Do Morro da Conceição para a França: ex-aluno de Filosofia da Católica faz doutorado na Paris-Sorbonne IV
|Mais que uma ascensão acadêmica, a história de vida de Ednaldo Isidoro mostra que a educação transforma vidas. O ex-aluno do curso de Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco está no último ano do Doutorado entre a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Université Paris-Sorbonne IV. Filho de uma família pobre do Morro da Conceição, Zona Norte do Recife, ele narra em entrevista ao Boletim Unicap direto da França a trajetória que o levou a estudar em uma das universidades mais prestigiadas do mundo.
Boletim Unicap – O que te motivou a fazer Filosofia na Unicap?
Ednaldo Isidoro – Os motivos que me levaram à filosofia são religiosos. Devido à religiosidade de minha vó paterna e sua participação paroquial, eu cresci e fui educado no seio de uma família muito católica, uma das famílias mais conhecidas no Morro da Conceição (Recife). Seguindo seus ensinamentos e acompanhando-a durante as missas, naturalmente fui sendo guiado para entrar na vida pastoral do Santuário Nossa Senhora da Conceição do Morro. Catequizado pelo Pe. Reginaldo Veloso, minhas visões de mundo e de cristão tiveram como inspiração a sua ação social de estar mais perto e ao lado e com o povo. Ainda tenho viva na memória aquela antiga igreja colada com a torre onde celebrávamos todos juntos e unidos ao som de atabaques, pandeiros, violões e danças que surgiam de nossa gente. Dom Helder e Pe. Reginaldo eram para mim modelos vivos de como viver o Evangelho. Porém, após o episódio que dividiu o Morro da Conceição, com a saída do Pe. Reginaldo Veloso, após a minha primeira comunhão, minha avó me orientou a continuar na comunidade paroquial que me possibilitasse receber o sacramento da confirmação, o crisma. Assim, eu retornei às celebrações realizadas pelo Pe. Constante Danielewicz, então substituto do Pe. Reginaldo. Deste novo administrador paroquial só me lembro dos chocolates após cada missa matinal dos domingos. Foi com o jovem Pe. Sérgio Cabral Perez que minha vida pastoral então realmente começou. Após ser crismado sob o cajado do arcebispo Dom José Cardoso Sobrinho, que vi pela segunda vez naquele altar do Morro, uma nova inspiração se somou aos meus ideais: o desejo de educar e ensinar o povo. Então, imediatamente após a morte de minha avó em 1997 e minha crisma, eu ingressei no grupo de jovem, de liturgia e de coroinhas da Paróquia. Naturalmente, fui me destacando e logo me tornei catequista de primeira eucaristia e de crisma e depois coordenador dos coroinhas. Foi, então, numa manhã de domingo de 2003, que o Pe. Josenildo Tavares, Oblato de Maria Imaculada, que estava no Morro para celebrar uma missa, indagou-me sobre a possibilidade de eu “avançar para águas mais profunda”. Após ter observado minha atividade entre os coroinhas, ele me fez notar que eu poderia ajudar o povo de Deus como padre. Aceitei o chamado, comecei gradualmente a conhecer sua congregação – cuja escolha pelos pobres comungava com minha história ao lado do Pe. Reginaldo Veloso – e, em 2005, fui contado entre aqueles jovens que desejavam seguir a vida religiosa. Eis, portanto, a razão pragmática que me fez ingressar no curso de licenciatura em Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco em 2005, pois a formação filosófica é o primeiro grau para os seminaristas e religiosos que desejam receber o sacramento da ordem e serem ordenados padres.
B.U – Você teve alguma bolsa/incentivo?
E.I – Meus estudos foram financiados inicialmente pela congregação Oblatos de Maria Imaculada, enquanto eu ainda estava ligado à esta ordem religiosa até o primeiro semestre de 2006. A vida religiosa em comunidade não é fácil, porém foram as necessidades familiares que mais me fizeram deixar este projeto vocacional: tive que sair da congregação/seminário para poder trabalhar e sustentar minha família. E visto que os Oblatos se comprometeram a pagar o semestre em curso, o que me permitiu continuar meus estudos foi a bolsa social concedida pela própria Unicap. Durante alguns meses, no entanto, enquanto o processo corria, minha amiga de graduação, a promotora de justiça Gloria Maria Pereira da Costa de Souza Ramos, pagou algumas mensalidades. Porém, quando o professor Marco Roberto Nunes me convidou para fazer um Pibic e nosso projeto foi aprovado, eu agradeci tal ajuda que Gloria me dava e disse que doravante eu mesmo pagaria visto que teria bolsa de pesquisa. Assim se fez e, enfim, com recursos provindos das minhas pesquisas eu pude terminar o curso de licenciatura em Filosofia em 2008.
B.U – Quais foram as maiores dificuldades para concluir a graduação? Você conciliava com alguma atividade profissional?
E.I – No início da graduação, descobri o meu amor pelo discurso e problemas filosóficos. Vi que a atividade filosófica estava impregnada em minha vida, no modo como eu pensava, falava, agia. Então, meu dia a dia passou a ser mais e melhor analisado, racionalizado. Eu passei a buscar sempre as razões ou motivações, causas e efeitos de todas as coisas. Então, a primeira dificuldade apareceu: fui acusado pelos meus superiores da congregação de que eu tinha uma fé e uma espiritualidade muito racional, que eu não estava ali para ser filósofo. Era comum, quando eu dirigia os momentos de oração comunitária (principalmente seguindo o modelo da lectio divina engajado na contemporaneidade), o padre vir falar comigo após e dizer que minha oração era estéril e vazia de espiritualidade porque muito racional. Porém, a cada palavra sua, eu me lembrava da encíclica Fides et Ratio do Papa João Paulo II, lembrava de Santo Agostinho e, principalmente de São Tomás de Aquino, do Bispo George Berkely – todos bispos católicos. Eu não perdia de vista meu desejo de educar e não só governar e santificar o povo de Deus – missão apostólica dos bispos auxiliada pelos presbíteros. Quando saí da congregação, foi difícil continuar devido à falta de recursos. Às vezes, para poder guardar dinheiro e economizar, eu ia a pé para a Unicap. Eu saia cedo da casa de meus pais, no Morro da Conceição, em direção à universidade, de modo que eu chegasse e desse tempo de descansar. Principalmente quando tinha reunião dos grupos de estudo e pesquisa do professor Marcos Nunes e da professora Eleonoura Enoque, cujas aulas e grupo de estudos mudaram complemente minha vida.
B.U – De que maneira o contexto familiar influenciou/dificultou/contribuiu para o seu sucesso?
E.I – Meus pais não terminaram o ensino básico. Meu pai teve que deixar a escola para trabalhar muito jovem, o que o impediu de prosseguir a quinta série. E minha mãe não conseguiu terminar a sexta. E entre meus parentes, igualmente ninguém tinha terminado os estudos e, consequentemente, ingressado no ensino superior. Hoje em dia, somente os primos continuam estudando. Nem mesmo meu irmão, que é mais velho que eu, conseguiu terminar o ensino médio antes de mim. Assim, o reconhecimento de que meus pais fizeram tudo para que eu continuasse na escola foi minha motivação. Para poder comprar meu material escolar e, inclusive um tênis para eu ir à escola, minha mãe passou a trabalhar como empregada doméstica. Paulatinamente, eu pude trocar a sacola plástica por uma mochila verde (só tive uma), as sandálias por um tênis, o pão assado na bolsa por algumas moedas no bolso para comprar pipoca e doces. É muito duro e emocionante dizer isto, os dedos e a garganta travam, os olhos ficam embaçados com lágrimas, mas a verdade é que a nossa pobreza material não afetou o esforço de meus pais para que meu irmão e eu não tivéssemos o mesmo destino que eles. Outra dificuldade: morando numa comunidade muito barulhenta, devido à presença de som altíssimo, comum em comunidades da periferia, eu tive que desenvolver o hábito de estudar durante a madrugada. A isto se soma também o fato de que minha casa estava sempre repleta de gente. Por isso, passei a dormir somente 4h ou 5h por dia: quanto todos iam dormir eu começava a estudar. Quando a televisão da sala desligava e as pessoas iam embora (como minha mãe é muito querida pelos seus amigos e minhas primas, minha casa ainda hoje está diariamente repleta de gente e de crianças), então eu podia abrir o livro. Enquanto todos estavam hipnotizados pelas doutrinas da Globo, eu lia Jorge Amado, Machado de Assis, Pe. Antonio Vieira… Ficando visivelmente esgotado, mais uma vez minha amiga Gloria estendeu sua mão: ela me convidou a morar com ela para eu ter mais condições psicológicas e físicas de estudar. Aceitei e passei a ir na casa de meus pais para matar a saudade e pegar roupas. Eu tinha então duas casas. Nestas condições, a inspiração e estímulo que Gloria me dava tiveram em mim uma influência humanística muito forte. Com ela, eu passei a compreender melhor o estado de espírito e condição de minha família e a me empenhar mais para conseguir terminar os estudos e dar-lhes melhores condições de vida. Meu objetivo de vida é dar uma boa vida para meus pais. Meu sonho é reformar a pequena casa de meus pais, dar-lhe o sustento digno com uma boa refeição e possibilidade de lazer e ver minha mãe feliz. Quero salientar, no entanto, que sofri muito preconceito quando decidi ser professor de filosofia. Quando eu fui o orador da minha turma, na nossa formatura, fiz questão de salientar como nossas famílias dizem que iremos passar fome sendo professores de filosofia, como a educação e mais ainda a filosofia é vista como desprezível por aqueles cujo acesso à formação foram negados e negligenciados. No entanto, paradoxalmente, em minha casa, é a filosofia que nos dá de comer. Felizmente, desde o fim da graduação (com o Pibic) eu continuei tendo bolsas de estudo no Mestrado e no Doutorado em Filosofia. Desde que comecei a trabalhar com a filosofia, portanto, eu tenho a oportunidade de sustentar meus pais e muito mais nos últimos anos quando a crise no setor do serviço de xerox pôs fim à atividade que meu pai exercia. Por eles, para minha felicidade, eu continuo na atividade filosófica.
B.U – O que te motivou a aprofundar a vida acadêmica?
E.I – O meu futuro como historiador da filosofia surgiu dentro na Unicap. No segundo semestre de 2005, durante as aulas de filosofia da natureza, ministrada pela professora Eleonoura Enoque, eu me deparei com a metafísica de Aristóteles. Fiquei absolutamente fascinado e, então, a professora me encarregou de apresentar, durante os seminários da disciplina, sobre o conceito aristotélico de substância presente no livro Z de sua Metafísica. Fiquei ainda mais apaixonado por sua filosofia e fiz a exposição. Neste momento, alguns alunos da sala demonstraram o mesmo interesse e paixão – o que levou a professora Eleonoura a criar o grupo de estudos “Filosofia da Natureza”, no qual líamos e discutíamos os dois primeiros livros da obra “Física” de Aristóteles. Eu estava tão apaixonado por esta temática que me vi cada dia mais apegado à linha de pesquisa de filosofia da natureza. Porém, somente num dos últimos seminários da disciplina foi que pude conhecer o pensamento filosófico que me acompanha atualmente. O aluno Tiago Tinoco estava falando sobre “a filosofia de Descartes” e de um livro que fala sobre seu discurso a respeito das leis da natureza – Le Monde ou le Traité de la Lumière (O Mundo ou o Tratado da Luz) – não tinha tradução para o português e, por isso, ele não pôde expor melhor sobre a filosofia da natureza de Descartes.
Então, ao final das questões pertinentes ao seminário e após a breve exposição da professora sobre a importância e contexto histórico do referido livro, eu me prontifiquei a tentar traduzi-lo – o que causou um evidente entusiasmo na professora. Tal atividade fora possível porque a congregação da qual eu fazia parte, após consultar qual língua estrangeira eu gostaria de aprender, financiou meus estudos da língua francesa na Aliança Francesa do Derby. Tal permissão foi possível porque esta congregação religiosa teve sua origem na França e os meus superiores ficaram muito animados com o fato de que somente um continuou a aprender a língua do fundador Santo Eugênio de Mazenod (todos os outros escolheram e continuaram a estudar a língua inglesa, visto que a maioria dos oblatos que estavam no Recife eram norte-americanos).
Dois meses após as primeiras páginas traduzidas do livro e tendo mostrado a tradução à professora Eleonoura, ela ficou extremamente contente com o que estava lendo e decidimos continuar a tradução para fazer uma publicação comentada do livro. Algum tempo depois, vimos o professor Érico Andrade (UFPE) publicar a então tradução inédita do Le Monde. Tal fato não nos desestimulou, visto que há toda uma linha de tradução, estilo e mais ainda de interpretação. Comecei, então, a me aprofundar sobre a questão da “criação continuada do mundo” na filosofia de Descartes. Depois, apresentei os resultados dos meus primeiros trabalhos em sala de aula. Procurei o professor Érico, ele me falou sobre um grupo de estudos “Filosofia da Natureza”, procurei este grupo, vi que ele era dirigido pelo Prof. Dr. Witold Skwara. Apresentei minhas pesquisas e trabalhos realizados com a professora Eleonoura e manifestei meu projeto de estudar sobre o discurso cartesiano a respeito do mundo. Ele me apresentou alguns autores e comentadores cartesianos e também um filósofo que fizeram na filosofia contemporânea mais uma crítica à filosofia de Descartes. Através deste professor da UFPE eu conheci a cosmologia do organismo do inglês naturalizado norte-americano Alfred North Whitehead. E devido à toda influência crítica e pejorativa que eu fora formado sobre a visão de mundo cartesiana, eu me vi envolvido pelos temas provindos da ética ecológica e ambiental, cujo adversário teórico primordial era Descartes. Fui dominado pela ideia de uma mundo conectado, vivo, orgânico, que sente – completamente diferente da concepção de natureza professada por este moderno: para quem o corpo é pura res extensa, radicalmente distinto da alma, única substância capaz de sentir porque é coisa pensante, pensamento, enfim res cogitans.
B.U – Qual sua linha de pesquisa no mestrado?
E.I – A partir de 2007 comecei a participar de mais um grupo de pesquisa: um na Unicap e o outro na UFPE, ambos sobre filosofia da natureza. Como o grupo da UFPE tinha por orientação as pesquisas individuais dos membros, eu passei a estudar a filosofia da natureza de Descartes e de Whitehead. O então namorado francês de minha amiga Gloria, Gabril Brilhault, ao ver a minha paixão por Descartes, presenteou-me com a coleção Adam-Tannery obras completas de Descartes. Meu entusiasmo cresceu abundantemente ao ver aqueles onze volumes com todos os escritos cartesianos. E após comprar também todos os livros de Whitehead, pude fazer o projeto de mestrado sobre “A Cosmologia Filosófica de Alfred North Whitehead” focando em sua crítica à visão de mundo cartesiano. Eu me tornei, então, o primeiro estudante a realizar um mestrado sobre tal filósofo, desprezado neste domínio porque a comunidade filosófica tradicional do Brasil considera irrelevante discutir tal temática após o criticismo kantiano. Para conseguir obter o título de mestre em 2011, eu tive que ir para a PUC-SP em 2009 porque o Programa de Pós-graduação em Filosofia da UFPE tinha sido descredenciado pela Capes. Passei um semestre estudando com os professores Marcelo Perini, Rachel Gazolla, Mario Ariel González Porta e o professor Ivo A. Ibri. Estando em São Paulo, vi o Mestrado em Filosofia da UFPE reabrir. E tal fato me fez querer voltar para casa. Constantemente em contato com o Prof. Witold, ele se mostrou muito entusiasmado com minha trajetória, visto que foi ele quem me apresentou e me acompanhou nos estudos sobre a filosofia de Whitehead. Fiz minha inscrição para a seleção do mestrado. Éramos 30 candidatos para preencher 15 vagas. Inscrição homologada: projeto e documentos aceitos. A primeira prova eliminatória foi de língua. Muitos candidatos foram eliminados nesta segunda fase. Formos para a prova escrita, que teve como obrigatoriedade a leitura oral em público. Escrevi sobre Heidegger. As aulas do professor Karl Heinz Efken ecoavam na minha mente. Reutilizei os textos que meu antigo professor de filosofia da Unicap nos disponibilizou. E entre os 15 candidatos finais aptos para a entrevista com os sete professores da comissão de seleção, somente 7 candidatos foram aprovados. Minha ansiedade e nervosismo eram enormes. Meu amigo Leandro Santos e eu fomos à praia para eu poder me acalmar naquele dia cujo resultado seria divulgado. Minha prova e minhas notas me colocaram no terceiro lugar do processo seletivo do Mestrado em Filosofia da UFPE. Para minha satisfação, eu fora contemplado com a última bolsa para aquela entrada. Deixei a praia de Boa Viagem e realmente avancei para águas mais profundas da atividade filosófica. Licenciado em filosofia, agora eu estava na UFPE como mestrando em filosofia e tudo isso graças à base filosófica adquirida na Unicap.
B.U – Como foi o processo de seleção para o Doutorado aí na França?
E.I – Durante meu mestrado na UFPE (2010-2011), participei constantemente dos eventos organizados pelo Departamento e PPG de Filosofia. Num destes eventos, enquanto eu apresentava a crítica whiteheadiana sobre a filosofia de Descartes, um professor da Unicamp tomou conhecimento de minhas falas e apresentação. Foi assim que o Prof. Érico Andrade me apresentou ao Prof. Enéias Júnior Forlin. Tivemos uma conversa, eu falei sobre minhas pesquisas e, prontamente, este professor fez a seguinte pergunta: “Você gostaria de fazer um doutorado comigo lá na Unicamp? Sua temática é muito boa e estas discussões me interessam”. Extasiado e surpreendentemente feliz por este reconhecimento, apenas conseguir dizer “sim, eu quero e muito obrigado pelo convite”. Indaguei, então, como seria o processo seletivo para o doutorado em Filosofia na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, e o professor Enéias, especialista na filosofia cartesiana, falou que bastava encontrar um professor que aceitasse orientar o projeto de doutorado e passar nas provas de línguas. Como eu tinha uma trajetória em filosofia, ele me liberou de efetuar uma prova de conhecimento específico. Foi assim que ingressei em 2012 no Doutorado em Filosofia da Unicamp com o projeto “Os Fundamentos Epistemológicos da Metafísica de Alfred North Whitehead: a Resposta Whiteheadiana ao Criticismo Kantiano”. Fui sem bolsa e enviei o projeto para a Fapesp a fim de obter uma bolsa de estudos. Porém, como não há, no Brasil, professor doutor especializado na filosofia de Whitehead, o parecerista viu por bem negar a concessão da bolsa. Após trabalhar como professor de filosofia no ensino Fundamental II e Médio no Colégio Santa Catarina (Recife) e professor universitário na Faculdade IBGM em 2011, eu pude juntar um bom dinheiro para viver durante um ano em Campinas. Porém, o alto custo de vida da cidade, cada mês em Campinas consumia dois meses previstos dos meus recursos. Assim, fui obrigado a mudar de tema de doutorado a fim de que eu pudesse ter mais chances de obter uma bolsa de estudos e, sobretudo, ter reconhecimento entre os programas de pós-graduação: meus professores da Unicamp sabiamente me orientaram a estudar um autor e tema clássico na história de filosofia. Foi assim que, a partir de outubro de 2012, empacotei todos os livros sobre Whitehead, e me vi diante de uma questão muito importante na filosofia de Descartes. No fim de 2012, fiz o levantamento bibliográfico e fichamentos sobre a metafísica cartesiana e durante os primeiros seis meses de 2013, auxiliado por meu orientador, construí um novo projeto de doutorado, agora sobre a famosa questão da “distinção real entre alma e corpo e a sua união substancial”. Encerramos o projeto e, no início de 2014, a Fapesp me concedeu uma bolsa de estudo para desenvolver o projeto “A Distinção Real Cartesiana e a Possibilidade da União Substancial e Interação entre Alma e Corpo”.
Foi como doutorando da Unicamp que tive a oportunidade de entrar em contato com os grandes pesquisadores da filosofia cartesiana e membros do Centre d’Études Cartésienne de Paris (França). Durante colóquios em Campinas, conheci os professores franceses da Univesité Paris Sorbonne (Jean-Luc Marion e Laurence Renault) e da Univesitá de Salento (Giulia Belgioioso, Maximiliano Savini e Igor Agostini). Uma das atividades deste evento foram os minicursos dados por esta professora italiana, que abordava o tema de pesquisa que eu me ocupava no doutorado e, inacreditavelmente, tínhamos diferenças de interpretação referente aos mesmos textos. Eram pequenas diferenças que implicavam grandes divergências. A referida professora ficou atenta à minha lógica interpretativa dos textos cartesianos e, então, me convidou para desenvolver um doutorado sob sua orientação na Itália. Lisonjeado com o convite, conversei com a ela alegando meu desejo de continuar com o doutorado na Unicamp e me comprometendo a traduzir meus trabalhos e lhe enviar, bem como participar futuramente de algum evento na Itália. No dia seguinte, porém, visto o cronograma de atividades elaborado com meu orientador, conversei e marquei uma reunião com a Prof. Laurence Renault, professora da Univesité Paris-Sorbonne IV e secretária científica do Centre d’Études Cartésiennes ligado a esta IES. Na ocasião, eu lhe indaguei sobre a possibilidade de ela ser a supervisora do meu intercâmbio. Ela prontamente aceitou após a exposição do meu projeto de pesquisa de doutorado e do programa de pesquisa que eu desenvolveria sob sua orientação. Eis, então, o grande salto que eu dava: aquele menino pobre do Morro da Conceição fora aceito para estudar na Université Paris-Sorbonne IV, na França. A imagem de Nossa Senhora da Conceição veio ao Brasil, da França ao Morro, agora um estudante de Casa Amarela estava indo do Morro para a França. Foi assim que, após o processo de aquisição do visto e também ser aceito como residente na Maison du Brésil situada na Cité Université de Paris, eu pude viver sete (15 de abril – 15 novembro de 2016) meses em Paris como estudante doutorando estrangeiro na Université Paris Sorbonne sob a supervisão de Prof. Mme. Laurence Renault. O título de meu projeto desenvolvido foi “L’apport métaphysique presente dans la notion de passions de l’âme, les Verités Eternelles et les Principes Lógiques dans la Philosophie Cartésienne”. Com o fim do meu séjour em Paris, voltei para a Unicamp, em Campinas-SP.
B.U – Qual a influência da Unicap na sua trajetória acadêmica?
E.I – Ao chegar na PUC-SP, na UFPE e na Unicamp, o fato de eu ter estudado a história e os textos filosóficos segundo o método genético e não estruturalista, proporcionou-me ter uma visão mais abrangente da história da filosofa. É fato também que o método de leitura a partir e focado nos textos traz grande contribuição para o desenvolvimento filosófico dos estudantes. Mas ressalto que foi graças ao modo panorâmico das principais correntes e temáticas que me possibilitou melhor entrar no mercado de trabalho. Devido à minha desenvoltura particular de falar e ensinar e o aporte teórico adquirido na Unicap eu pude ter muito sucesso dentro da sala de aula tanto no ensino fundamental e médio quanto no superior. Eu pude, então, pegar minhas vivências e experiências cotidianas como ilustração para a exposição de conteúdos programáticos que eu deveria facilitar durante minha atividade docente. Mesmo frente a outros estudantes, eu percebia esta diferença: conheci muitos estudantes que nunca tiveram aulas sobre Platão e Plotino, Santo Agostinho, por exemplo. Porém, conheci muitos que estudaram minuciosamente textos de Aristóteles e Tomás de Aquino, Descartes, Spinoza e Kant. Assim, foi na Unicamp que meu reconhecimento enquanto licenciado em filosofia pela Unicap se mostrou. Devido à esta formação e à minha atividade docente, fui convidado a ser o professor estagiário da disciplina “Estágio Supervisionado em Filosofia” do curso de licenciatura da Unicamp. Sob meu projeto pedagógico, os alunos desta Universidade se viram com uma nova proposta de ensinar filosofia. As atividades do estágio tiveram sucesso, e fui convidado a permanecer no posto por mais dois semestres, cujo fluxo de alunos gradativamente aumentou. Tenho a alegria de encontrar os alunos e professores que ainda hoje falam de como a minha visão de ensinar a filosofia influenciou os alunos durante e após minha passagem pelo Programa de Estágio Docente (PED) da Unicamp. E tudo isso foi graças à Unicap, instituição onde me formei e tenho o sonho de um dia me tornar professor.