Boletim Unicap

Entrevista especial: Padre Georg Sans

Em 2011, a Universidade Católica de Pernambuco celebra 60 anos de fundação. Além de solenidades e homenagens, a Unicap festejou seu sexagésimo aniversário produzindo conhecimento ao receber pensadores e acadêmicos notórios. O Padre Georg Sans é um deles. O jesuíta esteve em Pernambuco e concedeu entrevista especial ao Boletim Unicap. Formado na Faculdade de Teologia dos Jesuítas em Frankfurt e na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, ele fez doutorado na Humboldt Universität em Berlim, onde também fez pós-doutorado dedicados respectivamente a Kant e a Hegel. Desde o ano 2004 passou a ser professor de História da Filosofia Contemporânea na Gregoriana.

Boletim Unicap – O que possibilitou a sua vinda à Universidade Católica de Pernambuco. Esta foi a primeira vez? Quais foram suas impressões sobre o nosso campus universitário?

Georg Sans – A minha primeira visita ao Recife foi depois da chamada terceira provação, um programa formativo dos jesuítas. Na verdade, estive na Unicap por alguns dias no começo do ano 2009. Esta segunda estadia foi possibilitada pela colaboração com a Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia em Belo Horizonte, de modo que dei aulas nos dois lugares.

A minha experiência na Unicap é extremamente positiva. A recepção tanto no curso de Filosofia, no Instituto Humanitas, quanto na comunidade dos padres jesuítas foi ótima. Gostei também do campus que fica bem no centro da cidade. Enfim, fiquei impressionado pelo grande interesse dos estudantes pelas questões filosóficas.

B.U – Durante sua passagem pela Unicap, o senhor proferiu palestra e minicurso nos quais abordou conceitos de Hegel e Kant, dois pensadores de correntes opostas. O que o senhor destacaria nessas diferenças?

G.S – Se quiserem uma resposta muito esquemática, proponha o seguinte: Na palestra sobre Hegel, como pensador da ilustração, apresentei um filósofo observador, quem analisa a história das ideias e a cultura da sua época. Pois lembra as grandes questões metafísicas, esquecidas numa era marcada mais pelos discursos científicos e uma visão inanentista do mundo. Kant, em comparação, é um pensador construtivo, que investiga os princípios éticos do agir. Como ele acha que apenas o uso da razão distingue o homem dos outros animais, ele busca o fundamento da moral numa lei racional.

B.U –  Segundo Kant, a preguiça e a covardia são as causas da “menoridade” humana, estado no qual torna o homem incapaz de fazer uso de seu próprio entendimento. Tal conceito pode se aplicar à realidade humana atual quando nos referimos ao meio ambiente? O ser humano sabe que está degradando o planeta em que vive, mas em nome da razão econômica desconsidera perdas ambientais…

G.S – A diferença entre maioridade e menoridade, de acordo com Kant, é a diferença entre quem usa e quem não usa a razão própria. Um problema da chamada razão econômica é que muitas vezes é apresentada como uma razão não do homem, mas do mercado, do progresso, das necessidades políticas e semelhantes, ou seja, como um poderio impessoal ao qual as pessoas têm que se submeter. Quem acredita nesta lenda, se comporta como um menor de idade.

B.U – A questão dos valores sociais. Nietzsche disse que “Deus está morto”. Atualmente, a sociedade brasileira vive uma crise de valores morais e éticos, sobretudo nas suas menores células: a família. Casos de abuso sexual de pais para com filhos, alunos espancando professores dentro de escolas, bandidos que ferem a lei sem temor são cada vez mais frequentes. Essa premissa lançada por Nietzsche está presente no inconsciente coletivo?

G.S – Talvez esteja, talvez não. Mas gostaria de por o acento de novo sobre a diferença entre a análise da cultura contemporânea e a fundamentação dos valores na razão humana. Se tiver uma crise da sociedade brasileira em geral e da família em particular, será superada na medida em que se fortalece o entendimento e a consciência de cada homem e de cada mulher. Aqui vejo o papel específico da educação e de uma universidade. Além disso, me parece bom distinguirmos – contra Nietzsche – cuidadosamente entre a falta de valores morais e a falta da fé em Deus. Não é só quem acredita em Deus que pode reconhecer os valores éticos e sociais, nem que os fiéis cristãos sempre serão os melhores homens. A questão dos valores, pelo contrário, é um campo de esforço comum, assim como uma boa formação deveria ser a preocupação de toda a sociedade.

B.U – Diante do que o senhor percebeu durante os eventos dos quais participou na Unicap, quais suas impressões a respeito da produção acadêmica de Pernambuco, principalmente da Unicap?

G.S – Além da contribuição à formação dos jovens de todas as classes sociais, percebi muitos esforços de responder às questões atuais, especificamente aos diferentes desafios sociais. Acho ótimo o intercâmbio com a Universidade Federal e com outras universidades no Brasil e no exterior. Como filósofo, não posso deixar de lembrar as traduções das obras de Hegel pelo Padre Paulo Meneses, que serão ponto de referência pelas próximas décadas. Porém, vi também a grande dificuldade dos professores a se dedicarem verdadeiramente ao trabalho de pesquisa e publicação, seja por causa da quantidade das aulas, seja pela dificuldade de acesso à literatura científica. Então, acharia desejável favorecer qualquer tentativa de reforçar a aquisição de livros e a obtenção de revistas pela Biblioteca da Universidade. A este propósito queria também encorajar a aprendizagem da língua inglesa para poder usufruir das fontes da Internet.

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