Reinventar a Unicap aos 60 anos
|Confira na íntegra o discurso do Reitor, Padre Pedro Rubens, na abertura da Jornada Docente 2011.2
A Unicap nasceu de um sonho coletivo, conjugando missão jesuíta e pioneirismo pernambucano. No próximo 27 de setembro, cumpriremos 60 anos de universidade. Genuinamente pernambucana, a Unicap é, igualmente, parte de uma rede internacional de mais de 200 universidades católicas. De inspiração cristã e pedagogia jesuíta, nossa maior tradição é formar pessoas capazes de transformar sonhos em realidade, utopias em projetos, verdade em vida. Pessoas como vocês, caros colegas docentes, e tantos outros que por aqui passaram fazem parte dessa importante história.
Queremos celebrar o 60º aniversário da Unicap abrindo a agenda do futuro, sem deixar de reconhecer a história que nos fez chegar aqui e agora. Futuro e passado, porém, compõem a agenda de um presente: tempo, dom e tarefa. Na Semana Docente do início do ano, acolhemos o dom de nossa vocação de “professores” – ousemos resgatar esta palavra – assumindo os desafios de repensar a nossa identidade e a autoridade que nos compete no exercício de nossa missão. Inseparáveis, estes aspectos convergem: aquilo que nos constitui é também aquilo que nos autoriza, em nome da ciência e da ética, formas de participar da construção de uma nova humanidade. De toda sorte, nem a identidade do professor nem a autoridade podem ser concebidas sem a relação com os outros, sejam eles nossos colegas docentes, nossos colaboradores do corpo administrativo ou nossos estudantes. É nesse feixe de relações que a nossa missão se constitui com uma identidade diferenciada e uma autoridade reconhecida. Dessas relações teceremos a nossa realidade de universidade verdadeiramente comunitária, em todos os sentidos que esta condição nos lega. Destaco pelo menos três aspectos:
– primeiro, a Unicap é comunitária pela natureza jurídica que nos distingue das estatais e das particulares; as IES comunitárias são garantidas pela Constituição de 1988, mas ainda não gozam de um “marco regulatório” que assegurem uma maior participação nas políticas públicas; mas somente o fato de existir este “3º setor” implica uma crítica ao sistema educacional brasileiro, excludente e gerador de desigualdades; postulamos a educação como “bem público”, acessível a todos, sobretudo aos trabalhadores (o pioneirismo nos cursos noturnos indicam nossa opção) e empobrecidos (vários sistemas de bolsas);
– em segundo lugar, somos uma instituição comunitária porque temos uma perspectiva voltada para a comunidade local, a cidade e a região; não apenas os cursos são criados segundo as grandes demandas do Nordeste, quanto à relação desses cursos mantém o contato com a realidade, sobretudo da região metropolitana do Recife; tal inserção local, implica, igualmente a universalização dos saberes, a participação do Nordeste no Brasil e a participação de nosso país no processo de globalização; a Unicap é parte de uma rede de mais de 200 universidades católicas, nas diferentes regiões do mundo;
– somos, enfim, universidade comunitária, porque ousamos crer que as nossas relações de trabalho apontam para uma missão comum e um projeto coletivo; na perspectiva ad intra, importa construir uma comunidade acadêmica que respeite as diferenças; na perspectiva ad extra, acreditamos que a educação de qualidade é uma forma de inclusão social, autonomia e participação na construção de uma sociedade sustentável.
Portanto, retomando esses três aspectos de uma verdadeira instituição comunitária, gostaria de convidar a todos vocês a descobrirem, aprofundarem e a construírem a identidade da Unicap.
– Como verdadeiros acadêmicos, desconfiem dos conceitos pré-estabelecidos e descubram o segredo que fez nascer, crescer e continuar esta instituição, que, antes de ser um patrimônio material, é um patrimônio humano.
– Como pesquisadores, ousem ir além dos caminhos trilhados e dos pontos de chegada e aprofundem os tesouros escondidos nesse lugar, nas pessoas com as quais convivemos na profissão e missão nossa de cada dia.
– Como pessoas críticas e protagonistas da história, lancem propostas, façam projetos, construam a identidade que nos constitui.
Enfim, a missão da Unicap atualmente passa pela agenda de construção de uma Sociedade Sustentável, buscando alternativas para os grandes problemas e ensaiando novos humanismos. Numa expressão: a busca de qualidade acadêmica só tem sentido se atingirmos a excelência humana, de nossos egressos e de nós mesmos.
Recorrendo à literatura e a Ítalo Calvino, nascido cubano e naturalizado italiano. Diz ele, em um de seus livros Seis propostas para o próximo milênio (São Paulo, Companhia das Letras, 2007): “há coisas que só a literatura com seus meios específicos nos pode dar” (p. 11). Evocarei, a título de provocação, as seis propostas que ele pensou para o novo milênio, o nosso, como pistas a serem buscadas na elaboração de novos humanismos. Creio que ele lançou seis propostas que estão em sintonia com o espírito de nosso tempo, mas que são valores alimentados pela humanidade inteira.
– Leveza: nós parecemos “pesados” aos nossos estudantes; nossos discursos academicistas são enfadonhos, nossa vida sobrecarregada… Calvino diz que “iremos ao encontro do novo milênio (eu diria: do futuro) sem encontrar nele nada além daquilo que seremos capazes de levar”;
– Rapidez: se a rapidez é um valor para nosso milênio, cabe questionar a lentidão de nossos processos acadêmicos e administrativos. Por um lado, é preciso ganhar velocidade e vencer a burocracia; por outro, a gente faz rapidamente aquilo que está sendo maturado há muito tempo… Enfim, podemos ser mais ágeis porque temos uma longa tradição, credibilidade e experiência.
– Exatidão: alguns podem achar que os discursos acadêmicos são “enrolados”. Entre a justa medida e o detalhe que faz a diferença, resta busca compreender e exercitar o valor da exatidão.
– Visibilidade: fazemos muito e com bastante dedicação, mas nem sempre o nosso trabalho é conhecido ou valorizado. Mas como dar visibilidade sem cair no marketing comercial? Para além das inúmeras questões que poderemos evocar, vale notar que Ítalo Calvino cita os Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola, santo patrono da Ordem jesuíta, precisamente no tema da visibilidade: “ver”, para Inácio, significa, sobretudo, usar a imaginação, mobilizar todos os sentidos.
– Multiplicidade: é muito comum, na academia, trabalharmos com “totalidades”, “abstrações” e “sínteses” na busca de apreender e simplificar a realidade. Porém, segundo nosso autor, “não há totalidade sem potencial, sem multiplicidade”. Ou, como diria Edgar Morin, a realidade é complexa.
Ítalo Calvino faleceu antes de concluir a 6ª conferência, mas ela foi anunciada com o título de Consistência. Certamente esse último valor daria muito o que pensar no mundo universitário, tanto no sentido da fundamentação do conhecimento quanto no sentido de sua pertinência para a transformação da realidade.
São seis belas propostas que nos instigam e fazem pensar. Proponho, a partir desse exercício, um “dever de casa” para melhor celebrarmos os 60 anos da Unicap: primeiramente, pensar na aplicabilidade desses valores em nossa universidade, a partir do lugar em que estamos; em segundo lugar, buscar juntos a sétima proposta. Afinal, qual o valor que Calvino não propôs e que nos competiria postular para o futuro que vem ao nosso encontro?
A Unicap atinge sua maturidade institucional não porque completa uma idade memorável, mas, sobretudo, porque ainda alimenta muitos sonhos, projetos e esperanças. Parafraseando o poeta recifense Carlos Pena Filho: “é dos sonhos das pessoas que uma universidade se reinventa”. Reinventemos nossa missão docente, a partir da mediação que esta universidade nos oferece e reinventemos a Unicap como lugar de nossa participação na Sociedade. Reafirmemos juntos a nossa missão primeira, aquela que não envelhece com o tempo: buscar a qualidade acadêmica visando à excelência humana.
Pedro Rubens Ferreira Oliveira, SJ.
Reitor
Universidade Católica de Pernambuco