Boletim Unicap

Secretário Geral da Fiuc analisa a renúncia de Bento XVI: “Foi uma decisão lúcida, humilde e corajosa”

 

Fotos: reprodução de TV

O Secretário Geral da Federação Internacional das Universidades Católicas (Fiuc), Prof. Mons. Guy-Réal Thivierge, esteve na Universidade Católica de Pernambuco no começo desta semana onde se reuniu com o presidente da instituição e Reitor da Unicap, Padre Pedro Rubens. Na pauta do encontro, o planejamento trianual da Fiuc. Durante a sua estada no Recife, ele recebeu a equipe do Boletim Unicap. Nesta entrevista especial, ele falou sobre a renúncia do Papa Bento XVI. Para Thivierge, uma decisão “lúcida, humilde e corajosa”.  

Boletim Unicap – O senhor estava em Roma quando o Papa renunciou. Qual foi a repercussão imediata desta decisão histórica?

Guy-Réal ThiviergeEu pude sentir um pouco o ambiente e tive a oportunidade de encontrar muitas pessoas da mídia, inclusive da do meu país, o Canadá. Sem dúvida, para todos foi uma imensa surpresa porque havia séculos que um papa não renunciava. Um evento histórico. Por outro lado, eu acredito que não podemos achar que se trata de um evento detonante. Pelo contrário, há muita sabedoria neste tipo de decisão. Uma decisão que revela, principalmente, personalidade do Santo Padre. Uma decisão corajosa e lúcida. Ele está muito consciente da amplitude da situação e também das energias, dos recursos que necessitam o Santo Padre para enfrentar a situação atual do mundo e da Igreja. Foi um ato de profunda humildade. Um reconhecimento de que suas forças físicas não são mais suficientes para servir às necessidades atuais da Igreja.    

B.U – A decisão foi anunciada no Dia Internacional dos Enfermos e de Nossa Senhora de Lurdes, santa ligada aos doentes. A data do anúncio foi carregada de simbolismo…

G.R.T – Há também outros elementos que deveremos levar em consideração. O Santo Padre demonstrou fé e um ato enorme de confiança em homens e mulheres que podem seguir adiante com a missão da Igreja. Isso é uma profunda confiança nas instituições da Igreja que podem enfrentar a demissão do Sumo Pontífice e seguir normalmente o caminho da evangelização, seguir em busca da paz e da justiça. Ele está nos dizendo que mantém uma fé profunda nas pessoas que vão seguir a missão do Sumo Pontífice. Para nossos dirigentes políticos, acredito que há muita matéria para refletir

B.U –Qual a contribuição que o pontificado de Bento XVI trouxe para as universidades católicas, levando em consideração que ele é um papa de perfil acadêmico?

G.R.T – O professor Ratzinger é um grande universitário. Minha geração lia os textos do jovem professor Ratiznger que ensinava na Alemanha. Ele é considerado um ‘expert’ no Concílio Vaticano II. A contribuição de Ratzinger foi enorme quando foi prefeito para a Congregação para a Doutrina da Fé e depois como papa. Creio que ele foi marcado por seu professorado. Uma de suas principais características é a sua clareza de pensamento. Ele é um homem de diálogo. Diálogo com muçulmanos, com judeus, com os movimentos dissidentes da Igreja. Ele deu toda a importância que essa situação merecia dentro da própria Igreja. Outro aspecto que considero importante é a criação do Pontifício Conselho de Cultura. Este movimento direcionado a aqueles de pouca fé ou ateus também representa diálogo com aqueles distantes da Igreja. Esse movimento foi profundamente apoiado pelo papa. Por tanto, trata-se de grandes palcos de diálogos que este homem estabeleceu. Temos que reconhecer este exemplo magnífico de diálogo.

B.U – Essa abertura para o diálogo significa, necessariamente, reconhecimento à liberdade religiosa?

G.R.T – A sua ‘expertise’ do Conselho do Vaticano II contribuiu muito para os entendimentos do conceito de liberdade religiosa. Um documento fruto de anos de discussão e que formalizou a liberdade religiosa, significando o reconhecimento de que a nossa Igreja Católica não é a única com a presença de Deus.

B.U – Do ponto de vista da evangelização, o que o senhor percebe desse pontificado?

G.R.T – Além das encíclicas escritas por ele, deve-se também considerar seus escritos sobre Jesus de Nazaré. É muito interessante porque ele nos apresenta a pessoa de Jesus. Isso forma o coração de sua herança como papa. O mais importante do ministério de um papa é apresentar Jesus à humanidade.

B.U – O senhor conhece Bento XVI pessoalmente?

G.R.T – Sim. É uma pessoa muito discreta. Um dia, encontrei-o para um café da manhã em sua casa. Toquei a campanhia e ele mesmo abriu a porta. Quando entrei, ele disse: ‘O monsenhor gostaria de um aperitivo?’ Isso me surpreendeu. Pensei: “Um aperitivo às 7h45 da manhã?”. Mas acabei respondendo que sim. Bento XVI foi lentamente para o seu piano e começou a tocar para mim uma música de Mozart. Foram cinco minutos. No final, ele olhou e disse: gosta deste tipo de aperitivo?” Depois nos sentamos e conversamos. Tivemos um excelente dia. É uma pessoa pela qual tenho um respeito e um afeto profundos.

B.U – Tendo em vista a eleição de Padre Pedro Rubens, um brasileiro para a presidência da Fiuc, quais as perspectivas da instituição?

G.R.T – Acredito que devemos repensar a Fiuc para um mundo pós-modernidade. Não estamos mais em situação de guerras, conquistas. Estamos diante de um declínio importante dos vários cristianismos que coexistem na América Latina. Como podemos pensar em enfrentar este declínio. Europa, África e Ásia são outras situações. Temos que buscar mecanismos que vão permitir a Fiuc atravessar essas novas etapas da vida, do mundo e da Igreja. Nossa preocupação não é o presente da Fiuc e sim o seu futuro. Por isso, vamos estabelecer prioridades. Necessitamos de pessoas de muita qualidade, conhecimento, não só de universidades católicas, mas conhecimento de mundo, de ensino superior. Não unicamente cristãos católicos, mas pessoas qualificadas para abrir o diálogo para melhor servir às aspirações dos homens, das mulheres e das federações católicas.

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