A história se repete? foi o tema da redação do Vestibular 2014.2 da Unicap
|O Vestibular 2014.2 da Universidade Católica de Pernambuco teve como tema da redação “A história se repete?”. Abaixo publicamos um texto referência produzido pelo professor do curso de Letras da Unicap e responsável pela escolha dos temas das redações dos vestibulares da Católica, Janilto Andrade, sobre o assunto.
A história se repete?
Huizinga acrescentou às rubricas filosóficas definidoras do homem a de Homo Ludens. Aos imperadores romanos cabe, mais apropriadamente, a rubrica filosófica de Homo Sapiens, enquanto aos plebeus da Roma Antiga, a de Homo Ludens. Estes divertiram-se, aqueles governaram. Os Césares empunharam o cetro durante séculos, a plebe ignara aplaudiu os jogos, sempre que convocada pelas trombetas imperiais.
O Amphitheatrum Flavium – popularizado como Coliseu , devido à estátua (Collosus, em lat.) que o imperador Nero fez edificar ao lado do Amphitheatrum, para culto de si mesmo, uma vez que se julgava (ele próprio) “colossal” –, símbolo do Império Romano, e o Pórtico Minucius, onde o pão era distribuído, mantiveram a populaça da urbe dos arcos plenos afastada dos assuntos da res publica e das questões sociais. Essa política, cunhada com a expressão “panem et circenses”, do satírico latino Juvenal, ficou conhecida como política do “pão e circo.”
Naturalmente, se a história se repete, repete-se como farsa, conforme lição aprendida, há bastante tempo, com aquele barbudo cujo nome (somente o nome) ainda abala os alicerces do capitalismo. Há muito de farsa em Luís XIV, cunhando medalhas com sua efígie paramentada com trajes militares romanos; há muito de farsa em Napoleão montado num cavalo branco, qual novo Calígula num novo Incitatus, espalhando cadáveres pela Europa; autodenominar-se Führer (guia) é, também, uma farsa – que culminou na maior carnificina da história ocidental.
O Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha será, provavelmente, gravado nas páginas da nossa história num lusco-fusco cinza. Se nossa Presidenta não se fantasiou de generala romana, nossa arena nacional, no entanto, nutre-se, na circularidade da sua forma arquitetônica, da seiva-lúdica que alimentou a Roma Imperial, errando nas veias de múltiplos Estados através da história: aos Césares não convinha que os romanos plebeus fossem visitados pelas “tristezas coletivas.” A monumentalidade do nosso Estádio Nacional é proporcional à vontade ideológica do establishmentde fazer o povo brasileiro alegre, satisfeito e, quiçá, longe da res publica.
Os Césares proviam a gentalha de pão – além do circo. Ao lado das filas para o ingresso na Arena-Brasília, para assistir aos jogos da FIFA, far-se-ão outras para receber “cestas governamentais”? Ainda que fosse… outra fome, que parece não ter visitado a gentalha romana, rebentou no ceio da pátria, nestes instantes. Fome que vem de longe, estilhaçando-se em partículas de inquietação, pulverizando-se em sentenças de exigências sociais, cobrindo de cinzas o Mané Garrincha e respingando pelos céus dos estádios para onde foram chutados bilhões, que não são jogados na construção da cidadania da gente brasileira. Sente-se muita fome de cidadania.
Arenas futebolísticas não dão cidadania. Ninguém é cidadão, se não se dá o direito – assegurado, aliás, na Carta Magna – à educação e à saúde, para não falar em outros mínimos direitos que constituem e garantem o equilíbrio da sociedade.
Agora, os gritos de gol que se ouvirão dentro do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha – e de outros tantos –, durante esta Copa Mundial, misturar-se-ão aos brados, fora das arenas, de milhares de brasileiros, que clamarão num só tom: queremos cidadania!