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Mestrando do PPGH fala de pesquisa sobre Clarice Lispector em abertura da Bienal PE

Muita gente que passa na esquina da Travessa do Veras com a Rua do Aragão, no bairro da Boa Vista, em frente à Praça Maciel Pinheiro, na área central do Recife, mal imagina que o antigo casarão de três pavimentos guarda uma parte importantíssima da história da literatura brasileira. Foi no imóvel que hoje está praticamente em ruínas que Clarice Lispector passou a infância, há quase 100 anos.

Foto: reprodução blog Estante Virtual

Há um esforço, por parte de pesquisadores e estudiosos da obra da escritora ucraniana radicada no Brasil, no sentido de preservar a edificação pertencente à Santa Casa de Misericórdia, transformando-a em um museu aberto à visitação.

O projeto de reestruturação do sobrado onde viveu a escritora é parte da pesquisa desenvolvida por Henrique Inojosa, mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Unicap. Ele falou sobre o assunto durante a abertura da e-Bienal de Pernambuco, que aconteceu por meio remoto, na semana passada e contou com a participação de outros especialistas como o professor Paulo Dutra, Rosa Ludermir e Geórgia Alves, ex-aluna de Jornalismo.

Foto: Michele Souza JC Imagem

Recentemente, foi aprovada uma lei na Assembleia Legislativa de Pernambuco, que concede à Clarice Lispector o título de Patrona da Literatura de Pernambuco. Este reconhecimento pode contribuir para que o sobrado seja recuperado”, explica Henrique ao mencionar que o projeto de lei é de autoria do deputado Professor Paulo Dutra (PSB).

Inojosa conta que Clarice Lispector fazia parte de uma família de judeus ucranianos que veio para o Brasil para fugir da onda de ataques antissemitas que estavam acontecendo no Leste Europeu. Chamados de pogroms, as investidas tiveram início no século XIX, e se intensificaram durante o período que abrange a Revolução Russa (1917) e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o que motivou os Lispector a partirem para o Brasil. “Já em fuga, após o nascimento de Clarice Lispector na aldeia de Tchetchelnik, a família viajou para a Alemanha, de onde embarcaram em um navio. Caso a família tivesse ficado na Ucrânia, provavelmente teria sido morta”, explica o historiador.

Clarice Lispector e a família desembarcaram em 1922, onde Marieta Lispector, mãe da escritora, já tinha uma irmã morando lá. “O pai de Clarice, Pedro Lispector, não foi bem sucedido comercialmente e, depois de alguns desentendimentos com seu cunhado, decidiu partir com a família para o Recife”, diz Inojosa.

Foto: Debora Rosa/Esp.DP/D.A.Press

Uma vez instalados no 2º andar do Casarão da Praça Maciel Pinheiro, Pedro Lispector passou a ganhar a vida  como mascate, vendendo roupas num carro de mão.

“O sonho do pai de Clarice era que as filhas tivessem uma profissão digna e por isso ele fez questão de que elas estudassem nas melhores escolas do Recife na época. Clarice Lispector estudou no Grupo Escolar João Barbalho, Colégio Hebreu-Ídiche-Brasileiro e Ginásio Pernambucano”, detalha o pesquisador.

Apesar de a vida no Recife ser mais tranquila no que se refere às perseguições antissemitas, Inojosa revela que a família da escritora, assim como a maior parte dos judeus, tinha certas restrições relacionadas aos costumes judaicos, por terem medo de serem obrigados a voltar para seus países de origem e viverem novamente sob a ameaça de ataques. “No Recife, houve até indícios dos movimentos fascista e nazista, representados pelo Integralismo, com adeptos formados por estudantes da Faculdade de Direito. Era um povo que sofreu muita violência, então, os judeus tinham medo. A praça Maciel Pinheiro era um reduto dos judeus no Recife. Ali, eles se reuniam em público, porém, de forma discreta”.

Esses e outros aspectos ressaltam a importância histórica do casarão e seu entorno. “Os judeus fazem parte da formação do nosso povo. Não se trata de resgatar apenas a memória de Clarice Lispector. É preciso saber quem eram aqueles  imigrantes que povoaram o Recife naquela época e a relação que tinham com a escritora”.

O mestrando da Unicap afirma que o processo de tombamento segue a passos lentos e a edificação sofre com a falta de manutenção. “Casa chuva que cai é iminente o risco de desabamento. Há muito descaso envolvendo a história do sobrado, o que dificulta o processo de aprendizado da população interessada na memória da escritora Clarice Lispector”.

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