Boletim Unicap

“O sagrado entre e além das religiões” será tema de debate no IV Congresso Nacional da Anptecre

Flávio Senra - Anptecre
Foto: arquivo pessoal/Facebook

O presidente da Associação Nacional de Pós-graduação em Teologia e Ciências da Religião (Anptecre), Prof. Dr. Flávio Senra, da PUC-MG, será um dos debatedores do congresso nacional da entidade, que será realizado na Unicap entre os próximos dias 4 e 6 de setembro. Ele fez pós-doutorado sobre a questão da liberdade como fio condutor da filosofia sob a supervisão do catedrático em metafísica da Universidade Complutense de Madri, Dr. Juán Manuel Navarro. Nesta mesma universidade, ele concluiu seu doutorado em Filosofia. Mestre em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), atualmente ele se dedica à pesquisa sobre senso religioso. Na TV Horizonte desde 2006, é o editor e apresentador do programa de entrevistas Religare – Conhecimento e Religião – projeto de extensão do Mestrado em Ciências da Religião da PUC-MG. Flávio Senra concedeu uma entrevista especial ao Boletim Unicap.

Boletim Unicap – O senhor será um dos debatedores do tema O sagrado entre e além das religiões. Quais aspectos nortearão sua explanação?

Flávio Senra – Minha abordagem se concentrará na apresentação dos resultados parciais que tenho realizado no grupo de pesquisa Religião e Cultura, particularmente na linha Religião e Contemporaneidade. Tenho me dedicado a procurar compreender, para além dos números que indicam o sem-religião como terceiro principal grupo religioso a partir dos dados do censo do IBGE 2010, o que pensam as pessoas que se dizem não pertencer a alguma religião específica.

Na abordagem que apresentarei, além dos dados do campo, procurarei estabelecer um diálogo com aspectos de três correntes interpretativas sobre a questão da crença nas sociedades contemporâneas. Pontualmente, estarão em questão a perspectiva do pensamento enfraquecido e a religião como caridade em Gianni Vattimo, a espiritualidade sem religião no epistemólogo catalão Marià Corbí e as características apontadas pela socióloga francesa Danièle Hervieu-Léger sobre o modo de crer na contemporaneidade.

B.U – Quando se pensa sagrado entre religiões, pode-se estabelecer algo relacionando ao sincretismo religioso?

F.S – Essa categoria não é universal como se costuma pensar nos ambientes acadêmicos e não acadêmicos quando nos referimos ao sagrado. No entanto, trata-se de um termo bastante popularizado e genérico, embora seja mais amplo que o conceito Deus. Para manter o horizonte semântico de sua questão, quando se pensa sagrado entre religiões não me ocorre propriamente pensar imediatamente a questão do sincretismo. Mais claramente me ocorre pensar o desafio da cultura de diálogo e respeito face à diversidade das manifestações de percepção dessa realidade experimentada pelas tradições religiosas. A temática do sincretismo precisa ser revisitada, pois ganha novos enfoques.

Com a fragilidade da capacidade de muitas instituições para manterem um referencial articulador de sentido em seus sistemas de crença, tendo o indivíduo tomado para si não apenas a hermenêutica da dimensão simbólica de sua tradição, mas principalmente por ter tomado para si e em si mesmo a tarefa de articulador desses sentidos e valores, produz-se no senso religioso um cenário de grande fragmentação. Praticamente, temos em cada sujeito religioso um mundo próprio de crença, valores e sentidos.

Flávio Senra 2
Foto: arquivo pessoal/Facebook

O sincretismo já se tornou talvez uma questão menor face a essa maximização do valor que o indivíduo assumiu como portador ele mesmo da tarefa de instituir e instituir-se como produtor de sentidos religiosos. Esse sujeito cria para si, individualmente ou para um pequeno grupo, seu próprio menu religioso.

B.U – O que estaria inserido no contexto de sagrado além das religiões, isso vai de encontro ao seu campo de pesquisa sobre as espiritualidades não-religiosas?

As religiões para alguns são instituições do passado, para outros são instituições em crise, ou, ainda, para terceiros, instituições em pleno vigor. Todos apresentam argumentos para suas leituras sobre o que acontece com a religião nos países ocidentalizados, particularmente em seus principais centros urbanos. Eu tenho acompanhado, reconhecendo o valor dos demais enfoques, a perspectiva de interpretação do momento atual, no cenário que acabo de expor, como um tempo de crise. Estamos atravessando um tempo de grandes alterações quanto à forma e conteúdo.

A própria noção de religião, se já não era boa do ponto de vista da adequação do conceito judaico-cristão à diversidade do que abordamos neste termo, está em estágio de reconfiguração. Pelo que expus acima, existe um movimento que se organiza para fora e independente das religiões, enquanto instituições, constituídas como articuladoras do sentido, dos valores, portanto, da forma e conteúdos próprios.

Reforço que a emergência e consolidação do sujeito como fonte de sentido e valor impacta significativamente o papel que se esperava das instituições religiosas. Enfraquecem as instituições, fortalece-se o papel do sujeito como produtor e garantidor dos sentidos válidos. O enfraquecimento das instituições também produziu uma curiosa situação. Outras instituições como clubes, ONGs, empresas, clínicas de atendimento psicológico, entre outras, são hoje produtoras daqueles sentidos que já estiveram sob o controle do fazer religioso das instituições religiosas.

Pois então, se nomearmos, como sugere a sua questão, a busca espiritual por um sentido absoluto para a existência de busca do sagrado, embora não me comprometa claramente com esta forma de dizer a questão, é possível e está sendo tecida uma forma de produzir sentidos religiosos, espirituais e de qualidade humanizadora para além das religiões. Nem sempre, poderemos notar, sem o caldo religioso conhecido.

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