Boletim Unicap

José Eduardo Cardozo defende mudanças no sistema político brasileiro

O ex-ministro da Justiça e ex-Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, defendeu uma ampla reforma no sistema político como sendo a saída para a crise política e institucional pela qual passa o Brasil. Essas e outras ideias fizeram parte da conferência dele que marcou o encerramento do VI Congresso de Direito Constitucional – Publius 2017. Pouco antes da explanação, Cardozo conversou com a imprensa e com o Boletim Unicap. Confira os principais trechos.

Boletim Unicap – Como o senhor enxerga a atual situação do Estado brasileiro?

José Eduardo Cardozo – A Constituição brasileira de 1988 consagra o modelo de Estado Democrático de Direito, um modelo que nós temos hoje no mundo um processo de crise. Essa crise no Brasil está agudizada. As instituições estão completamente desorientadas, conflitos permanentes entre os poderes. Acredito que devamos pensar o modelo de Estado, mas sempre na afirmação democrática, no respeito democrático e não pela ótica do autoritarismo e supressão de direitos. É um desafio que temos para o futuro”.

B.U – Há espaço para o surgimento de um regime autoritário no País?

J.E.C – A visão fascista e intolerante cresce a cada dia no Brasil e vejo isso com grande preocupação. Também vejo com preocupação a transformação da sociedade numa dimensão polarizada onde direitos são ignorados, onde a ideia de uma arena romana prevalece e ao invés de julgamento justo de pessoas. Situações desse tipo de intolerância me preocupam. Temos vários desafios, um deles é combater a corrupção com rigor: uma virtude. Por outro lado, fazer com que essa virtude não se transforme em abuso, com que direitos sejam pisoteados e o Estado de Direito não seja violado.

Repórter – Como o senhor avalia a gestão do Procurador Geral da República Rodrigo Janot a frente do MPF e o que esperar de Raquel Dodge?

J.E.C – Janot teve o seu estilo e Raquel terá o dela.Vai prevalecer sempre dimensão institucional do Ministério Público Federal.  O MP tem um papel muito importante no combate à corrupção. É uma instituição composta por homens e por mulheres e que tem grandes virtudes e às vezes comete grandes erros. É muito importante que o MP continue a se fortalecer, que os erros sejam corrigidos, que o abuso de poder não prevaleça, que as pessoas ao exercerem as funções dessa nobre instituição não se precipitem jamais.

Repórter – E sobre Janot?

J.E.C – Houve erros e acertos. Não devemos execrá-lo nem santificá-lo. É uma característica do momento atual do Brasil. Ou as pessoas são santas ou demônios. Janot teve um papel importante no combate à corrupção. O importante é que a instituição Ministério Público seja tratada com a dignidade que ela merece.

Repórter – Uma conversa sua com Joesley Batista foi gravada. Como o senhor se posiciona diante do conteúdo?

J.E.C – Basta ouvir o áudio para verificar que houve uma tentativa de armação pra cima de mim e tentarem me utilizar para atingir o Poder Judiciário. Acho isso deplorável. Fui consultado como advogado. Acho que foi um triste episódio e só tenho a mostrar minha indignação.

Boletim Unicap – A Operação Lava Jato pode deixar algum legado ao País?

J.E.C – Eu acho que a Lava Jato deixará um legado para o país muito importante de combate à corrupção, mas também é necessário considerar que em alguns momentos houve abuso de direito. Não se pode aqui querer ser maniqueísta: dizer que maravilha ou que inferno. Tem vantagens e tem erros, virtudes e defeitos. Sempre defendi com intransigência o combate à corrupção no Brasil porque a corrupção é uma das causas que geram exclusão social no Brasil. O pobre precisa mais de serviço público que o rico. Portanto que se combata fortemente com vigor, com energia e coragem a corrupção, mas que não se faça isso a custos como são aqueles de aniquilamento de direitos, de pisotear garantias e de transformar julgamentos em arena romana.

Repórter – O senhor acredita que esta segunda denúncia contra o Presidente Michel Temer passa no Congresso?

J.E.C – Eu não prejulgo ninguém. O Presidente Temer tem todo direito de se defender. Acho que a situação dele é incômoda pelas provas que foram reunidas. Aquelas imagens do Rocha Loures, do dinheiro de Geddel e de certas situações colocadas são incômodas. Vamos aguardar que ele se defenda. Agora eu não posso concordar que o mesmo Congresso Nacional que afastou a Presidente Dilma Rousseff por questões meramente orçamentárias onde os governos anteriores faziam e não havia má fé, onde não havia corrupção, ter destituído uma presidenta eleita se quer permitir a investigação de Michel Temer. Acho isso um absurdo e um escarnecimento do Brasil aos olhos do mundo.

Repórter – Quais mudanças o senhor defende para o sistema político brasileiro?

J.E.C – Eu sempre fui um adepto do semi-presidencialismo, ou seja, aquele parlamentarismo mitigado que existe em Portugal e na França, mas desde que haja uma mudança no sistema político. Defendo o voto distrital misto como o que existe na Alemanha e o sistema de semi-presidencialista que parecem ser o ideal para o Brasil. Sem uma reforma política, sinceramente, eu acho que o Brasil não sai das crises permanentes que entristecem tanto o nosso povo.

Boletim Unicap – Uma reforma política seria capaz de trazer algum progresso ético para o Brasil?

J.E.C – Dificilmente um Poder se auto-reforma. É das instituições humanas. Uma pessoa que tem uma certa função de exercício de poder dificilmente muda as regras que o investiu na condição de poder. Há que se ter muito desprendimento para que se faça isso. Então quando se fala em reforma política, as pessoas que estão no sistema político tendem a  pensar o seu caso e não o que é necessário para o País. Essa é a razão pela qual eu acho que o correto é que a reforma política venha da sociedade, que a sociedade debata, discuta e aponte o principal modelo para o país de de reforma política. Agora a reforma é imprescindível. Enquanto a sociedade não perceber que o sistema político é anacrônico, equivocado, gerador de corrupção e de ingovernabilidade, nós sempre teremos um país com tudo pra correr a mil quilômetros por hora nas estradas da vida, mas no fundo é um calhambeque desgrenhado que não consegue soltar a máquina que tem dentro do país. Não há economia, não há política social que sobreviva num sistema político como esse.

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