Congresso compara casos de adoção de crianças brasileiras e francesas
|Com reportagem de Rebeca Kramer – especial para o Boletim Unicap
Na tarde de sexta- feira (20), foi dado prosseguimento ao 1º Congresso Franco-Brasileiro sobre Psicanálise, Filiação e Sociedade, promovido pela Universidade Católica de Pernambuco em parceria com a Universidade Denis Diderot, da França. O evento ocorreu no Golden Tulip Recife Palace Hotel, em Boa Viagem, contemplando o tema Adoção: da criança à filiação, e contou com a presença de renomados psicanalistas, psicólogos e juristas do Brasil e da França.
Participaram do evento especialistas como a psicóloga clínica e psicanalista francesa Sophie Marinopoulos; o professor da Universidade de Lyon 2 e chefe de Serviço de Pedopsiquiatria no Centro Hospitalar Universitário de Saint-Étienne, Maurice Berger; e o psicanalista do Departamento de Psicanálise da Criança e do Adolescente do Hospital de Pitié- Salpêtrière, Christian Flavigny. Dentre as temáticas abordadas durante o evento estavam os riscos e fracassos na adoção e a preparação do encontro entre as crianças e futuros pais pelo Estado. Durante o congresso também houve o lançamento do livro “Comentário sobre a nova legislação sobre adoção- Lei 12010/2009”, do desembargador Luiz Carlos Figueiredo.
A psicóloga clínica e psicanalista Sophie Marinopoulos reforçou a importância de tratar o abandono dos filhos pelos pais com o respeito que esse ato de desfiliação merece. “Não devemos julgar os pais. É necessário enxergar o problema como uma questão de saúde pública, em primeiro lugar”, frisou. Para ela, é imprescindível conhecer a história dos progenitores, acolher os pais de nascimento, mesmo porque, segundo a lei, a separação pai-filho não é ilegal. “Já no século 17, as mães que não queriam ou podiam ficar com seus bebês deixavam-nos nos conventos, sem mostrar quem eram. Hoje, isso não pode ser da mesma forma”.
A psicanalista explicou que na França não se abandona o filho por dificuldades materiais, uma vez que no país há medidas públicas que suprem as necessidades financeiras. “Mais comum é dizerem que não são psicologicamente capazes”, contou Sophie. E ainda comentou: “Uma criança na França permanece dois meses sem poder ser adotada, no caso de os pais se arrependerem. Mas, passando este prazo, a volta torna-se irreversível”. A psicóloga considera muito importante interligar dois momentos da vida de quem é adotado: que o momento do abandono também seja o da adoção.
O psicanalista Christian Flavigny, que dirige o Departamento de Psicanálise da Criança e do Adolescente do Hospital de Pitié- Salpêtrière, em Paris, também especialista em adoção e filiação, trabalha em cima da teoria de que os pais mudam, mas as crianças permanecem sempre com o mesmo desejo: de sentirem-se verdadeiramente adotadas. “Eles desejam, acima de tudo, ser seus filhos”. Diante da questão da adoção, o psicanalista comentoi sobre temas como a incidência de divórcios e pais homossexuais, além daqueles que passaram da idade de procriação. “Como conciliar a modernidade da vida familiar com o desabrochar de uma criança?”, questionou-se
Por sua vez, o professor Domingos de Abreu, da Universidade Federal do Ceará, falou sobre o perfil de crianças adotadas no Brasil em detrimento daquelas adotadas na França e como se dão os discursos da sociedade feitos em torno dessas adoções. “Os casais franceses que adotam, fazem de forma legal, diferentemente de brasileiros, que o fazem de maneira natural, pegando para criar. Especialmente em classes populares”, expõe. Abreu lembrou que o brasileiro adota normalmente crianças brancas, do sexo feminino, e de até três meses. Quando o perfil de adoção do francês são crianças mais velhas e negras, até pela escassez de opções. “Os pais querem filhos saudáveis e que se pareçam biologicamente com eles, mas os franceses são mais abertos a adotar crianças com características físicas diferentes”. E, claro, os pais só procuram adotar porque outras medidas como inseminação não deram certo.
Abreu explicoi que muitos franceses adotam brasileiros porque no seu país de origem não existem crianças disponíveis. E chegam a adotar crianças portadoras de necessidades especiais desde que possuam pequenos problemas, dado que o acesso ao sistema de saúde francês é bem melhor. “Os casais estrangeiros acabam incluindo para adoção o perfil de adotáveis que o brasileiro não aceita. Não porque sejam menos preconceituosos, mas porque se ajustam ao mercado adotivo de adotar os não- adotáveis”.
A mestre em Psicologia Clínica e conselheira do Instituto Brasileiro de Estudos Interdisciplinares de Direito de Família, Maria Antonieta Pisano, frisou que qualquer criança precisa ser adotada para sentir-se na condição de filha. “Elas têm que ser acolhidas como filhas do desejo e não como substituição do que os pais não puderam ter”. Ainda para Pisano, futuros adotantes devem procurar, nos abrigos, crianças reais, e não buscar, como muitos fazem, filhos perfeitos, porque nem mesmo os biológicos o são. “Não se deve atribuir todos os problemas de crianças adotadas ao fato de elas não serem filhas biológicas, porque eles nem sempre tem a ver com a adoção”, pontuou. Na ocasião, a psicóloga falou um pouco sobre o trabalho do projeto GAASP- Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo, na preparação dos pretendentes à adoção.
A psicóloga do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) Isadora Minicelli apresentou experiências de uma equipe de profissionais que acompanham os processos de adoção, a reinserção das crianças nas famílias adotivas e os estágios de convivência, avaliando se os adotantes realmente possuem condições de ser pais. “Por meio de entrevistas com eles e com as crianças adotáveis, temos uma ideia de quem eles são e de seus reais interesses”, contou. A psicóloga explicou a importância de a criança também adotar, diante de todo o luto psicológico do que ela viveu no passado. “Por isso é fundamental essa nova família na construção do sujeito”.