Boletim Unicap

Discurso do Reitor da Unicap na Colação de Grau 2020

Motivação e esperança para reconstruir o sentido da vida…
A alegria e a emoção de hoje indicam a importância do momento como
conclusão de uma etapa e o início de outra: a colação de grau é um “rito de
passagem”. Mas qual o sentido de tudo isso? Valeu a pena tanto
investimento, sacrifício e esforço? O que será do amanhã? Em momentos
importantes, cabe recolocar uma pergunta essencial: afinal, qual o
sentido da nossa vida? E a vida o que é o que é?

A vida é feita de passagens, interpretações e ritos. Desde o momento
em que deixamos o ventre materno para viver no ventre do mundo,
experimentamos as sensações de medo, insegurança, aflição, choro e
alegria: a vida surge com força, mas cercada de fragilidade, exige cuidado
e dependência total dos outros… O leite, o carinho e o berço [ou a falta
deles!] definem nossas primeiras experiências de vida.

O rito de passagem da infância para a adolescência é marcado por
questões e receios, mudanças no corpo e no espírito, desejos contraditórios
e coragem de assumir riscos: a vida, nesse período, é uma pergunta
aberta e o rosto do outro uma possibilidade de encontro e desencontro…
Entrar na universidade coincide, normalmente, com o rito da passagem
da 1a à 2a juventude, ou com o amadurecimento, com a autonomia da razão
e exercício da liberdade. É um tempo marcado por questionamentos
diversos e propostas alternativas, desafios e superações, desejos e
realizações: a vida ganha asas e a experiência transforma a pessoa em
adulto, independentemente da idade. As perguntas são mais profundas ou
atrevidas, os desejos são maiores e a consciência das dificuldades é mais
aguda: a vida dependerá, portanto, do sentido que cada um der à sua
própria existência…

Mas além das mudanças próprias dessas etapas, há uma diferença
fundamental entre a concepção do sentido da vida de ontem e de hoje.
Antigamente, o sentido da vida estava dado, bastava procurar e
aprender; nos dias de hoje, porém, o sentido da vida precisa ser construído
e reconstruído, várias vezes.

Antes, a família ensinava seus valores básicos, os professores
transmitiam os conhecimentos universais, a sociedade formava para o bem
comum geral, o estado regulava e garantia os direitos fundamentais dos
cidadãos, as religiões respondiam às grandes questões sobre o sentido da
vida e da morte a partir de uma verdade absoluta: Deus! Nos últimos
tempos, a família vem mudando de composição, a educação se faz com
processos interativos, o estado não consegue garantir direitos e as religiões
suscitam mais perguntas que respostas…

Assim, as instituições que poderiam nos ajudar nesta construção de
sentido foram enfraquecidas pelo relativismo (“tudo é relativo”), pelo
imediatismo (“o que importa é o aqui e agora, o momento”) e pelo niilismo
(“Nada vale nada”, “nada tem sentido”).

Além disso, a revolução na comunicação

e a promessa de um “mundo sem fronteiras” veiculam um
bombardeamento de informações e propõem uma infinidade de opções
dificultando a construção do sentido, seja por excesso de dados, seja por
embaraço de escolha.

Nesse contexto contemporâneo, o sentido da vida deixou de ser
evidente, difícil de ser encontrado ou dado de uma vez por todas: é
necessário ser construído continuamente. Claro que as instituições estão
repensando seu papel social e poderão oferecer a sua contribuição; mas,
não creio que elas serão capazes de dar sentido à vida e à existência
humana. Mais que nunca e cada vez mais, a difícil e não menos
apaixonante tarefa de construir o sentido da vida, depende de cada
pessoa.

Creio, realmente, que embora difícil, essa tarefa é apaixonante.
Importa voltar ao essencial e começar a reconstrução do sentido de nossa
existência com o material que a vida nos oferece. Nessa construção, porém,
duas atitudes são fundamentais: a motivação e a esperança.
Nada melhor para entender a importância da motivação que a história
dos três operários de uma mesma construção: o primeiro, forçado a
trabalhar como punição de um crime, amaldiçoava o que estava fazendo; o
segundo, que estava aí para ganhar o pão para a família, trabalhava de
boa vontade; já o terceiro, convicto de estar construindo uma catedral,
trabalhava com todo o fervor. Os três faziam materialmente a mesma coisa,
porém, com motivações distintas (cf. Clodovis Boff, O livro do sentido, vol.
I, p. 31).

A motivação cresce com a esperança. Entretanto, esperança não
significa “esperar”, mas “caminhar”… Por isso, foi criado o verbo
“esperançar”, neologismo inspirado no sentido bíblico: Abraão tornou-se o
pai da fé porque foi o primeiro exemplo registrado na história de alguém que
deixou a sua terra e aventurou-se pelos caminhos da vida, caminhando
rumo à terra prometida. A ele se atribui a virtude de “esperar contra toda
esperança (4,18). Ou como traduz o povo mais simples: “a esperança é a
última que morre”.

No entanto, importa considerar que nem todo mundo constroe o
sentido da vida a partir da motivação da fé ou da esperança cristã. Nesse
caso, cabe relembrar uma frase do filósofo J. P. Sartre:

“Não importa o que a vida fez de você,
importa o que você fez do que a vida fez de você”.
Sem estar motivado pela esperança cristã, Sartre indica outro
caminho possível: construir o sentido da vida não pode depender apenas
de condições favoráveis, nem pode ser determinado pelas experiências
negativas da existência. Depende de como cada um de nós reinterpreta e
reelabora o vivido. Para dizer de um jeito bem brasileiro: não importa se
você cair, mas, “levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima”. Ou ainda,
como reza o samba: “Desesperar jamais, aprendemos muito nesses anos…”

Caros concluintes, queridas concluintes: não conheço a fé nem a
motivação de vocês. Mas, acredito, com muita convicção, que cada um de
vocês tem tudo para reconstruir o sentido da vida. Primeiro porque a
Unicap pode conferir a cada um de seus concluintes qualidade acadêmica
e excelência humana, pois há mais de 76 anos formamos pessoas,
desenvolvendo habilidades para o mundo do trabalho e cultivando
valores humanísticos para enfrentar as dificuldades da vida. Em segundo
lugar, cada um de vocês sabe muito bem o quanto custou, em recursos
financeiros e humanos, para chegar até aqui: portanto, vocês podem
testemunhar uns para os outros que é possível superar obstáculos e atingir
objetivos. Terceiro, o diploma que coroa esta etapa, é o registro de um
bem inalienável que nada nem ninguém poderá roubar de vocês. Isso
significa que os próximos sonhos de vocês e a reconstrução do sentido
da vida agora têm como ponto de partida um tesouro inalienável, uma
experiência sólida e uma capacidade pessoal comprovada.

Para encerrar, três palavras-chaves: gratidão, presente e convite.
Aos pais e familiares nosso agradecimento por investir em vocês e
por nos confiarem essa bela tarefa: sabemos que tudo isso custou
sacrifícios, mas temos a consciência de uma missão cumprida.
Para fazer desta festa um momento único, um presente: graças a um
mutirão de nossos funcionários, em alguns instantes, vamos entregar a
cada um de vocês não um canudo vazio, mas o diploma real e definitivo,
assinado e válido em qualquer lugar do Brasil e do mundo.
O risco de entregar o diploma definitivo, porém, é que vocês não serão
obrigados a voltar à universidade… Por isso, concluo com uma petição que
é um convite: voltem à Unicap como muitos outros já o fizeram. Uns
voltaram para trabalhar como professor ou funcionário, outros para fazer
uma pós-graduação, pois sabemos que a formação é permanente: neste

sentido, inclusive, criamos bolsas especiais para todos os nossos ex-
alunos.

Mas, se vocês não tiverem nenhuma dessas motivações para retornar
à Católica, por favor, voltem ou passem pelo nosso jardim, pois os patos e
os pavões poderão morrer de saudades de vocês… assim como nós!

Pe. Pedro Rubens, SJ
Reitor Unicap

print

Compartilhe:

Deixe um comentário