescreve.
Eis o conforto que sobrevive em cada um, no instante em que o direito não mais se mostra capaz de oferecer as respostas que se imaginava ouvir.
» Gustavo Henrique de Brito Alves Freire é advogado
Fonte: Jornal do Commercio