Boletim Unicap

A Contribuição de uma Universidade Jesuíta na Formação de Agentes Eclesiais – Padre Arturo Sosa

Foto: Niedja Dias

Confira o texto da conferência que o Superior Geral dos Jesuítas, Padre Arturo Sosa, proferiu na tarde desta terça-feira (24) para alunos e professores dos cursos de Teologia e Filosofia da Unicap.

A Contribuição de uma Universidade Jesuíta na Formação de Agentes Eclesiais

Padre Arturo Sosa, S.I

Começo agradecendo por esta oportunidade de encontro direto com pastores, formadores, professores e estudantes dos cursos de Filosofia e Teologia, orientados à formação e qualificação de agentes pastorais: seminaristas, religiosos/as e leigos/as. Em primeiro lugar, queria manifestar minha gratidão especial aos Bispos do Regional Nordeste II e aos Superiores religiosos que confiam a formação acadêmica de seus formandos à Universidade Católica de Pernambuco, não somente aos jesuítas, mas também a seus docentes e corpo administrativo.

Conheço, por experiência, a importância de uma formação sólida, bem como o desafio de conciliar os diferentes aspectos da vida humana e religiosa com as exigências acadêmicas e o meio universitário. Antes de ser eleito Prepósito Geral da Companhia de Jesus, fui Provincial da Venezuela, reitor de universidade e responsável pelo governo das instituições de formação e acadêmicas assumidas pelos jesuítas em Roma. Portanto, esta formação específica faz parte de minha biografia missionária e uma missão importantíssima para a Companhia de Jesus, a serviço da Igreja.

1.A memória de uma “parceria”: a universidade como lugar de formação acadêmica a serviço das dioceses
Não deixa de ser interessante a história desta “parceria” recente, que implicou um verdadeiro discernimento, no qual se consideraram as orientações de Roma, as decisões de Bispos e Superiores e a resposta positiva da Universidade. Como sabem, a UNICAP é governada pela constituição Ex Corde Ecclesiae e não pela Sapientia Christiana, que rege os seminários e faculdades eclesiásticas. Como todos os demais cursos universitários, tanto o de Filosofia como o de Teologia obedecem às leis civis brasileiras.

Não se trata de um problema, mas de um potencial enorme, que enriquece o processo formativo, embora exija outras dimensões a serem assumidas pelas casas de formação. Também é uma riqueza que os estudantes de Filosofia e Teologia, provenientes das dioceses façam uma experiência no ambiente universitário, sobretudo em um país que, nos últimos quinze anos, viu crescer de 2,5 milhões a 8 milhões o número de jovens universitários. Não há dúvida, pois, a respeito da importância desse convênio entre as dioceses e a UNICAP. Por isso, a importância também para mantê-lo e consolidá-lo ainda mais.

Recordar alguns passos da história pode iluminar o valor e a novidade dessa experiência, de certa forma pioneira no Brasil, onde ainda muitos estudam em seminários e institutos sem partilhar da riqueza do meio universitário. Em outubro de 2009, depois da visita ad limina dos Bispos do Regional Nordeste II da CNBB, o Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, solicitou à UNICAP uma proposta de colaboração na formação acadêmica dos seminaristas, primeiro de Teologia e, na sequência, também de Filosofia. Houve algumas reuniões, consultas e discernimento, tomou-se a decisão e a Universidade Católica de Pernambuco assumiu esta nova missão. Para isso, criaram-se novos currículos de Filosofia e Teologia, conjugando exigências do Ministério da Educação e da formação presbiteral, segundo a CNBB.

  • Em 2010, iniciavam seus estudos na UNICAP os seminaristas da Arquidiocese de Olinda e Recife, das dioceses de Afogados da Ingazeira, Nazaré e Palmares, bem como os religiosos em formação das províncias do Nordeste da Ordem dos Carmelitas e Franciscanos Capuchinhos. Em seguida, outras congregações religiosas (Franciscanos, Salesianos e Redentoristas), além de outras dioceses de Pernambuco e outros estados (Floriano, Pesqueira, Petrolina, Paraíba) passaram a compor o quadro dos que confiaram a formação teológica e filosófica de seus formandos à UNICAP.
  • Em 2014, depois de um longo processo, foi firmado um convênio inédito: criou-se o Instituto Teológico Dom Luciano Mendes e nosso curso de Teologia afiliou-se à Pontifícia Universidade Gregoriana (instituição sob a responsabilidade da Companhia de Jesus em Roma). Concretamente isso significou um intercâmbio frequente, marcado pela visita periódica de um delegado da Universidade Gregoriana. A partir de 2018, os estudantes que concluírem o curso de Teologia aqui poderão requerer também o diploma canônico da Universidade Gregoriana.
  • Avançando nesse processo, em 2015, a instância de avaliação dos cursos de pós-graduação (CAPES) aprovou o novo programa de Mestrado em Teologia, primeiro e único nesta região do Norte e Nordeste do país. Ainda que a grande maioria da população seja cristã ou católica, a região não dispõe de instituições de formação à altura da demanda e da necessidade. Em 2005, criou-se um programa de pós-graduação em Ciências da Religião, inicialmente com um Mestrado e, posteriormente, Doutorado (2014). Recentemente, o campo de estudos da religião da UNICAP se incrementou, com a autorização do Ministério da Educação, de um curso à distância para a formação de professores de Instrução Religiosa.
  • Atualmente a matrícula chega a quase 300 estudantes (176 de Filosofia e 119 de Teologia), provenientes de oito dioceses e treze congregações religiosas ou fraternidades, além de estudantes de outras confissões cristãs ou não, inscritos nos programas de Mestrado e Doutorado. Assim, o contato com a universidade suscitou em muitos sacerdotes e agentes de pastoral o desejo de participar dos programas de formação contínua, como forma de qualificar-se mais para a missão, obtendo uma nova compreensão da fé e formulando melhores respostas aos desafios da nova sociedade do conhecimento.

Devemos esta demanda da Igreja, em boa parte, à orientação do então Papa Bento XVI, um teólogo que não apenas fez um caminho acadêmico profundo, mas também conhecia a realidade dos estudos universitários, segundo a tradição alemã. O teólogo Ratzinger sabia, igualmente, que, em muitos lugares, a teologia havia sido expulsa do campus universitário e/ ou se havia refugiado nos seminários. No caso do Brasil, a Teologia tem, atualmente, um estatuto totalmente privilegiado, dado que é reconhecida civilmente como curso universitário.

Compreendendo a preocupação que Bento XVI tinha a respeito da formação sacerdotal e de agentes de pastoral, reconheçamos a lucidez e o discernimento dos Bispos que solicitaram esse serviço à universidade, inaugurando um novo tempo de relação entre meio acadêmico e pastoral.

Agradeço, pois, a UNICAP por ter aceitado esse desafio e a encorajo a não medir esforços, junto com os formadores, professores e estudantes por tornar ainda melhor esse serviço para o maior bem da Igreja.

2. Desafios e/ ou oportunidades de uma missão dentro da missão

Certamente uma experiência inovadora como esta supõe uns desafios, mas também muitas novas oportunidades. Importante, antes de mais, é compreender que a missão de uma universidade é bastante mais ampla, complexa e diversa que a formação específica para o presbiterado, a vida religiosa e pastoral. Em 1990, por meio da Constituição Apostólica Ex corde Ecclesiae (ECE), o Papa João Paulo II estabelece as orientações fundamentais da missão da Universidade Católica. A UNICAP participou do seu processo de elaboração e, como membro da Federação Internacional de Universidades Católicas (FIUC), mantém-se em comunicação com a rede de universidades da Igreja.

Nascida do coração da Igreja, a Universidade Católica se insere no curso da tradição que remonta à origem mesma da Universidade como instituição, e se revelou sempre como um centro incomparável de criatividade e de irradiação do saber para o bem da humanidade. Como Universidade, a UNICAP é uma comunidade acadêmica, que, de modo rigoroso e crítico, contribui à tutela e ao desenvolvimento da dignidade humana e da herança cultural, mediante a pesquisa, o ensino e os diversos serviços oferecidos às comunidades locais, nacionais e internacionais.

Como Católica, a UNICAP apresenta as seguintes características:
*Oferece inspiração cristã às pessoas e a toda a comunidade;
*Reflete continuamente sobre o crescente tesouro do saber humano;
*Está em fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada pela Igreja;
*Faz um esforço institucional para servir ao povo de Deus e à família humana na busca daquele objetivo transcendente que dá sentido à vida.

A Constituição Apostólica continua: A missão fundamental da universidade é a constante busca da verdade, mediante a pesquisa, a conservação e a comunicação do saber para o bem da sociedade. A universidade católica participa desta missão contribuindo com suas características específicas e sua finalidade. ECE n. 30.

A especificidade da universidade católica caracteriza-se por quatro aspectos principais:

Serviço à Igreja e à Sociedade;
Pastoral universitária;
Diálogo com a cultura;
Evangelização.

Perguntemo-nos, então:

Como promover uma formação sólida e específica, segundo a grande tradição cristã e a visão católica, em meio a uma pluralidade de ofertas de sentido e busca da verdade, tão características do ambiente acadêmico?
De que forma pode uma instituição da Companhia de Jesus prestar esse serviço universal?

Há várias formas de responder a este desafio. Compartilho com vocês uma característica que localiza esta missão na mesma gênese da Companhia de Jesus. A tradição jesuíta no mundo da educação está ligada à experiência do grupo de seus fundadores, companheiros estudantes na Universidade de Paris, envolvidos na efervescência das novas ideias e dos grandes debates universitários do momento. Inácio de Loyola havia deixado sua Espanha natal, onde havia muitas faculdades eclesiásticas e foi, sozinho e a pé, até Paris para estudar. Encontrou-se com um grupo de universitários aos quais convidou, um a um, para viver a experiência dos exercícios espirituais que haviam transformado sua vida.

Verdadeiramente, era uma experiência transformadora de Deus, em meio à profunda crise eclesial produzida pela Reforma protestante. Impunha-se a necessidade de estudos filosóficos e teológicos profundos, para além do sistema escolástico vigente. A experiência de Paris vai marcar profundamente a Companhia de Jesus: a radicalidade da experiência de Deus exige uma profunda formação intelectual, confiada no Espírito que sopra onde quer e em Deus, que se manifesta de tantas formas, em cada época, com base na revelação plena em Jesus Cristo.

Chamou-me muito a atenção a iconografia simples e evocativa da capela do campus da UNICAP. Primeiro, a centralidade do Cristo Ressuscitado. Segundo, o grupo de companheiros, representado em seu tempo como estudantes universitários, no campus da Universidade de Paris, olhando para o Cristo, ainda distantes, como a maioria dos nossos universitários. Como bem sugere essa iconografia sutil, aquele grupo de primeiros companheiros jesuítas não tinha medo das ideias que circulavam no mundo universitário de então. Haviam vivido uma experiência central e forte de Deus.

Nesse sentido, os que vivem uma profunda experiência de Deus ao longo da formação não sentirão temor algum diante do desafio de questões desconcertantes ou de pensamentos que, aparentemente, são incompatíveis com o cristianismo. Ajuda-nos recordar o grande teólogo São Tomás de Aquino: o pensamento aristotélico parecia incompatível com a fé cristã, enquanto que o paradigma platônico ou neoplatônico considerava-se bastante próximo e inclusive ajudava a compreender a fé e a revelação. Entretanto, o estudo profundo de Aristóteles, obra do Doutor Angélico, acabou por mostrar que a revelação de Deus pode ser expressa em diferentes paradigmas e linguagens.

Portanto, não temos nada a temer, mas muito a estudar e muito que escutar, aplicando o que dizia Santo Inácio: estar mais pronto a salvar a proposição do próximo do que a condená-la. Não temos por que deixar-nos vencer pela insegurança diante de qualquer crítica à Igreja pelo medo ante qualquer pensamento diferente. Não tenham medo…, frase evangélica que tanto inspirou os pronunciamentos de São João Paulo II é, também para nós, uma fonte de audácia para saber interpretar, a partir de uma fé sólida, em cada contexto e a cada nova geração, os desígnios salvíficos de Deus para a humanidade.

Não tenham medo dos desafios: com criatividade, poderemos fazer render muito o pouco que temos. Mas, sobretudo, cuidem bem deste presente de Deus. Cada estudante aqui poderá sair com dois diplomas reconhecidos no Brasil e no mundo; cada um de vocês pode enriquecer-se muito com este tempo de vida universitária, convivendo com outros jovens, escutando suas preocupações, atentos a suas irreverências, examinando suas questões mais fundamentais.

O Papa Francisco não se cansa de destacar o quanto é importante que os Pastores conheçam a vida e os problemas de suas ovelhas para acompanhá-las em suas buscas: os seminaristas poderão ser pastores com cheiro de ovelha, próximos dos jovens, capazes de estar no meio deles e ser sinal, não de julgamento, mas de compreensão e abertos a perceber neles novos valores, desafios e oportunidades para uma nova evangelização. O Papa Francisco constantemente exorta-nos e anima a “sair de casa”, a ir às ruas e às periferias para encontrar as pessoas, sobretudo os mais pobres e sofredores. Vindo à universidade para seus estudos, vocês têm uma formação “em saída” e isso os fará, sem dúvida, melhores pastores, criticamente preparados, com um coração aberto e sensível.

Gostaria de destacar um aspecto da comunhão eclesial ou, como se diz na Companhia de Jesus, de “sentir com a Igreja”. Este projeto de colaboração expressa as orientações da Igreja e dos três últimos Pontífices: na perspectiva de São João Paulo II, a UNICAP formulou sua carta de princípios, segundo as orientações da Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae, definindo a missão ampla de uma universidade católica em seu serviço à Igreja, por meio da formação de profissionais marcados pelo humanismo cristão, que partilham ou não a mesma fé. Graças ao Papa Bento XVI, os bispos discerniram e apostaram numa formação universitária sólida, como aspecto enriquecedor da formação integral dos seminaristas, sabendo que os religiosos e leigos já estavam na universidade.

Enfim, o Papa Francisco insiste na formação de pastores com cheiro de ovelhas, o que inclui estudos sérios.
Isto significa partilhar com outros jovens e outras habilidades profissionais, dando testemunho de sua vocação e aprendendo com os demais a escutar, atitude fundamental para o ministério presbiteral. Nesse espírito de comunhão eclesial, importa que vocês cuidem da unidade e união de corações com nosso Papa, o qual vai dando novo impulso à dinâmica eclesial iniciada com o Concílio Vaticano II. Se as diferenças no âmbito teológico enriquecem a “inteligência” do patrimônio da fé da Igreja e se os conflitos são parte da vida e missão eclesial, fomentar divisões na Igreja, ou tomar parte em grupos sectários não poderá contribuir positivamente para o bem mais universal.

À guisa de conclusão: uma aposta no futuro de uma Igreja renovada

Finalmente, renovo meu profundo agradecimento aos senhores Arcebispos e Bispos das dioceses do Regional Nordeste II da CNBB, aos Superiores das Ordens, Congregações e Fraternidades, aos formadores do clero e religiosos, bem como a vocês, estudantes, pela confiança depositada em nossa Universidade e na Companhia de Jesus.

Queria igualmente parabenizá-los pelo valor e pela clareza de consciência ao enviar seus seminaristas e religiosos em formação à Universidade. Isso indica um olhar de longo alcance. Conheço bem os esforços feitos pela Universidade para poder corresponder mais e melhor à confiança das Igrejas locais. Encorajo a que sigam nesse diálogo fecundo, porque vivido em confiança e transparência, nas frequentes reuniões e encontros com os Bispos, formadores, professores e estudantes.

Peço-lhes que cuidem bem desta experiência para que possa seguir crescendo, amadurecendo e produzindo bons e abundantes frutos para a Igreja de Deus. A universidade é um mundo e, ao mesmo tempo, oferece as pistas para se conectar com as principais questões da realidade e os desafios de toda evangelização sem que percamos o rumo, pois temos como bússola o Concílio Vaticano II, como referência a Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae e, além disso, as orientações dos três últimos Papas.

De minha parte, confirmo a importância estratégica desta missão, muito apreciada pela Companhia de Jesus, pela formação sólida, baseada no desenvolvimento das faculdades intelectuais, mas sempre associada à experiência da realidade e aos meios abertos onde aprendemos a respeitar as diferenças do modo de viver e de pensar, reforçando, ao mesmo tempo, os fundamentos da fé em diálogo com os homens e mulheres a quem queremos anunciar o evangelho e servir.

Desejo aos professores, jesuítas e demais pessoas que colaboram nesta missão, que não meçam esforços para garantir uma formação intelectual bem fundada na grande tradição e aberta aos grandes desafios antes os quais a filosofia tanto nos ajuda a refletir, quanto a teologia ajuda-nos a repensar a partir da revelação cristã para responder às grandes questões da humanidade, com responsabilidade e mística.

A formação deve mobilizar todas as dimensões, mas sabemos que somente uma mística profunda pode ajudar cada ser humano em sua integridade, no meio de uma sociedade fragmentada, dispersa e plural. De fato, como dizia Von Balthasar, a teologia se faz de joelhos; mas convém também recordar como a Filosofia se faz caminhando. Em todo caso, tanto em uma quanto em outra etapa, é necessário cultivar a experiência de Deus, como recordava o grande Karl Rahner: o cristão do futuro, ou será místico, ou não será cristão… O futuro, para nós, é presente, dom e kairós. Este é o tempo favorável, este é o lugar oportuno para a esperança que não decepciona e que pulsa em nossos corações, pelo Espírito que nos foi dado.

Arturo Sosa, S.I.

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